O novo regulamento relativo aos estrangeiros foi, pela primeira vez, alvo de controvérsia. As ONG denunciam que a reforma das regras impede que o tempo que os requerentes de asilo am legalmente em Espanha seja utilizado para obter uma autorização de residência.
Na terça-feira, o governo espanhol lançou o novo Regulamento de Estrangeiros, que visa facilitar a regularização de até 900.000 imigrantes nos próximos três anos. A iniciativa visa simplificar os procedimentos, eliminar duplicações e criar novas categorias de enraizamento, embora também tenha sido criticada pelo seu impacto nos requerentes de asilo e nos menores em situação de vulnerabilidade.
Estas são as principais alterações: novas formas de “enraizamento” e melhorias no reagrupamento familiar
O regulamento introduz cinco tipos de "enraizamento" (uma forma legal de os estrangeiros em situação irregular estabilizarem a sua estadia): social, sócio-laboral, sócio-formativo, de segunda oportunidade e familiar. Uma das novidades mais importantes é o facto de os imigrantes poderem agora trabalhar, quer como trabalhadores por conta de outrem, quer como trabalhadores independentes, desde o primeiro momento. Além disso, o tempo de permanência em Espanha para ter direito ao estatuto de enraizamento social foi reduzido de três para dois anos.
No que se refere ao reagrupamento familiar, o regulamento alarga os direitos dos membros da família de cidadãos espanhóis. Agora, os filhos até aos 26 anos de idade e os casais que não estejam formalmente registados poderão beneficiar desta modalidade, desde que possam provar uma relação estável e afetiva.
Vistos e oportunidades de trabalho
O regulamento introduz um regime de vistosmais claro, com autorizações iniciais de um ano e renovações que serão alargadas a quatro anos. Além disso, a duração do visto para candidatos a emprego é alargada para um ano, o que, de acordo com o Ministério da Inclusão, Segurança Social e Migração, permitirá às pessoas encontrar oportunidades de emprego que correspondam ao seu perfil e responder às exigências das empresas.
Alterações para os estudantes e críticas sobre o impacto nos requerentes de asilo
Os estudantes estrangeiros também serão beneficiados, com autorizações de estadia adaptadas à duração dos seus estudos e a possibilidade de trabalharem até 30 horas por semana. No final da sua formação, terão uma via direta para obter autorizações de trabalho.
No entanto, o regulamento gerou controvérsia, uma vez que exclui o tempo ado como requerente de proteção internacional do cálculo de o ao estatuto de enraizamento. Isto significa que as pessoas cujos pedidos de asilo são rejeitados podem permanecer em situação irregular até dois anos. Embora tenha sido estabelecida uma medida transitória que reduz este período para seis meses durante o primeiro ano de aplicação, muitas ONG denunciaram o impacto negativo nos direitos dos migrantes e dos menores.
Recursos jurídicos e resposta política
Várias organizações, como a Cáritas e a Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado (CEAR), levaram o regulamento ao Supremo Tribunal, alegando que este incentiva a irregularidade superveniente. Além disso, o Provedor de Justiça advertiu recentemente que o novo regulamento poderia afetar negativamente milhares de menores imigrantes.
Perante estas críticas, o governo acelerou a promoção de uma Iniciativa Legislativa Popular (ILP) para a regularização extraordinária de imigrantes, apoiada por mais de 600 mil s. A proposta, que estava parada há mais de um ano, conta agora com o apoio do PSOE e visa regularizar meio milhão de pessoas que residiam em Espanha antes de 31 de dezembro de 2023. Embora o novo regulamento seja considerado um o importante para uma política migratória mais inclusiva, os seus efeitos colaterais continuam a ser objeto de debate entre o executivo, as organizações sociais e a oposição política.
“Nacionalidade não pode ser um presente ou uma arma política”
A porta-voz do VOX no Congresso, Pepa Millán, rejeitou categoricamente o novo regulamento de estrangeiros, que entrou em vigor na terça-feira, argumentando que representa uma tentativa do governo de Pedro Sánchez de “moldar o recenseamento” para fins políticos. Millán expressou a sua posição numa conferência de imprensa no Congresso dos Deputados.
“A nacionalidade não pode, em caso algum, ser um presente e muito menos uma arma política para moldar o recenseamento, que é, em última análise, o que o governo de Sánchez pretende”, afirmou. Millán criticou ainda o facto de a flexibilização dos requisitos para o enraizamento poder permitir a regularização de quase um milhão de imigrantes em situação irregular. "O governo reduziu o período necessário de permanência em Espanha para dois anos, exceto no caso de raízes familiares, que não o exige. Estão a tornar este número extremamente flexível para atingirem os seus objetivos políticos", sublinhou.
