{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/2023/04/21/antonio-vitorino-nao-podemos-aceitar-que-se-criem-ilusoes-de-que-e-simples-entrar-na-europ" }, "headline": "Ant\u00f3nio Vitorino: \u0022N\u00e3o podemos aceitar que se criem ilus\u00f5es de que \u00e9 simples entrar na Europa\u0022", "description": "O diretor-geral da Organiza\u00e7\u00e3o Internacional para as Migra\u00e7\u00f5es falou com a Euronews sobre a crise migrat\u00f3ria na Uni\u00e3o Europeia e os desafios que se imp\u00f4em aos Estados-membros.", "articleBody": "O n\u00famero de requerentes de asilo que chegam \u00e0 Europa disparou. Este ano, mais de 40 mil pessoas sem documentos atravessaram o Mar Mediterr\u00e2neo contribuindo para uma das taxas mais elevadas desde a crise migrat\u00f3ria de 2015. Nos primeiros tr\u00eas meses de 2023, morreram ou desapareceram cerca de 700 pessoas. Para discutir esta nova crise iminente, a Euronews falou com Ant\u00f3nio Vitorino, diretor-geral da Organiza\u00e7\u00e3o Internacional para as Migra\u00e7\u00f5es (OIM). Anelise Borges, Euronews: Na realidade n\u00e3o \u00e9 uma crise nova e iminente, mas sim mais um cap\u00edtulo da crise humanit\u00e1ria que acontece na Europa h\u00e1 mais de oito anos. O que \u00e9 que a sua organiza\u00e7\u00e3o est\u00e1 a testemunhar especificamente no Mediterr\u00e2neo Central? Ant\u00f3nio Vitorino: O Mediterr\u00e2neo Central tem sido uma rota de crescimento constante para a Europa. Mesmo durante a pandemia, os n\u00fameros continuaram a aumentar. E como disse, os n\u00fameros dos primeiros tr\u00eas meses deste ano s\u00e3o quatro vezes superiores aos do ano ado no mesmo per\u00edodo. Portanto, \u00e9 bastante claro que h\u00e1 uma s\u00e9rie de rotas para a Europa de migrantes que est\u00e3o a chegar agora, principalmente para It\u00e1lia. E It\u00e1lia est\u00e1 sobrecarregada com esta press\u00e3o. A.B.: Quero ler algo que a OIM divulgou: \u0022Atrasos nos salvamentos conduzidos pelo Estado na rota do Mediterr\u00e2neo Central foram um fator em pelo menos seis incidentes (naufr\u00e1gios) este ano, levando \u00e0 morte de pelo menos 127 pessoas. A aus\u00eancia total de resposta a um s\u00e9timo caso custou a vida de pelo menos 73 pessoas\u0022. Diria que os governos europeus t\u00eam sangue nas m\u00e3os? A.V.: Creio que existe uma necessidade urgente de os Estados-membros europeus levarem a s\u00e9rio uma proposta que a pr\u00f3pria comiss\u00e3o apresentou para abordar as tr\u00eas quest\u00f5es-chave em jogo: primeiro, as pessoas precisam de ser impedidas de embarcar - em viagens perigosas - e isso depende da coopera\u00e7\u00e3o com os pa\u00edses de partida. 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Por isso, penso que \u00e9 absolutamente necess\u00e1rio exercer uma forte press\u00e3o sobre as institui\u00e7\u00f5es europeias e sobre os Estados-membros europeus para se chegar a uma abordagem conjunta. A.B.: Em termos dos dados que recolhe e das \u00e1reas que est\u00e1 a monitorizar especificamente na Europa, h\u00e1 s\u00edtios que o preocupam mais neste momento? A.V.: Tivemos uma crise muito grave, na Bielorr\u00fassia, na fronteira com a Pol\u00f3nia. E deixei muito claro que