Durante a pausa de 90 dias nas tensões comerciais transatlânticas, a UE pretende aperfeiçoar a estratégia para fazer face aos direitos aduaneiros dos EUA na esperança de encetar negociações com Washington. No entanto, o bloco continua dividido entre falcões e pombas quanto à melhor forma de agir.
Enquanto a União Europeia pondera uma resposta aos direitos aduaneiros e espera pelas negociações com Washington, surgiu nas últimas semanas uma clivagem no seio do bloco sobre a intensidade e o âmbito das potenciais medidas de retaliação. Enquanto os falcões apelam a uma frente firme e unida, as pombas apelam à prudência, alertando para a possibilidade de uma escalada e de consequências para a economia.
Os falcões estão prontos para as armas nucleares de defesa comercial
Para os falcões trata-se de mostrar músculo perante a istração Trump para garantir que estão numa posição de força nas negociações sobre os direitos aduaneiros dos EUA - atualmente 25% sobre o alumínio, o aço e os automóveis e 10% sobre a totalidade dos produtos. Alguns eurodeputados argumentam que, para além de impor direitos aduaneiros sobre as mercadorias, a UE pode também atacar os serviços norte-americanos em relação aos quais os EUA têm um excedente comercial. Defendem também a utilização da arma "nuclear", um instrumento anti-coerção para impedir o o das empresas norte-americanas aos contratos públicos europeus ou para as privar de licenças e direitos de propriedade intelectual.
França
A França é um dos países mais combativos, pronto a entrar no ringue contra os EUA.
A 4 de abril, o presidente francês, Emmanuel Macron, denunciou as tarifas "recíprocas" de 20% sobre as importações da UE como "brutais e infundadas". "Os investimentos futuros (nos EUA), os investimentos anunciados nas últimas semanas, devem ser suspensos por algum tempo", disse Macron aos líderes empresariais ses.
Nos corredores do Conselho, onde se reúnem os Estados-membros da UE, os diplomatas ses estão a insistir numa resposta firme aos direitos aduaneiros. Depois das tarifas de 25% impostas pela UE na quarta-feira a uma série de produtos norte-americanos, Paris quer ir mais longe para retaliar contra as tarifas "recíprocas" dos EUA e contra as tarifas de 25% sobre os automóveis, que foram suspensas por 90 dias.
O ministro francês do Comércio, Laurent Saint-Martin, disse, na segunda-feira, que não deve ser descartada nenhuma resposta.
"A forma de abordar a questão é abrir a caixa de ferramentas europeia, que é muito completa e que pode ser extremamente agressiva, como resposta. Estou obviamente a pensar no instrumento anti-coerção", acrescentou.
O presidente francês itiu, no entanto, que a economia sa não está tão exposta ao comércio norte-americano como outros países: "As exportações para os Estados Unidos representam 1,5% do nosso produto interno bruto (PIB), comparando com 3% para a Itália, 4% para a Alemanha e 10% para a Irlanda".
A França também lutou para excluir o uísque Bourbon da primeira lista de medidas de retaliação para evitar que também os vinhos ses fossem atingidos pela ira dos EUA, com o presidente dos EUA, Donald Trump, a ameaçá-los com tarifas de 200%.
Alemanha
O dossier está à espera de Friedrich Merz, que aguarda a oportunidade de assumir a chancelaria alemã. A investida tarifária dos EUA teve um forte impacto na Alemanha, que é o maior exportador da UE para os EUA, com 157 mil milhões de euros em mercadorias vendidas em 2023, de acordo com o Eurostat.
"Os europeus estão determinados a se defenderem e este exemplo mostra que a unidade é o que mais ajuda", disse Merz, numa entrevista sobre a pausa de Trump nas tarifas por 90 dias.
Depois de ter defendido uma abordagem moderada de "esperar para ver", o Governo alemão aliou-se à França e parece estar pronto a utilizar a arma "nuclear" comercial da UE, se for necessário.
A 7 de abril, a caminho de uma reunião dos ministros do comércio da UE, num contexto de queda das bolsas, Robert Habeck, ministro do Comércio do atual chanceler, Olaf Scholz, deixou claro que a UE tem de se empenhar contra os EUA.
"As bolsas já estão a cair e os danos podem ser ainda maiores. Por isso, é importante atuar de forma clara, decisiva e prudente, o que significa compreender que estamos numa posição forte", afirmou.
"A América está numa posição de fraqueza", acrescentou o ministro.
Para além das tarifas, a Alemanha colocou em cima da mesa o instrumento anti-coerção como potencial retaliação às tarifas norte-americanas. "São medidas que vão muito além da política tarifária", disse Habeck, apontando um "quadro amplo" de retaliação que poderia ser alargado para atingir os serviços digitais dos EUA.
Espanha
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, adotou inicialmente um tom mais assertivo em resposta às tarifas da istração Trump.
Embora defenda o diálogo e a cooperação multilateral, Sánchez apoiou contramedidas proporcionais, apelando à unidade europeia face às ameaças comerciais dos EUA.
"Agora, mais do que nunca, a Europa deve estar preparada e mostrar unidade para responder a qualquer eventualidade", afirmou.
