Notificações de retorno de estrangeiros aram para um décimo, quando o número de imigrantes quase triplicou. Governo quis pôr ordem na casa e vai expulsar pelo menos 18 mil pessoas. Um explicador sobre o que se a com a imigração em Portugal.
Portugal tem hoje oficialmente 1.546.521 de imigrantes. Têm entrado, anualmente, mais de 100 mil. Esta nova população está a suprir necessidades de mão de obra, a estimular o consumo e a reforçar as contas da segurança social. Em 2024, por exemplo, os imigrantes deram um saldo positivo de 3.600 milhões de euros à segurança social e representavam 12,4% das contribuições totais.
As estatísticas divulgadas pelo Governo no início de abril, no relatório "População Estrangeira em Portugal", produzido pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), davam conta que poderão ser mais de 1,6 milhões em breve. Isto deve-se aos cerca de 50 mil imigrantes, abrangidos pelo "regime transitório" criado pela Assembleia da República, que já estavam em Portugal antes de 3 de Junho de 2024, e já apresentaram pedido de regularização da sua presença.
Se se confirmarem as previsões, a população estrangeira chegará, assim, a representar cerca de 15% dos 10,6 milhões de residentes registados em Portugal. É um aumento que quadruplica os valores de 2017.
O que mudou?
Quando o Governo da Aliança Democrática iniciou funções, há 11 meses, havia mais de 400 mil processos pendentes relativos a cidadãos imigrantes em território nacional, herdados do executivo anterior.
Em junho do ano ado, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, criou uma estrutura de missão para dar um andamento mais rápido aos processos. O trabalho, liderado por Luís Goes Pinheiro, arrancou em setembro e já conta com mais de 220 mil imigrantes atendidos em todo o território.
Esta task force foi uma das 41 medidas do Plano de Ação para as Migrações, anunciado no dia 3 de junho do ano ado. A primeira operação foi cessar o mecanismo das manifestações de interesse, implementado em 2017 pelo governo de António Costa.
O procedimento permitia a qualquer estrangeiro entrar em Portugal e pedir a regularização no país, desde que inscrito e com situação regularizada perante a Segurança Social e mediante contrato de trabalho ou recibos verdes.
Era até então o meio mais utilizado para permanecer em Portugal e apontado pelo atual Governo como a causa de um descontrolo na imigração. Um relatório de avaliação sobre a Gestão das Migrações em Portugal, elaborado pela Associação Para Memória Futura SEF (APMFSEF), indica que, desde 2017, mais de 1 milhão de manifestações de interesse foram registadas em Portugal.
Desde 3 de junho de 2024, quando foi revogado o regime das manifestações de interesse, houve uma redução de 59% no fluxo de entradas em Portugal. "Verificou-se que o fluxo de entrada de cidadãos estrangeiros que tinham em vista a obtenção de uma autorização de residência ou de 156.951 no 1º semestre de 2024 para 64.848 no 2º semestre de 2024", lê-se no relatório apresentado pelo Governo em abril.
O Governo explica que "o fluxo de entradas corresponde à soma dos registos de manifestação de interesse no período em análise com o total de vistos de procura de trabalho e vistos de residência de todas as tipologias".
Desde setembro do ano ado, dos 446.921 manifestações de interesse pendentes, foram agendadas 261.101 pessoas e 241.183 já atendidas presencialmente. Não responderam aos os da AIMA 177.026 imigrantes, cujos processos foram extintos.
O Partido Socialista (PS), que implementou este sistema, deixou de o defender recentemente, com o atual líder, Pedro Nuno Santos, a itir que o governo de Costa não fez tudo bem e que a manifestação de interesse já não era um mecanismo útil neste momento.
Retorno de cidadãos estrangeiros em situação ilegal
No âmbito dos mais de 440 mil processos que se encontravam pendentes de tratamento, que estão a ser instruídos pela Estrutura de Missão da AIMA criada para o efeito, foi constituído um grupo específico de trabalhadores da AIMA que está a monitorizar os processos que foram indeferidos por várias razões: terem medidas cautelares por terem estado irregulares noutros países do Espaço Schengen, não terem o registo criminal limpo ou não apresentarem documentos necessários.
Dos processos com proposta de decisão negativa, que totalizam até ao momento cerca de 18 mil, resulta já a existência de 4579 decisões definitivas de indeferimento, que serão notificados para o abandono voluntário do território português, conforme é exigido pela lei portuguesa.
Destes, 3778 foram indeferidos por se terem encontrado em situação de ilegalidade noutro Estado-Membro da União Europeia. Nesta notificação é dado um prazo entre 10 a 20 dias para abandonarem o país. Caso não o façam, é aberto um processo de afastamento coercivo.