condenamos qualquer tipo de instrumentaliza\u00e7\u00e3o de migrantes e refugiados por um Estado para fins pol\u00edticos. Este tipo de situa\u00e7\u00f5es n\u00e3o pode voltar a acontecer, n\u00e3o podemos aceitar que se criem ilus\u00f5es para pessoas em desespero, a ideia de que \u00e9 simples e r\u00e1pido entrar num outro pa\u00eds, ou na Europa. \u00c9 uma viola\u00e7\u00e3o do direito internacional, uma viola\u00e7\u00e3o dos direitos fundamentais dos migrantes e refugiados. 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Mas \u00e9 uma situa\u00e7\u00e3o muito desafiante, porque se trata de pessoas traumatizadas pela guerra, pessoas vulner\u00e1veis a abusos, \u00e0 explora\u00e7\u00e3o, particularmente mulheres e crian\u00e7as. E \u00e9 preciso encontrar os recursos necess\u00e1rios para apoiar uma longa estadia nos pa\u00edses de acolhimento, porque agora j\u00e1 ou mais de um ano ap\u00f3s o in\u00edcio da invas\u00e3o russa e as perspetivas de regresso \u00e0 Ucr\u00e2nia n\u00e3o parecem estar ao virar da esquina, porque as pessoas s\u00f3 podem regressar quando as condi\u00e7\u00f5es de seguran\u00e7a estiverem reunidas, a fim de reconstruir a Ucr\u00e2nia, o que vai ser muito necess\u00e1rio. A.B.: H\u00e1 m\u00faltiplas crises graves neste momento, mas h\u00e1 uma que paira sobre todas as outras: as altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas. 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Estas pessoas que s\u00e3o afetadas pelas altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas - 20 milh\u00f5es por ano, na \u00faltima d\u00e9cada \u2013 a maioria est\u00e1 deslocada internamente, mas mais cedo ou mais tarde v\u00e3o atravessar uma fronteira internacional e ser\u00e3o menos os chamados \u201cmigrantes clim\u00e1ticos\u201d. E \u00e9 por isso que as conclus\u00f5es de Sharm el Sheikh foram importantes, porque, pela primeira vez na COP 27, foi reconhecido que as altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas j\u00e1 est\u00e3o a ter um impacto hoje em dia e a for\u00e7ar as pessoas a deslocarem-se. E precisamos de lhes fornecer assist\u00eancia para salvar vidas e depois encontrar solu\u00e7\u00f5es duradouras para o futuro. A.B.: Mas qu\u00e3o longe ainda estamos disso? Porque uma coisa \u00e9 reconhecer que, sim, de facto existe um problema, certo? Mas quando \u00e9 que isso vai ser traduzido em a\u00e7\u00e3o? E, na sua opini\u00e3o, ainda temos tempo? A.V.: Precisamos de agir urgentemente em termos globais sobre as altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas e em termos concretos para as regi\u00f5es mais vulner\u00e1veis do mundo. E, claro, para isso precisamos de apostar na adapta\u00e7\u00e3o, mitiga\u00e7\u00e3o e constru\u00e7\u00e3o da resili\u00eancia das comunidades. Muitos pa\u00edses j\u00e1 est\u00e3o a tomar essas medidas, mas o esfor\u00e7o que \u00e9 necess\u00e1rio vai al\u00e9m da sua capacidade. Portanto, \u00e9 necess\u00e1ria uma mobiliza\u00e7\u00e3o da comunidade internacional para apoiar esses pa\u00edses. 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António Vitorino: "Não podemos aceitar que se criem ilusões de que é simples entrar na Europa"

