Kevin Spacey está prestes a aterrar em La Croisette para receber um prémio pelo conjunto da sua obra na terça-feira. Mas antes de gritar que o Festival de Cinema de Cannes perdeu o juízo, tenha em conta que se trata mais de uma manobra promocional de Cannes do que de qualquer outra coisa.
No que parece ser uma farsa, o infame ator Kevin Spacey vai receber o Prémio de Excelência em Cinema e Televisão do Better World Fund numa gala em Cannes.
O prémio será entregue amanhã no jantar de gala do 10.º aniversário da entidade, com a mesma a confirmar que Spacey será homenageado pelo seu “brilhantismo artístico” e “impacto no cinema e nas artes”.
“Temos o verdadeiro privilégio de receber Kevin Spacey como nosso convidado de honra e homenageado na Gala do Better World Fund”, afirmou Manuel Collas De La Roche, presidente e fundador do Better World Fund, em comunicado.
“As extraordinárias contribuições de Kevin para a arte do cinema deixaram uma marca no público e nos cineastas. O seu talento, profundidade e empenho em contar histórias exemplificam o poder transformador do cinema. É com grande entusiasmo que celebramos o seu legado e a sua presença neste encontro significativo.”
No entanto, é de salientar que este prémio não é um segmento oficial do Festival de Cinema de Cannes. Apesar de a cerimónia ter lugar no Carlton Hotel - um dos principais locais do festival - a Gala do Better World Fund não está diretamente associada a Cannes.
A ida de Spacey a La Croisette é mais uma manobra desavergonhada para ajudar a promover o seu novo filme, O Despertar (The Awakening).
De facto, o thriller britânico está a ser apresentado no Marché, o mercado da indústria na cave do Palais du Cinema, e o produtor Matt Hookings, da Camelot Films, confirmou mesmo que trazer Spacey a Cannes faz parte do “marketing de guerrilha” da sua empresa para chamar a atenção para o filme.
“Por isso, se alguém falar com ele, pode dizer que está em Cannes a receber um prémio, mas também está aqui com The Awakening, para que o filme seja divulgado”, explicou Hookings.
O projeto será um dos primeiros filmes de Spacey desde que a sua carreira sofreu um abalo na sequência de várias alegações de má conduta sexual.
Há dois anos, foi considerado inocente de crimes sexuais após um longo julgamento no Reino Unido e foi anteriormente ilibado de acusações de agressão sexual num processo civil de 2022 em Nova Iorque. No entanto, o ator continua a ser uma figura polémica ligada ao movimento #MeToo.
Spacey esteve pela última vez em La Croisette em 2016 e, desde então, foi acusado de má conduta sexual por mais de 30 homens.
Até se tem falado que Spacey poderá fazer uma aparição na adeira vermelha durante a sua estadia em Cannes. Esta possibilidade pode ser rejeitada pelo festival, que pode não querer associar-se ao ator e dar a impressão de um “cancelamento” - especialmente porque o festival de Cannes proibiu recentemente a presença do ator francês Theo Navarro-Mussy na adeira vermelha depois de ter tido conhecimento de alegações de violação contra ele.
Navarro-Mussy participou no filme Dossier 137 de Dominik Moll.
Se acrescentarmos a isto o facto de o dia inaugural do festival ter sido ensombrado pela condenação do ator Gérard Depardieu por acusações de agressão sexual, temos todos os motivos para acreditar que Spacey não vai desfilar na adeira vermelha de Cannes este ano.
Não que o produtor de O Despertar esteja assim tão incomodado. Desde que se fale da tentativa de Spacey de regressar à ribalta.
"Muita gente gosta mesmo dele, por isso há muita gente que diz: 'Isto é mesmo fixe'", conta Hookings. "E depois existem algumas pessoas que dizem: 'Que raio está ele a fazer aqui?' Mas esperemos que as pessoas que dizem, 'Que raio está ele a fazer aqui', quando perceberem porque é que ele está aqui, lhe dêem uma segunda oportunidade."