Em Portugal, dois candidatos a primeiro-ministro são alvo de averiguações preventivas motivadas por denúncias anónimas. Poderá este instrumento ter influência na campanha eleitoral?
Há dois candidatos a primeiro-ministro que em plena campanha eleitoral são alvo de averiguações preventivas, com base em denúncias anónimas. No caso de Luís Montenegro pode estar em causa a violação da exclusividade de funções. Já a averiguação a Pedro Nuno Santos tem que ver com a aquisição de dois imóveis.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) tem desde 2010 um canal de denúncias aberto. Paulo Lona, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, ite que há a perceção de que em perídos eleitorais o volume de queixas aumenta.
"Há uma percepção de que isso acontece de facto, há uma perceção púbica que é transmitida também pela comunicação social, porque quem faz comentário, de que haverá um maior número de denúncias anónimas em períodos pré eleitorais", comenta em declarações à Euronews.
Nas últimas semanas, o Ministério Público tem sido criticado por ter avançado com averiguações em pré-campanha eleitoral. Para Paulo Lona, o trabalho do Ministério Público não pode parar em períodos eleitorais e vê com "normalidade" a abertura das averiguações a Montenegro e Pedro Nuno.
"Se olharmos para o calendário vamos ter três eleições: eleições legislativas, eleições autárquicas e eleições presidenciais só este ano. Portanto, a atividade do Ministério Público não pode parar só porque estamos num período pré eleitoral ou eleitoral", refere.
Paulo Lona também descarta que haja um violação de um dever de reserva com a divulgação destas averiguações preventivas, até porque os factos eram públicos.
Além disso, "quando dá entrada uma denúncia anónima no portal da PGR, o denunciante fica com o registo quer do número da denúncia, quer dos factos, e com grande facilidade vai enviar para a redação de um jornal e se a seguir vierem perguntar à PGR se essa denúncia existe e o que aconteceu a PGR não vai negar a existência disso", argumenta.
Por seu lado, o advogado Paulo Saragoça da Matta ite que haja motivações políticas por trás das denúncias e acredita que a sua divulgação em períodos eleitorais pode ter impacto na perceção que os eleitores têm dos candidatos.
"Quando se utiliza, seja o inquérito criminal, seja a averiguação preventiva como informação pública, principalmente numa campanha eleitoral, estamos a manipular a própria massa eleitoral, o próprio colégio eleitoral. Estamos a lançar essa suspeita, que é sempre mais ou menos forte, e muitos dos cidadãos vão ser sensíveis à existência da averiguação preventiva", sublinha.
O penalista atenta ainda para outro problema. "Cada um dos contendores políticos vai utilizar o conhecimento público de que há uma averiguação preventiva para atacar o outro contendor. Isto torna a investigação criminal numa arma de arremesso político."
A maioria das queixas apresentadas no portal da Procuradoria-Geral da República são arquivadas. Em 2023, houve cerca de 2 mil denúncias, sendo que 56% destas foram apresentadas por denunciantes anónimos e apenas 14% deram lugar à instauração de inquérito.
Estes dados revelam que a maioria das denúncias não tem fundamento ou indícios suficientes para dar origem a uma investigação criminal.
"O grosso das denúncias são coisas absolutamente infundadas, absolutamente motivadas, diria eu, por sentimentos psicologicamente justificáveis, mas eticamente reprováveis. E mostra também a fragilidade do depoimento de um delator", acusa Saragoça da Matta.
No que toca ao objeto ou visado da denúncia, em 2023, a grande maioria (45,2%) pertence ao setor privado, seguido do setor público, com 33,2%. Segue-se o setor desportivo, com 7,2%, depois o comércio internacional e, por último, setores não especificados.
Já o número de denunciantes anónimos supera em qualquer um dos três anos em análise o número de denunciantes identificados.