António Vitorino: "Não podemos aceitar que se criem ilusões de que é simples entrar na Europa"
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O diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações falou com a Euronews sobre a crise migratória na União Europeia e os desafios que se impôem aos Estados-membros.

O número de requerentes de asilo que chegam à Europa disparou. Este ano, mais de 40 mil pessoas sem documentos atravessaram o Mar Mediterrâneo contribuindo para uma das taxas mais elevadas desde a crise migratória de 2015. Nos primeiros três meses de 2023, morreram ou desapareceram cerca de 700 pessoas.

Para discutir esta nova crise iminente, a Euronews falou com António Vitorino, diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Anelise Borges, Euronews: Na realidade não é uma crise nova e iminente, mas sim mais um capítulo da crise humanitária que acontece na Europa há mais de oito anos. O que é que a sua organização está a testemunhar especificamente no Mediterrâneo Central?

António Vitorino: O Mediterrâneo Central tem sido uma rota de crescimento constante para a Europa. Mesmo durante a pandemia, os números continuaram a aumentar. E como disse, os números dos primeiros três meses deste ano são quatro vezes superiores aos do ano ado no mesmo período.

Portanto, é bastante claro que há uma série de rotas para a Europa de migrantes que estão a chegar agora, principalmente para Itália. E Itália está sobrecarregada com esta pressão.

A.B.: Quero ler algo que a OIM divulgou: "Atrasos nos salvamentos conduzidos pelo Estado na rota do Mediterrâneo Central foram um fator em pelo menos seis incidentes (naufrágios) este ano, levando à morte de pelo menos 127 pessoas. A ausência total de resposta a um sétimo caso custou a vida de pelo menos 73 pessoas". Diria que os governos europeus têm sangue nas mãos?

A.V.: Creio que existe uma necessidade urgente de os Estados-membros europeus levarem a sério uma proposta que a própria comissão apresentou para abordar as três questões-chave em jogo: primeiro, as pessoas precisam de ser impedidas de embarcar - em viagens perigosas - e isso depende da cooperação com os países de partida. Em segundo lugar, há necessidade de uma iniciativa liderada pelo Estado sobre busca e salvamento - não podemos deixar isso apenas às ONG - e, claro, precisamos de evitar que as pessoas morram no Mediterrâneo. E em terceiro lugar, e isto é muito importante, há necessidade de ter previsibilidade nos pontos de desembarque porque não podem simplesmente ir para o porto mais próximo e há necessidade de estabelecer um rápido processo de realojamento para não sobrecarregar os países que estão geograficamente expostos.

É bastante claro que o progresso na adoção dos instrumentos jurídicos do Pacto [sobre asilo e migração] não progrediu assim tanto.
António Vitorino
Diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações

A.B.: É interessante o que diz sobre a coordenação quando se trata de receber estas pessoas... os portos de desembarque. Não trabalho nesta questão há tanto tempo como o senhor, mas sinto-me bastante desanimada ao ver que nada parece mudar, ano após ano. É quase como se pudesse usar as mesmas palavras, as mesmas imagens, para descrever a situação ano após ano. Compreende a União Europeia, foi comissário europeu, por que pensa que isso acontece? Por que é que os governos europeus não se podem juntar para abordar esta questão?

A.V.: De facto, tem razão. A Comissão Europeia apresentou a proposta de um pacto sobre asilo e migração para ter uma abordagem comum e normas comuns entre todos os estados-membros da União Europeia. É bastante claro que o progresso na adoção dos instrumentos jurídicos do Pacto não progrediu assim tanto. Isto mostra que ainda existem diferenças na perspetiva, em como a migração é vista por diferentes Estados-membros. Mas o meu ponto-chave é que nenhum país sozinho pode enfrentar o desafio. Só trabalhando em conjunto poderemos ter sucesso. Por isso, penso que é absolutamente necessário exercer uma forte pressão sobre as instituições europeias e sobre os Estados-membros europeus para se chegar a uma abordagem conjunta.

A.B.: Em termos dos dados que recolhe e das áreas que está a monitorizar especificamente na Europa, há sítios que o preocupam mais neste momento?

