Com Netanyahu a declarar a intenção de controlar a totalidade do território palestiniano, Philippe Lazzarini diz à Euronews que os planos israelitas para Gaza são "distópicos".
O comissário-geral da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNRWA), Philippe Lazzarini, afirmou que receia que Gaza deixe de ser uma "terra onde os palestinianos possam viver", devido à intensificação dos ataques aéreos e das operações terrestres israelitas.
Numa entrevista à Euronews, no início desta semana, Lazzarini falou sobre os planos israelitas para controlar a Faixa de Gaza na sua totalidade: "Já vimos muitos planos (israelitas), alguns mais distópicos do que outros."
Um desses planos, ao qual a Euronews teve o exclusivo na semana ada, sugeria que as IDF poderiam introduzir temporariamente a lei marcial e forçar os civis a ficar em zonas específicas, de segurança.
"Não há lugares seguros em Gaza", disse Lazzarrini à Euronews. "Aquilo que vejo neste momento é a continuação da destruição, das mortes e da matança dos palestinianos em Gaza. E o meu receio é que cheguemos a um ponto em que Gaza deixe de ser uma terra onde os palestinianos possam viver."
Na segunda-feira, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu autorizou a entrada de quantidades "básicas" de alimentos em Gaza, após onze semanas de bloqueio a todas as entregas humanitárias.
Israel diz que a ajuda foi cortada porque estava a ser saqueada e "monetizada" por grupos militantes e pelo Hamas, que liderou os ataques de 7 de outubro contra Israel que desencadearam a guerra entre Israel e o Hamas em Gaza.
Mas a decisão de Israel de permitir a entrada de quantidades limitadas de alimentos foi descrita como uma "distração" por grupos de ajuda humanitária. A União Europeia e o Reino Unido anunciaram entretanto que iriam rever as suas relações comerciais com Israel.
"O facto de sermos confrontados com uma situação de fome em Gaza é um ultraje absoluto. É uma coisa completamente fabricada, causada pelo Homem", disse Lazzarini. "Basicamente, estamos numa situação em que a fome e a alimentação estão a ser transformadas em armas para fins políticos e militares."
Israel afirma que deu início a uma nova operação de ajuda com o apoio dos EUA, que estará operacional no final de maio. A Fundação Humanitária de Gaza (GHF), uma instituição de caridade registada na Suíça e apoiada pelos EUA, tenciona criar centros de ajuda com o apoio de empresas privadas.
Lazzarini rejeitou o projeto, afirmando que não respeita "nenhum princípio humanitário básico, incluindo os da humanidade e imparcialidade".
A GHF afirmou que os civis em Gaza seriam obrigados a recolher pacotes de ajuda com um peso máximo de 20 kg em pontos de distribuição limitados.
Lazzarini afirmou que a operação iria cortar a ajuda aos "mais vulneráveis" e "dar origem a uma deslocação forçada" enquanto decorre a operação militar.
Chefe da UNRWA obrigado a "ponderar" o encerramento da agência
A UNRWA tem sido, até à data, a principal fonte de ajuda humanitária aos palestinianos em Gaza. Mas as atividades da agência nos territórios palestinianos ocupados foram proibidas em janeiro ao abrigo de duas leis israelitas.
Israel tem acusado sistematicamente de haver uma "infiltração" na agência por parte do Hamas, que foi designado como organização terrorista pelos EUA, Canadá, Austrália, Reino Unido e União Europeia, entre outros.
No ano ado, dezanove membros do pessoal da UNRWA foram suspensos devido a suspeitas de que poderiam ter estado envolvidos nos ataques de 7 de outubro contra Israel. O governo israelita afirma também ter provas de que as instalações da UNRWA em Gaza estavam a ser utilizadas por operacionais do Hamas como abrigo e para o armazenamento de armas.
Lazzarini afirmou que as investigações sobre os 19 membros do pessoal não foram "conclusivas", mas que, apesar disso, a agência prosseguiu para as suspensões.
"Sempre que surgem acusações de que um funcionário pode fazer parte do grupo armado do Hamas, somos rápidos a agir. Mas para isso tem de existir colaboração, precisamos de informação", disse Lazzarini.
"Nos últimos dois anos, pedi repetidamente ao governo de Israel que partilhasse informações com a ONU e com a UNRWA. Até hoje, nunca recebemos qualquer informação concreta."
As finanças da UNRWA também sofreram com o afastamento de doadores importantes como os EUA, que doavam cerca de 422 milhões de dólares (372 milhões de euros) por ano à agência.
"Espero não vir a ser empurrado para uma posição na qual tenha de ser forçado a anunciar a suspensão de todos os nossos serviços", disse Lazzarini. "Isto é algo que, infelizmente, tenho ponderado com frequência."
Segundo Lazzarini, os cortes na ajuda podem sair caros
Lazzarini apelou aos governos ocidentais para que "não comprometam a capacidade de resposta da agência às crises" com cortes radicais nos orçamentos de ajuda humanitária.
Vários governos ocidentais, incluindo o dos EUA, do Reino Unido, da Suíça, da Alemanha e da França, reduziram consideravelmente os orçamentos destinados ao tema nos últimos meses.
"Sei que muitos países estão a ar por uma fase de austeridade, mas a cooperação internacional e a assistência humanitária não são áreas nas quais os países devam cortar", explicou Lazzarini.
"Se não conseguirmos resolver estas crises, as pessoas vão querer ir embora destes locais e, muito provavelmente, virão para cá, e o custo será muito mais alto", explicou, sugerindo que os cortes poderiam desencadear uma migração forçada a partir de áreas em crise.
Veja a entrevista completa deste Europe Conversation no vídeo acima.