O ministro da Economia espanhol, Carlos Cuerpo, convidou mesmo os homólogos da UE a permanecerem abertos "a todos os meios potenciais de retaliação contra as tarifas dos EUA", numa entrevista.
"Estamos abertos a negociações, estamos abertos ao comércio, mas não vamos ser ingénuos", acrescentou.
No entanto, após o anúncio de Trump de uma trégua tarifária, Sánchez saudou a medida como "uma porta para a negociação" e uma oportunidade para uma cooperação internacional renovada.
Esta mudança para o diálogo, após as suas críticas iniciais às tarifas que considerou "injustificadas e injustas", leva-o para uma direção mais piedosa.
Durante uma visita oficial ao Vietname, reiterou o apoio ao comércio livre, argumentando que o comércio global não é um jogo de soma zero e que as guerras comerciais resultam em perdas mútuas.
As pombas, preocupadas com a escalada
No seio do bloco, vários Estados-membros optaram por uma abordagem conciliatória, dando prioridade à diplomacia e ao desanuviamento em detrimento da confrontação. Embora a posição da Hungria continue a ser um caso isolado, esta postura comedida não equivale a uma rejeição da auto-defesa: todos os países da UE, exceto a Hungria, votaram a favor da primeira vaga de medidas retaliatórias na quarta-feira. Mas muitos países estão a mostrar-se cautelosos, optando por não defender os instrumentos de retaliação mais enérgicos do bloco, receando que estas medidas possam conduzir a uma perigosa escalada.
Itália
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, posicionou-se firmemente entre as "pombas" nas relações comerciais transatlânticas, favorecendo o diálogo em vez do confronto em resposta às políticas tarifárias da istração Trump.
Giorgia Meloni afirmou que "uma guerra comercial não é do interesse de ninguém, nem mesmo dos EUA" e que tenciona abordar a questão com Trump para encontrar soluções positivas sem uma escalada.
Meloni já anunciou planos para se encontrar com Trump a 17 de abril, em Washington, para discutir a eliminação mútua das tarifas industriais entre os EUA e a UE. Esta reunião, na sequência do anúncio de uma trégua de 90 dias, é vista como uma oportunidade para reforçar o empenho num diálogo construtivo e em soluções partilhadas.
A primeira-ministra também sublinhou consistentemente a importância do mercado dos EUA para as exportações italianas - que, de acordo com o Eurostat, ascenderam a 67 mil milhões de euros em 2023 - alertando para o facto de as novas tarifas poderem ter um impacto grave nos produtores italianos.
"Continuo convencida de que devemos trabalhar para evitar uma guerra comercial que não beneficiaria ninguém, nem os EUA nem a Europa", disse.
Irlanda
O primeiro-ministro irlandês, Micheál Martin, tem sido um defensor constante da manutenção de boas relações comerciais em ambos os lados do Atlântico, uma posição moldada pela vulnerabilidade económica do país aos direitos aduaneiros devido às exportações para os Estados Unidos.
Rejeitando medidas de retaliação, Martin tem insistido na negociação como o caminho a seguir. Exortou também a União Europeia a apresentar uma "frente unida", sublinhando simultaneamente a importância de manter fortes laços comerciais transatlânticos.
"O empenho é fundamental", afirmou. "O nosso objetivo é ultraar esta situação, tendo como prioridades fundamentais a proteção do emprego e a manutenção das infraestruturas económicas na Irlanda."
Martin advertiu que os direitos aduaneiros "não conduzem ao crescimento económico". Modelos económicos preveem que uma tarifa de 10% poderia reduzir o PIB da Irlanda em 2,5% e a produção interna em 1,7%, uma vez que as exportações da Irlanda para os EUA totalizaram 51,6 mil milhões de euros em 2023
Os produtos farmacêuticos, que representam mais de metade das exportações da Irlanda para os EUA, continuam a ser um domínio fundamental de preocupação. Embora atualmente isento das tarifas dos EUA, o setor ainda é considerado em risco em qualquer escalada futura.
Hungria
Apesar de estar exposta às tarifas norte-americanas devido à dependência da indústria automóvel alemã, a Hungria não pretende retaliar contra as tarifas de Washington. Foi o único país a votar contra a primeira vaga de retaliações da UE aos direitos aduaneiros dos EUA, na quarta-feira.
O primeiro-ministro Vitkor Orbán, que é politicamente próximo de Donald Trump, parece esperar que um acordo económico compense o impacto das tarifas norte-americanas no seu país.
"Vai haver um pacote de cooperação económica entre a Hungria e os Estados Unidos que vai ser de grande ajuda para a economia húngara. Isto é bom para nós, mesmo que, entretanto, haja uma guerra de direitos aduaneiros, que a Hungria vai perder, claro, tal como qualquer outro país da União Europeia", disse Viktor Orbán na conferência anual da Câmara de Comércio e Indústria Húngara, a 8 de março.
Na segunda-feira, o ministro do Comércio, Péter Szijjártó, culpou a Comissão Europeia por não ter conseguido estabelecer uma "cooperação aduaneira com os Estados Unidos".
"Os direitos aduaneiros sobre a indústria automóvel, que é a espinha dorsal das economias dos dois continentes, deveriam ter sido reduzidos e todos teriam ficado melhor", afirmou.