Julgamento da "Operação Marquês" arranca a 3 de julho, mais de uma década após a detenção do ex-chefe do Governo José Sócrates.
Detido em 21 de novembro de 2014 no aeroporto de Lisboa, José Sócrates foi o primeiro e único ex-chefe do Governo a ser preso preventivamente em Portugal, tendo estado 288 dias no estabelecimento prisional de Évora e mais 42 dias em prisão domiciliária.
Acabado de chegar ao aeroporto de Lisboa num voo proveniente de Paris, o ex-primeiro-ministro foi detido no âmbito de um inquérito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que investiga suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção.
No dia seguinte, José Sócrates acompanhou as buscas feitas à sua residência, sendo depois presente ao juiz, no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), para primeiro interrogatório judicial, que se prolongou pelo dia seguinte.
A 24 de novembro, é decretada prisão preventiva ao ex-primeiro-ministro. Só praticamente um ano depois, a 4 de setembro de 2015 é que Sócrates a para prisão domiciliária, após meses com vários pedidos de libertação imediata rejeitados.
No mês seguinte, a defesa de Sócrates entrega novo requerimento a solicitar a libertação imediata. A 16 de outubro, é libertado, mas fica proibido de se ausentar de Portugal.
Julgamento marcado para 3 de julho
Pouco mais de uma década após a sua detenção, e com vários recursos e diligências processuais entregues nos tribunais que atrasaram sucessivamente vários momentos do processo, o julgamento do ex-primeiro-ministro vai finalmente arrancar a 3 de julho, oito anos depois da acusação do Ministério Público.
A juíza Susana Seca, que vai presidir ao julgamento da "Operação Marquês" decidiu esta segunda-feira marcar o arranque das audiências, após uma reunião com os advogados de defesa, mas na qual a defesa de Sócrates recusou-se a participar por entender que o processo ainda não ultraou a fase de instrução e, por essa razão, não pode haver julgamento.
O julgamento irá decorrer no Campus da Justiça, em Lisboa, e apesar de ter estatuto de urgente, as sessões serão suspensas durante as férias judiciais. As sessões vão decorrer três dias por semana e vão ser interrompidas entre os dias 16 de julho a 31 de agosto.
No banco dos réus vão sentar-se o ex-primeiro-ministro José Sócrates e 21 outros arguidos da "Operação Marquês". Entre eles estão o antigo banqueiro Ricardo Salgado, os antigos homens-fortes da Portugal Telecom, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, o empresário Joaquim Barroca, do Grupo Lena, e Hélder Bataglia, o empresário luso-angolano que fundou a Escom, empresa ligada ao Grupo Espírito Santo.
Numa nota à imprensa enviada às redações pouco antes de conhecida a data para o início do seu julgamento, José Sócrates alega que "neste momento não existe nem acusação nem pronúncia" e "por essa razão não pode haver julgamento".
Além disso, o ex-primeiro-ministro tece duras críticas ao Estado, que diz que "manipulou a distribuição do processo, vigarizou a escolha do juiz do inquérito, transmitiu a detenção no aeroporto e justificou a prisão preventiva com perigo de fuga, embora o visado estivesse a entrar no país, não a sair".
"Esta é a verdadeira face do processo marquês – abuso, arbítrio, violência", acusa.
O ex-primeiro-ministro afirma que "o que realmente fica destes doze anos de processo marquês, é o seu miserável rasto de abuso e de violência. O Estado português manipulou a distribuição do processo, vigarizou a escolha do juiz do inquérito".
Sócrates foi acusado em 2017 pelo Ministério Público (MP) de 31 crimes, designadamente corrupção iva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal. Contudo, na decisão instrutória, a 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar o antigo governante de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos.
Em janeiro de 2024, uma decisão da Relação recuperou quase na totalidade a acusação do MP e determinou a ida a julgamento de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros, revogando a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, que remeteu para julgamento apenas José Sócrates, o empresário Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, Ricardo Salgado e o antigo motorista de Sócrates João Perna.
José Sócrates, de 67 anos e primeiro-ministro de 2005 a 2011, responde pela suspeita de 22 crimes: três de corrupção, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal.