A Conferência Internacional sobre a Luta contra o Anti-Semitismo, que se realizou esta semana em Jerusalém, já era notícia muito antes do seu início oficial.
A conferência internacional sobre antissemitismo, realizada esta semana em Jerusalém, surpreendeu a cena política em Israel e para além das suas fronteiras, marcando uma mudança na narrativa política da direita europeia.
Organizado pelo Ministério dos Assuntos da Diáspora, o evento teve como objetivo abordar o "antissemitismo contemporâneo" e sensibilizar para os seus principais fatores "colocados pela evolução das realidades" desde o ataque do Hamas a 7 de outubro.
Entre os participantes: Jordan Bardella, líder do partido francês Rassemblement National (RN) e Marion Maréchal, neta do fundador da Frente Nacional e negador do Holocausto, Jean-Marie Le Pen.
Figuras proeminentes das comunidades judaicas de todo o mundo estiveram entre os que boicotaram o evento, incluindo o filósofo francês Bernard-Henri Lévy, o comissário alemão para o antissemitismo Felix Klein, o diretor executivo da Liga Anti-Difamação Jonathan Greenblatt, entre outros.
O rabino-chefe Pinchas Goldschmidt, presidente da Conferência dos Rabinos Europeus (CER), disse à Euronews que também recebeu o convite, mas recusou-o depois de ouvir a reação de "todas as principais organizações judaicas europeias e organizações nacionais na Europa".
Entre as razões que levaram o rabino Goldschmidt a recusar o convite está o facto de o presidente de Israel também não estar presente no evento, organizando uma receção privada na sua residência: "Se o presidente de Israel não participa nesta conferência, eu também não vou participar", afirmou.
O evento foi organizado pelo ministro Amichai Chikli, responsável pela promoção dos laços entre Israel e a diáspora judaica e pela luta contra o antissemitismo. E, no que respeita a este último, a conferência conseguiu trazer aquele que costumava ser um aliado inimaginável: os políticos europeus de extrema-direita. No entanto, Israel não está a "fechar os olhos aos negacionistas do Holocausto", disse Chikli à Euronews.
"Penso que quando olhamos para a verdadeira ameaça e a principal ameaça, esta vem do Islão radical. E, portanto, aqui podemos ter aliados mútuos com os quais não trabalhámos no ado". De acordo com Chikli, este é o caso do partido de extrema-direita francês.
"Conhecemos bem a história do partido. Conhecemos bem a história do pai (da líder do RN, Marine Le Pen). Sabemos que ele era um antissemita. E não o esquecemos", diz Chikli. "Mas vejam bem. Quem está a falar contra o Hamas? Quem fala contra o Islão radical? Quem está a falar contra as decisões do Tribunal Penal Internacional contra o nosso primeiro-ministro e o ministro da Defesa? Bardella, Marine Le Pen, estes são os nossos aliados na Europa. Esta é a nova realidade. Agora, se para alguém é um desafio, não faz mal", acrescenta.
Extrema-direita quer ter papel no combate ao antissemitismo
Num discurso proferido durante a conferência, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu afirmou que o antissemitismo está a crescer nas capitais europeias, na imprensa ocidental, nas redes sociais e nas universidades de elite dos EUA, atribuindo os protestos nas universidades americanas contra a guerra de Israel em Gaza a "uma aliança sistémica entre a esquerda ultraprogressista e o Islão radical".
É uma mensagem que parece estar no centro desta nova aliança. Em declarações ao Jerusalem Post antes da conferência, Bardella descreveu o que considera ser a nova linha da frente da luta contra o antissemitismo no século XXI: "Este ressurgimento deve-se a dois fenómenos contra os quais luto: O fundamentalismo islâmico e o seu melhor aliado atual, a esquerda radical sa", afirmou Bardella.
Marion Maréchal, sobrinha de Marine Le Pen e eurodeputada do Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, considerou que se trata de "um alinhamento natural". "Há anos que os nossos compatriotas de fé judaica se voltam para o voto, quer no Rassemblement National para os órgãos nacionais, quer em mim própria nas eleições europeias", diz. "Gostaria de agradecer ao ministro Chikli, que nos convidou, por ter finalmente posto fim a esta espécie de tabu, se assim posso dizer, e que agora nos permite trabalhar em harmonia com um certo número de funcionários israelitas", acrescenta.
O rabino Goldschmidt disse à Euronews que este alinhamento resulta daquilo que "os grupos de extrema-direita prometem ao seu eleitorado e que os outros não prometem".
"A principal promessa da extrema-direita, que difere de país para país, é a promessa de segurança pessoal. Para a comunidade judaica, desde 7 de outubro, a questão da segurança pessoal tornou-se uma questão primordial", explica.
A comunidade judaica em França é a maior da Europa, mas continua a ser alvo de grandes preconceitos. No ano ado, foram registados 1.570 atos antissemitas em França, menos 6% do que em 2023, mas três vezes mais do que em 2022.
O rabino Goldschmidt disse à Euronews que, no subúrbio parisiense de Sarcelles, mais de 70% dos membros da comunidade judaica votaram num candidato de extrema-direita. "Isto mostra até que ponto existe um problema que tem de ser resolvido, também em relação à Europa e em relação aos eleitores europeus", sublinha.
A luta interna de Netanyahu
Enquanto o governo de Israel parece ter encontrado novos aliados na Europa e um maior apoio da istração do presidente dos EUA, Donald Trump, o primeiro-ministro Netanyahu está a enfrentar crescentes problemas internos.
Depois de ter posto fim a um cessar-fogo de dois meses que permitiu a libertação de dezenas de reféns israelitas de Gaza em troca de cerca de 1800 prisioneiros palestinianos, Israel está agora a planear uma nova operação terrestre mais significativa em Gaza, que poderá implicar a ocupação de grandes porções da Faixa de Gaza.
Cada vez mais se questiona, inclusive na sociedade israelita, se esta operação ajudará a trazer de volta os reféns ainda detidos pelo Hamas ou se colocará as suas vidas ainda mais em perigo, ao mesmo tempo que causará mais devastação e mais mortes em Gaza.
Na terça e quarta-feira, manifestantes reuniram-se em Jerusalém e Telavive, exigindo um acordo imediato sobre os reféns, em reação à decisão de Netanyahu de retomar os combates em Gaza, que os manifestantes consideram ter motivações políticas.
Na quinta-feira, o parlamento israelita aprovou uma parte fundamental do plano do primeiro-ministro para reformar o sistema judicial, enfurecendo os críticos e os manifestantes que o vêem como uma tomada de poder pelo governo.
A lei confere ao governo um papel mais proeminente na nomeação de juízes.
O governo israelita suspendeu a revisão do sistema judicial após a eclosão da guerra em Gaza e, em janeiro de 2024, o Supremo Tribunal anulou uma outra componente fundamental que teria impedido os juízes de anularem algumas decisões do governo.
O esforço ganhou novo ímpeto este mês, depois de Israel ter posto fim ao cessar-fogo com o Hamas e retomado a ofensiva. Isso ajudou a solidificar a coligação governamental de Netanyahu, que conta com partidos de extrema-direita que querem continuar a guerra.