Alertou também para os riscos da aplicação destas medidas no contexto atual. “Os planos do governo são especialmente perigosos devido ao contexto em que nos encontramos”, acrescentou, sem detalhar os elementos que considera ameaçadores. A porta-voz do VOX sublinhou ainda que estas políticas não correspondem a uma gestão ordenada da imigração, mas sim a uma estratégia partidária que, na sua opinião, compromete o bem-estar do país.
“Novo regulamento facilita o ao enraizamento, mas penaliza requerentes de asilo”
De acordo com Elena Muñoz, coordenadora estatal do Departamento Jurídico da Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado (CEAR), o novo regulamento facilita a regularização de pessoas em situação irregular. Explica que, ao contrário do regulamento anterior, já não é necessário cumprir três anos para ter o ao estatuto de "enraizamento", pois, “agora, todos os tipos de ‘enraizamento’ são iguais”. Além disso, salienta que os requisitos também foram flexibilizados, como a redução do horário de trabalho exigido nos contratos, que ou de 30 para 20 horas por semana. Para Muñoz, estas modificações representam “melhorias significativas para a população migrante em geral”.
No entanto, a especialista salienta que o regulamento inclui medidas que são prejudiciais para os requerentes de asilo. “Enquanto estão a ser processados, não são elegíveis para asilo e, se o seu pedido for rejeitado, o tempo que aram como requerentes não é contabilizado”, salienta. Esta situação pode levar a que muitos em meses ou mesmo anos em situação irregular.
Muñoz destaca uma exceção: "Durante o primeiro ano de aplicação das novas regras, os requerentes de asilo a quem já tenha sido recusado asilo poderão beneficiar do enraizamento após seis meses". No entanto, lamenta que, embora a lei estabeleça um prazo de seis meses para a resolução dos pedidos de asilo, “a istração não cumpre esta disposição e muitas pessoas estão à espera há mais de dois anos”. Antes, este tempo era considerado parte do enraizamento, mas agora já não. Segundo Muñoz, esta parte do regulamento foi objeto de recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, com o argumento de que poderia violar os direitos fundamentais, e espera-se que “o processo não demore muito tempo”.
Quanto aos menores, Muñoz refere avanços importantes, como a possibilidade de os nascidos em Espanha regularizarem o seu estatuto no prazo de seis meses após o seu nascimento ou adoção. No entanto, adverte que “este prazo pode ser insuficiente nos casos em que a documentação ou os procedimentos estão atrasados”. Por outro lado, sublinha que, no caso dos menores não acompanhados, “é obrigação da istração dar início ao processo de residência”. Neste contexto, critica a alteração da interpretação do silêncio istrativo, que a de positivo a negativo, o que significa que, “se não for dada uma resposta dentro do prazo, considera-se que a autorização de residência foi recusada”.
Por último, insiste na necessidade de dotar os serviços de imigração de mais pessoal e meios tecnológicos. Embora reconheça que o regulamento simplifica alguns procedimentos, alerta para o facto de “existir ainda uma carga burocrática significativa que complica os processos”.
“Muitas pessoas estão a desistir de pedir asilo por receio de se tornarem irregulares”
Por seu lado, Diego Fernández-Maldonado, responsável de incidentes de mobilidade humana na Cáritas Espanha, considera que o novo regulamento introduz avanços, como a redução do tempo necessário para beneficiar do enraizamento para dois anos, tornando-o igual para todos os casos. No entanto, manifesta a sua preocupação relativamente a alguns elementos, especialmente os relacionados com os requerentes de asilo. "Apesar de muitas destas pessoas estarem plenamente enraizadas no país, o novo regulamento não reconhece este facto", explica. Se lhes for recusado o asilo, “terão de iniciar um novo processo de dois anos para regularizar a sua situação”, o que representa um retrocesso.
Fernández-Maldonado refere que esta situação tem levado muitas pessoas a tomar decisões difíceis, como “desistir de pedir proteção internacional para evitar estar em situação irregular”. Assegura que a falta de recursos na istração pública é um dos fatores que agravam o problema, uma vez que “o tempo necessário para resolver os pedidos é significativamente prolongado”, algo que afeta diretamente as condições de vida dos imigrantes.
Em relação aos menores, comenta que, embora os menores não acompanhados continuem a ter um regime favorável, “não se registaram progressos significativos na garantia dos seus direitos”. As condições de reagrupamento familiar também não melhoraram, o que, segundo o relatório, “favorece o desaparecimento de menores ou os reagrupamentos informais”.
Por último, sublinha que "o colapso dos gabinetes de imigração e a crescente dependência dos procedimentos telemáticos colocam novos obstáculos aos migrantes", especialmente para aqueles que não têm o a certificados eletrónicos. A Cáritas continua a insistir na necessidade de "reforçar os recursos humanos e tecnológicos destes gabinetes para garantir uma atenção mais próxima e eficiente". Sublinha que "qualquer melhoria regulamentar deve ser acompanhada de um sistema istrativo mais ágil e ível".