Resultados pressagiam novo mandato marcado pela instabilidade. Portugueses receosos com a ascensão do Chega a segunda força política e derrota pesada da esquerda.
Os portugueses acordaram esta segunda-feira em choque e reagiram com desapontamento aos resultados das eleições legislativas, face às perspetivas de um novo governo minoritário, bem como ao triunfo sem precedentes do partido populista Chega, que dá novo impulso à viragem da Europa para a extrema-direita.
A Aliança Democrática de centro-direita, composta pelo PSD e CDS-PP, conquistou 89 dos 230 assentos na Assembleia da República, saindo vitoriosa das eleições de domingo.
Contudo, o resultado deixa a coligação sem uma maioria parlamentar e vulnerável aos partidos da oposição que a derrubaram há dois meses num voto de confiança depois de menos de um ano no poder.
A terceira eleição geral de Portugal em três anos deu pouca esperança para acabar com o pior período de instabilidade política desde há décadas no país.
Marta Costa, residente em Lisboa, disse que sentiu "desilusão e tristeza", após os resultados das eleições. "Eu acho que é muito triste. Estamos a perder o mundo e não estamos a criar um mundo decente para os nossos filhos", refere, acrescentando que o aumento do apoio ao Chega e a ascensão da extrema-direita na Europa é o que mais a preocupa.
"Sinto alguma preocupação, até pelo meu futuro, como jovem, pelas gerações ainda mais jovens do que eu, que estão agora a começar a estudar e a começar a viver, e pelas pessoas que vêm em busca de um melhor estilo de vida e melhores oportunidades aqui no nosso país", diz Henrique Bonifácio, um jovem de 27 anos.
O resultado do Chega abalou o tradicional equilíbrio de poder, uma tendência já vista noutros países da Europa, com partidos como o Rassemblement National em França, os Irmãos de Itália e a Alternativa para a Alemanha, que ascenderam ao mainstream político.
O líder do Chega, André Ventura, tem aparecido em eventos com os líderes desses partidos.
Nos últimos 50 anos, os social-democratas e o Partido Socialista de centro-esquerda têm alternado no poder em Portugal. O Chega veio alterar essa dinâmica bipartidária, conseguindo o mesmo número de assentos que os socialistas - 58 - e ainda poderá reivindicar o estatuto de segunda força política quando forem distribuídos os quatro lugares dos círculos da emigração, cujos resultados serão conhecidos nos próximos dias.
"É o pior cenário possível. O Chega estar a discutir o segundo lugar com o PS é um desastre total. Para mim, incomoda-me seriamente, enquanto portuguesa e enquanto mulher, essencialmente. Acho que é um perigo para todos nós que aquelas pessoas sem pés nem cabeça tenham alguma representação no parlamento", diz Matilde Marques, uma jovem de 24 anos, que reside em Lisboa.
O Chega foi a votos pela primeira vez há apenas seis anos, quando conquistou um assento no Parlamento, e tem vindo a alimentar-se da desaprovação dos eleitores face aos partidos tradicionais mais moderados.
Fazendo campanha com o slogan "Limpar Portugal", descreve-se como um partido nacionalista, tendo como bandeiras o controlo da imigração e o combate à corrupção.
Emilia Gordo, de 55 anos, acredita que os eleitores expressaram o desejo de mudança. "A população está cansada, então querem mudanças e tentam tudo para mudar. Mudar vai ser fundamental. É uma necessidade que o país sente".
Os socialistas, por sua vez, estão sem rumo. Após obter o pior resultado do partido desde 1987, Pedro Nuno Santos apresentou a demissão e pediu eleições internas, rejeitando recandidatar-se à liderança do PS.
O governo da Aliança Democrática perdeu um voto de confiança no parlamento em março, desencadeado por uma tempestade política em torno da potencial violação da lei da exclusividade pelo primeiro-ministro Luís Montenegro. Em causa estava a participação numa empresa familiar de consultoria. Montenegro negou qualquer irregularidade.
Os escândalos de corrupção têm atormentado a política portuguesa nos últimos anos, ajudando a alimentar a ascensão do Chega. Mas o partido recentemente também foi atingido por escândalos, devido à alegada má conduta dos seus próprios parlamentares e dirigentes. Furto de malas, taxa crime de álcool e prostituição de menores são apenas alguns dos casos.
Como reagiu a imprensa internacional às eleições portuguesas?
Esta segunda-feira, a vitória da AD enchia as páginas dos principais jornais internacionais, com grande destaque também para o crescimento do Chega, além da humilhação do PS.
Na vizinha Espanha, o El País dá destaque principal às eleições legislativas em Portugal tanto na edição impressa como no site. O diário espanhol fala no "triunfo conservador", na "forte ascensão dos ultras", e no "revés histórico da esquerda" — sublinhando a demissão de Pedro Nuno Santos. O El Mundo também traz o resultado das legislativas na primeira página. "O conservador Montenegro ganha as eleições e os ultras do Chega empatam com o Partido Socialista", diz o título do jornal espanhol. O La Vanguardia também tem a vitória da AD na capa e na página principal da versão online e fala em "revalidação da direita".
A BBC também deu destaque às eleições portuguesas no site, com o título: "Partido do primeiro-ministro de Portugal vence eleições mas fica aquém da maioria". A estação britânica chama ao Chega de "novato" e dá ênfase à demissão de Pedro Nuno Santos.
Também o The Guardian deu destaque ao tema na edição impressa, com uma nota sobre a vitória da AD num pequeno quadrado também dedicado às eleições na Roménia e na Polónia. "Partido de centro-direita vence eleições portuguesas enquanto a extrema-direita quebra recordes novamente", diz o título do artigo, que dá ênfase ao recorde de votos do Chega e à dificuldade de Luís Montenegro fechar um acordo de maioria.
Em França, o Le Monde evidencia o "colapso da esquerda para proveito da extrema-direita".
Já em Itália, o Corriere della Sera escreve sobre o "colapso histórico dos socialistas".
Nos jornais brasileiros as eleições portuguesas também são assunto e ganharam espaço nas capas das edições impressas. O tema está na primeira página da Folha de S. Paulo: "Portugal vê ultradireita igualar cadeiras socialistas em derrocada da esquerda".
O Estadão também tem as eleições em destaque no site: "Em Portugal, vitória de centro-direita e avanço da direita radical escancaram derrocada da esquerda".
Nos Estados Unidos, as eleições portuguesas não tiveram muito destaque em órgãos como a CNN, o New York Times, ou a Fox News, que deram mais relevância à vitória do partido de centro na Roménia. ABC News e The Washington Post publicaram notícias de agências internacionais, como a Associated Press.