As importações de petróleo, gás e materiais nucleares russos devem cessar, o mais tardar, em 2027, segundo Bruxelas que propôs uma nova e ambiciosa estratégia.
A União Europeia fixou o ano de 2027 como a data limite para que os 27 Estados-membros, do interior ao litoral, eliminem progressivamente todas as compras de energia russa, nomeadamente os carregamentos de gás natural liquefeito (GNL) que continuam a chegar às costas do bloco, apesar da guerra brutal na Ucrânia.
O desmembramento far-se-á gradualmente. Numa primeira fase, com a proibição de contratos novos e de curto prazo até ao final de 2025. Na segunda fase, os contratos de longo prazo, que representam dois terços do gás russo, serão rescindidos até ao final de 2027. Serão também introduzidas novas restrições para reprimir a frota sombra que transporta secretamente o petróleo russo e impedir as importações de urânio russo e de outros materiais nucleares.
Cada Estado-membro será convidado a elaborar um plano nacional que especifique a forma como tenciona retirar o gás, o nuclear e o petróleo russos do seu cabaz energético.
Todas as medidas constam de uma estratégia global, apresentada pela Comissão Europeia na tarde de terça-feira. O roteiro, que precisa de ser concretizado em textos legislativos antes de entrar em vigor, estava inicialmente previsto para os primeiros 100 dias da nova Comissão, mas foi adiado várias vezes devido à profunda incerteza sobre o impulso de Donald Trump para lançar negociações entre a Ucrânia e a Rússia.
A retoma das compras de energia russa foi apresentada como uma possível condição para um futuro acordo de paz. Com a sua estratégia, Bruxelas exclui essa ideia controversa e institui as salvaguardas necessárias para deixar os combustíveis fósseis russos definitivamente no ado.
"Mesmo que houvesse paz amanhã, não seria sensato ficarmos novamente dependentes dos combustíveis russos", afirmou Dan Jørgensen, o comissário europeu para a Energia.
"Antes de mais, (Vladimir) Putin mostrou que não se importa de utilizar o gás como arma. Não devemos voltar a colocar-nos numa posição vulnerável como essa. E, em segundo lugar, não queremos encher o seu baú de guerra e apoiar a sua economia de guerra, porque quem sabe que países serão os próximos".
O consumo de energia russa tem estado no centro do debate político desde o início da invasão em grande escala, quando a UE se viu subitamente forçada a contar com a sua dependência de vários milhares de milhões de euros de Moscovo. Em reação, Bruxelas aprovou medidas sem precedentes para cortar as importações de carvão russo e de petróleo marítimo, mas o gás, uma grande fonte de receitas para o Kremlin, permaneceu visivelmente poupado às sanções.
No ano ado, o bloco comprou 31,62 mil milhões de metros cúbicos (bcm) de gás russo por gasoduto e 20,05 bcm de GNL russo, o que representa 19% do consumo total de gás. Entretanto, o petróleo bruto russo continuou a ar pelo oleoduto Druzhba, que foi isento de sanções devido à pressão húngara.
No total, a UE gastou cerca de 23 mil milhões de euros em combustíveis fósseis russos em 2024, ultraando o apoio militar prestado à Ucrânia. Este desequilíbrio tem sido uma longa fonte de fricção entre os Estados-membros, que, apesar dos constantes apelos de Kiev, nunca conseguiram chegar a um consenso para eliminar totalmente a energia russa.
No início deste ano, dez países da UE - República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Irlanda, Letónia, Lituânia, Polónia, Roménia e Suécia - am uma carta conjunta exigindo a proibição total do gás russo, incluindo as importações de GNL. "A capacidade da Rússia para sustentar os seus esforços de guerra está profundamente ligada às suas receitas energéticas", escreveram.
Em contrapartida, a Hungria e a Eslováquia cerraram fileiras para se oporem às sanções, argumentando que isso poria em perigo as suas economias nacionais e a competitividade da UE.