A.V.: Tivemos uma crise muito grave, na Bielorrússia, na fronteira com a Polónia. E deixei muito claro que condenamos qualquer tipo de instrumentalização de migrantes e refugiados por um Estado para fins políticos. Este tipo de situações não pode voltar a acontecer, não podemos aceitar que se criem ilusões para pessoas em desespero, a ideia de que é simples e rápido entrar num outro país, ou na Europa. É uma violação do direito internacional, uma violação dos direitos fundamentais dos migrantes e refugiados. E o que aconteceu não pode voltar a acontecer.

A.B.: Em termos de lição positiva que a Europa tem mostrado ao mundo ao abordar as rotas migratórias - e as opções legais para as pessoas se deslocarem - eu diria que a guerra na Ucrânia tem servido como um bom exemplo do que pode ser feito quando os países se juntam e tentam encontrar um plano coeso. Mas tem havido muitas críticas em relação a isso porque algumas pessoas - e estou a citar ativistas e trabalhadores humanitários - dizem que parece haver um duplo padrão. Quando os refugiados se assemelham a nós, quando têm a mesma religião que nós, são bem-vindos. O que diz em relação a isso?

A.V.: Creio que a utilização da Diretiva de Proteção Temporária que apresentei quando era comissário, em 2020, e que foi depois aprovada, provou ser um instrumento muito eficaz de solidariedade, de apoio. Mas é uma situação muito desafiante, porque se trata de pessoas traumatizadas pela guerra, pessoas vulneráveis a abusos, à exploração, particularmente mulheres e crianças. E é preciso encontrar os recursos necessários para apoiar uma longa estadia nos países de acolhimento, porque agora já ou mais de um ano após o início da invasão russa e as perspetivas de regresso à Ucrânia não parecem estar ao virar da esquina, porque as pessoas só podem regressar quando as condições de segurança estiverem reunidas, a fim de reconstruir a Ucrânia, o que vai ser muito necessário.

Há mais pessoas deslocadas devido às alterações climáticas, do que devido a conflitos
António Vitorino
Diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações

A.B.: Há múltiplas crises graves neste momento, mas há uma que paira sobre todas as outras: as alterações climáticas. Já há algum tempo que falamos sobre isso, em como o clima poderá ser a fonte número um de deslocações de pessoas no futuro, mas temos cerca de 20 milhões de pessoas deslocadas por estes fenómenos todos os anos. Sente que os governos compreendem o desafio que têm pela frente e tomam medidas para tentarem criar um sistema que, pelo menos, permita acomodar estas pessoas deslocadas, que tiveram de abandonar as suas casas?

A.V.: Há mais pessoas deslocadas devido às alterações climáticas, do que devido a conflitos, apesar de muitos países estarem vulneráveis ao clima e com conflitos internos. Portanto, os dois elementos jogam em conjunto, interagem e são desencadeadores de deslocações. Estas pessoas que são afetadas pelas alterações climáticas - 20 milhões por ano, na última década – a maioria está deslocada internamente, mas mais cedo ou mais tarde vão atravessar uma fronteira internacional e serão menos os chamados “migrantes climáticos”. E é por isso que as conclusões de Sharm el Sheikh foram importantes, porque, pela primeira vez na COP 27, foi reconhecido que as alterações climáticas já estão a ter um impacto hoje em dia e a forçar as pessoas a deslocarem-se. E precisamos de lhes fornecer assistência para salvar vidas e depois encontrar soluções duradouras para o futuro.

A.B.: Mas quão longe ainda estamos disso? Porque uma coisa é reconhecer que, sim, de facto existe um problema, certo? Mas quando é que isso vai ser traduzido em ação? E, na sua opinião, ainda temos tempo?

A.V.: Precisamos de agir urgentemente em termos globais sobre as alterações climáticas e em termos concretos para as regiões mais vulneráveis do mundo. E, claro, para isso precisamos de apostar na adaptação, mitigação e construção da resiliência das comunidades. Muitos países já estão a tomar essas medidas, mas o esforço que é necessário vai além da sua capacidade. Portanto, é necessária uma mobilização da comunidade internacional para apoiar esses países.

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