Philippe Lazzarini diz à Euronews que Trump tem o poder diplomático para "mudar a situação" em Gaza, acrescentando que teme que o território deixe de ser uma "terra para os palestinianos viverem" se Israel continuar a sua ofensiva.
O comissário-geral da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNRWA), Philippe Lazzarini, diz que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem o poder de mudar a situação dos palestinianos em Gaza, pressionando Israel a levantar totalmente o bloqueio de mais de dois meses à entrada de ajuda humanitária na Faixa.
"Acredito que o presidente Donald Trump tem a influência necessária para mudar a situação em Gaza e garantir que o cerco seja levantado e que a população tenha o à assistência que merece", disse Lazzarani à Euronews.
Lazzarini falava numa altura em que a ONU revelou que nove camiões humanitários tiveram o a Gaza pela primeira vez desde que Israel proibiu a entrada de ajuda no dia 2 de março, descrevendo-os como uma "gota no oceano".
Um responsável israelita afirmou que os camiões transportariam produtos "atualmente em falta" em Gaza, incluindo alimentos para bebés, farinha e medicamentos.
Lazzarini mostrou-se "indignado" com o que descreveu como a situação "fabricada" de "fome" em Gaza.
"Bem, em primeiro lugar, é um ultraje sermos confrontados com uma situação de fome em Gaza. É uma situação completamente inventada. Estamos numa situação em que a fome e a alimentação estão a ser utilizadas como armas para fins políticos e militares", afirmou Lazzarini.
"O que é necessário em Gaza é uma ajuda maciça, desimpedida e ininterrupta para garantir que estamos a inverter a tendência do alastramento da fome", acrescentou.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, disse na segunda-feira que tinha autorizado a entrada limitada de ajuda após "pressão" dos seus aliados, como os EUA, que não podiam continuar a apoiar a sua ofensiva alargada enquanto "imagens de fome" estivessem a sair de Gaza.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros europeus deverão discutir uma resposta mais firme à situação quando se reunirem em Bruxelas esta terça-feira, incluindo uma proposta neerlandesa para rever o acordo UE-Israel que rege o comércio e a cooperação entre ambas as partes.
A proposta, apoiada por pelo menos 10 Estados-membros da UE, deve ser "analisada" para monitorizar o cumprimento do direito humanitário internacional por parte de Israel, disse Lazzarini.
O ministro dos Negócios Estrangeiros neerlandês disse na segunda-feira que a decisão de permitir a entrada de ajuda limitada em Gaza era "inadequada e insuficiente".
Um novo plano, iniciado por Israel e apoiado pelos EUA, que prevê a utilização de uma instituição de solidariedade e de empresas privadas para distribuir ajuda em Gaza a partir de novos centros, deverá estar operacional até ao final da semana.
Mas o projeto foi firmemente rejeitado pela ONU por violar o princípio da neutralidade da ajuda humanitária. O diretor da instituição que lidera o projeto reconheceu que não seria possível alimentar os civis mais vulneráveis, que teriam de percorrer longas distâncias a pé e transportar caixas de mantimentos que pesam até 20 kg.
Lazzarini disse que o plano iria "cortar a ajuda aos mais vulneráveis" e desencadear a "deslocação forçada da população na altura em que também está a decorrer uma operação militar em grande escala".
Gaza poderá em breve tornar-se inabitável, alerta Lazzarini
Netanyahu afirmou na segunda-feira que a operação terrestre recém-lançada por Israel tinha como objetivo "assumir o controlo" de toda a Faixa de Gaza. As forças armadas israelitas pediram entretanto à população de Khan Younis que se retirasse imediatamente, alertando para um "ataque sem precedentes".
Lazzarini descreveu os planos de Israel para o futuro de Gaza como "distópicos" e, preocupado com a falta de zonas seguras, sugeriu que os palestinianos poderão deixar de ter um lugar para viver em Gaza se a ofensiva persistir.
Um dos planos que está a ser ativamente considerado pelo governo de Netanyahu, a que a Euronews teve o na semana ada, sugere que as FDI poderão assumir o controlo da Faixa de Gaza numa primeira fase, impondo potencialmente a lei marcial.
"O que eu vejo, por enquanto, é uma continuação da destruição, das mortes e do assassínio dos palestinianos em Gaza. E o meu receio é que cheguemos a um ponto em que Gaza deixe de ser uma terra onde os palestinianos possam viver", disse Lazzarini.
Até agora, a UNRWA tem sido o principal fornecedor de ajuda aos palestinianos em Gaza e em toda a região, mas foi proibida de operar nos territórios palestinianos ao abrigo da legislação israelita que entrou em vigor em janeiro.
Israel afirma que as operações da UNRWA em Gaza são inevitavelmente comprometidas pelo Hamas e que dispõe de provas abundantes de que a agência está a ser "infiltrada" por militantes do Hamas.
Dezanove funcionários da UNRWA foram despedidos no ano ado por suspeita de envolvimento nos ataques do Hamas a Israel a 7 de outubro, que desencadearam a guerra de Israel contra o Hamas em Gaza.
Lazzarini defendeu a política de "não tolerância" da agência, afirmando que "nunca recebeu qualquer informação fundamentada" de Israel relativamente às suas alegações.
Israel também afirmou que o bloqueio à ajuda era necessário porque o Hamas estava a "saquear" e a "rentabilizar" os fornecimentos que entravam em Gaza.
"Nada justifica que usemos alimentos ou privemos uma população inteira de ter o a alimentos, ao ponto de estarmos a matar a população à fome", disse Lazzarini à Euronews, acrescentando que nenhuma agência da ONU tinha visto "desvios em grande escala" de alimentos e que tinham sido observados saques entre a população quando "não havia alimentos suficientes a entrar na Faixa de Gaza".