Os dois países sem litoral reagiram furiosamentequando o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, decidiu rescindir o contrato com a Gazprom e cessar o trânsito de gás russo através do território do seu país no final de 2024. "Não permitiremos que eles ganhem mais milhares de milhões à custa do nosso sangue", disse Zelenskyy em dezembro.
Budapeste e Bratislava pediram a intervenção de Bruxelas, mas a Comissão absteve-se de criticar a medida de Zelenskyy, uma vez que esta contribuiu para acelerar a eliminação progressiva.
Com esta suspensão, o TurkStream, que atravessa a Turquia em direção aos Balcãs e à Europa Central, ou a ser o único gasoduto que transporta ativamente gás russo para o bloco. Os fluxos através dos gasodutos NordStream e Yamal-Europe cessaram no primeiro ano da guerra.
"As proibições que fazem parte do plano serão adoptadas por maioria qualificada. Ao contrário das sanções, em que é necessária a unanimidade", afirmou Jørgensen.
"Esperamos que todos os países, mesmo que não concordem com a decisão, cumpram a lei".
Uma dor de cabeça política
Enquanto as compras de gás russo por gasoduto caíram para mínimos históricos, os navios que transportam GNL russo continuam a entrar nos terminais do bloco em volumes ainda maiores, sem qualquer impedimento, criando uma dor de cabeça política para Bruxelas.
De acordo com o Centro de Investigação sobre Energia e Ar Limpo (CREA), as importações de GNL russo pela UE em 2024 aumentaram 9% em relação ao ano anterior. Quase 90% destas compras chegaram a França (7,7 bcm), Espanha (5,7 bcm) e Bélgica (5,1 bcm).
"A Rússia está extremamente dependente do mercado da UE para as suas exportações de gás, fornecendo 52% das suas receitas de exportação de GNL", afirmou o CREA num relatório de abril.
A ausência de restrições permitiu que as empresas europeias assinassem livremente contratos com os fornecedores russos, alguns dos quais com duração até 2040.
De acordo com o plano da Comissão, a proibição de comprar gás russo será suficiente para que as empresas da UE possam declarar força maior - ou seja, acontecimentos ou circunstâncias que escapam ao controlo dos signatários - e libertar-se de compromissos legais.
"Por conseguinte, não podem ser consideradas responsáveis. Esta é a avaliação clara dos nossos serviços jurídicos. E, por conseguinte, pensamos também que temos uma mensagem muito reconfortante para as empresas que têm estes contratos", afirmou Jørgensen.
A opção, no entanto, corre o risco de ser contestada em tribunal e pode resultar em sanções pesadas para os europeus. Os contratos russos são geralmente regidos por termos bem definidos de "take-or-pay", o que significa que os compradores são obrigados a aceitar as entregas acordadas ou a pagar uma compensação financeira pela sua recusa. Segundo a Reuters, os litígios judiciais entre empresas da UE e fornecedores russos ascendem já a 18,5 mil milhões de euros.
Para Elisabetta Cornago, investigadora principal do Centro para a Reforma Europeia (CER), o método mais seguro para invocar a força maior e desafiar os processos em tribunal seria a aprovação de sanções a nível da UE, mas ite que as posições da Hungria e da Eslováquia tornam isso praticamente impossível.
"O novo roteiro que a Comissão Europeia está a apresentar hoje reconhece essa dificuldade, mas tenta encontrar novas vias para, tecnicamente, eliminar gradualmente as importações de combustíveis fósseis russos, como, por exemplo, a possibilidade de rescindir os contratos com as empresas europeias", disse Cornago à Euronews.
"Isto não é isento de riscos, uma vez que as empresas podem ter de recorrer a arbitragens dispendiosas, mas é uma forma de avançar e de mostrar que a UE está (finalmente) a levar a sério a eliminação progressiva das importações de combustíveis fósseis russos".
A apresentação de terça-feira ocorre numa altura em que acontecem negociações comerciais entre a Comissão Europeia e a Casa Branca. Donald Trump lançou a ideia de aumentar as vendas de GNL de fabrico americano para reequilibrar o excedente de bens com o bloco.