A Europa acredita que os EUA já não garantem a sua segurança e decidiu rearmar-se maciçamente. Como tenciona fazê-lo? Conseguirá aguentar os custos? E que impacto terá este novo cenário na posição geoestratégica europeia e nos setores económicos e industriais da Europa?
A União Europeia comprometeu-se a reforçar as capacidades de defesa europeias. A proposta da Comissão Europeia "Rearmar a Europa" define como prioridade o fornecimento de equipamento estratégico, como a defesa aérea e antimísseis, sistemas de artilharia, mísseis, munições e sistemas de drones e anti-drones. As despesas militares seriam excluídas das rigorosas restrições orçamentais europeias.
Se cada Estado-Membro gastasse, em média, 1,5 % do seu PIB em defesa, o montante total seria de 650 mil milhões de euros. Além disso, o plano prevê 150 mil milhões de euros em empréstimos para a aquisição de meios de defesa, na sua maioria fabricados na Europa. Estão a ser estudadas fontes de financiamento adicionais para a defesa, incluindo a mobilização de financiamento privado e a UE está também a estudar a harmonização dos requisitos e dos contratos públicos conjuntos para assegurar um mercado mais eficiente, reduzir os custos, garantir o o transfronteiriço às cadeias de abastecimento e aumentar a competitividade do setor da defesa no seu todo.
No total, existem cerca de 2500 PME a operar no setor da defesa da UE. Visitámos uma delas nos arredores de Praga, a capital da Chéquia. Todos os anos, 60 pessoas produzem aqui 70 veículos aéreos não tripulados, VANT, fabricados para fins civis e militares. Estão atualmente a ser utilizados para operações de vigilância, comunicação e informação em zonas de conflito na Ucrânia e no Iraque. O modelo mais recente acaba de receber uma certificação importante que deverá ajudar a acelerar a implantação do mesmo nos membros da NATO, afirma Ladislav Semetkovský, o diretor-executivo da empresa.
"O processo de certificação está em curso há cinco anos, com mais de 40 peritos a trabalhar nele", explica Semetkovský. "No total, processaram mais de 28 mil páginas de textos e efetuaram centenas de voos."
O volume de negócios da empresa, que estabeleceu uma parceria com a gigante europeia Airbus Defence and Space, deverá ascender este ano a cerca de 40 milhões de euros. Os gestores afirmam que os VANT são integralmente fabricados na Europa.
"Acredito que empresas como a nossa são extremamente importantes para manter a segurança da Europa, porque a indústria de defesa nacional pode garantir o fornecimento e o funcionamento estáveis de qualquer tecnologia, seja ela militar ou civil", afirma Semetkovský. "É por isso que a cooperação com os fabricantes europeus é crucial para a defesa da Europa."
No entanto, os gestores alegam que esta é uma cooperação que leva, muitas vezes, a uma frustração, dado que a burocracia e a regulamentação excessivas limitam a de contratos que poderiam efetivamente vir a aumentar a produção e a criar mais empregos.
"Penso que o maior problema é o facto de a política ignorar aquilo que uma indústria verdadeiramente inovadora pode fazer, e o facto de haver, digamos, um fosso ou simplesmente uma falta de diálogo entre nós", afirma Jan Sechter, presidente do Conselho de Supervisão da Primoco UAV. "E isto pode ser uma fonte de preocupação para a indústria, quando se trata de contratos públicos, por exemplo. Precisamos de uma maior e melhor comunicação entre os Estados, a investigação, o desenvolvimento e a indústria. É algo bastante comum nos Estados Unidos, na Europa temos de nos habituar a isto e incentivá-lo."
O setor da defesa europeu assegura cerca de 600 mil postos de trabalho e este novo cenário poderá ajudar a criar ainda mais. Mas será que a Europa, sobrecarregada de dívidas, consegue realmente aguentar as exigências de um rearmamento maciço na atual situação económica instável? Em Pilsen, Zdeněk Rod, professor-adjunto de Segurança Internacional na Universidade da Boémia Ocidental, diz que, dado o novo contexto geopolítico, a Europa tem poucas opções a não ser avançar.
"Se olharmos para a era da Guerra Fria, os países membros da NATO gastavam cerca de quatro, cinco ou mesmo seis por cento em defesa, portanto, esses números já foram alcançados anteriormente, o que significa que não é algo descabido. Claro que, no contexto atual, é um pouco mais complicado porque as dívidas nacionais são bastante elevadas. Podemos ver que mais de 50 % dos membros da União Europeia têm problemas fiscais, digamos, graves. Por isso, a questão é perceber de onde poderá vir esse dinheiro", explica Rod, que também é diretor-executivo e cofundador do gabinete estratégico Center for Security Consulting.
"Sabemos que a Europa se baseia num Estado-providência forte. Por isso, temos de encontrar um equilíbrio entre a segurança e o bem-estar social que queremos manter. Uma das opções seria, por exemplo, aumentar os impostos, o que, suponho, não seria bem aceite na maioria dos Estados. Se não queremos pedir mais dinheiro emprestado nem aumentar os impostos, a única opção que nos resta é fazer cortes nos orçamentos nacionais", diz Rod.
A Europa planeia estabelecer um limiar mínimo no qual 65 % das componentes militares elegíveis para financiamento devem ser europeias.