Destes 18 mil indeferimentos de manifestações de interesse que estão a gerar as notificações de abandono do território nacional, 75% (13.393) são imigrantes oriundos do subcontinente indiano (maioria Índia e Bangladesh, sendo o restante do Paquistão, Nepal e Sri Lanka).
Menos de 2,5%, (449) são dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), quase sem expressão estão Moçambique e Cabo Verde. Já 7%, 1209, são de outros países africanos (não Lusófonos, especialmente Magrebe). Os restantes são da América Latina e Ásia.
A decisão do Governo em plena campanha eleitoral tem sido alvo de comparações com a política de Donald Trump. A oposição acusa o executivo de Luís Montenegro de "eleitoralismo" e "propaganda" numa disputa pelos eleitores do Chega, partido que sempre foi muito vocal no que toca ao controlo da imigração em Portugal.
Em sua defesa, o Governo alega que há vários anos que a Comissão Europeia tem vindo a pedir a Portugal que reforce a capacidade de retorno e que "avaliou muito negativamente Portugal neste parâmetro, durante a avaliação Schengen".
"Quando o SEF ainda não tinha sido destruído pelo PS e funcionava, no início do período Antonio Costa, e fazia os afastamentos de quem não cumpre as regras, também eram deportações à Trump?", questiona o executivo num comunicado, denunciando que o regime de manifestação de interesse e a falência do SEF "fizeram com que fosse quase impossível estar numa situação de irregularidade e com que qualquer decisão de afastamento se tornasse impossível de executar, pois os visados poderiam sempre e a qualquer momento submeter uma manifestação de interesse e interromper o afastamento".
Segundo o Governo, depois do desinvestimento nesta matéria e da extinção do SEF, a diminuição do retorno foi inegável. "Portugal deixou de fazer a sua parte na política migratória não só do nosso país, mas também europeia", acusa.
Evolução das notificações de abandono voluntário mediante número de cidadãos estrangeiros em Portugal
Em 2016, no início do Governo de António Costa, muito antes da extinção do SEF (que se deu em 2023) e um ano antes da criação do regime da manifestação de interesse (2017), registou-se o número mais elevado de notificações de abandono (5470) até à data. Nesse ano estavam em Portugal 400 mil cidadãos estrangeiros, um quarto dos atuais.
Desde 2016, o número de notificações tem vindo a decrescer ano após ano (com a exceção de 2019), apesar de o número de cidadãos estrangeiros ter vindo a crescer acentuadamente.
Com a criação do regime da manifestação de interesse em 2017 e, posteriormente, em 2019, com a alteração deste regime que ou a dar uma via de regularização para os cidadãos estrangeiros em situação ilegal em território nacional, o número de cidadãos estrangeiros a residir em Portugal cresceu exponencialmente de pouco mais de 400 mil para os atuais quase 1,6 milhões.
No entanto, as notificações de retorno foram reduzindo-se: de 2019 para 2024 aram para um décimo, quando o número de estrangeiros quase triplicou. Em 2024 houve apenas 447 notificações.
"Esta trajetória reflete não só o desmantelamento irresponsável do SEF e a falta de preparação na criação da AIMA, mas também o próprio efeito pernicioso do regime de manifestação de interesse", acusa o governo de Luís Montenegro, no comunicado enviado às redações.
Como funciona o processo de deportação em Portugal?
Em Portugal, o processo de afastamento de um cidadão estrangeiro em situação ilegal tem várias etapas. Primeiro, é detetada a situação de permanência ilegal de um cidadão estrangeiro, seguindo-se a notificação do cidadão para abandono voluntário (NAV) do território nacional num prazo fixado entre 10 e 20 dias – prevista no artigo 138º da Lei de estrangeiros.
Quando é detetado um cidadão que incumpriu o dever de afastamento voluntário no prazo definido na NAV, este é detido nos termos do artigo 146º da Lei de Estrangeiros. Aquando da presença a juiz, pode ser determinado a detenção em centros de instalação temporária (CIT), que são utilizados para acolhimento e permanência dos nacionais de países terceiros sujeitos ao procedimento de triagem, bem como ao procedimento de afastamento do território nacional.
Em consequência da detenção, é aberto o processo de afastamento coercivo, que é instruído e decidido pela AIMA. Se não cumprir esta decisão e não tiver interposto qualquer recurso ou pedido de asilo que suspenda a decisão de afastamento, o cidadão é coercivamente conduzido à fronteira, sob escolta policial caso se afigure necessário