{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/2025/05/19/a-quem-pode-o-medio-oriente-recorrer-depois-dos-cortes-de-financiamento-da-usaid" }, "headline": "A quem pode o M\u00e9dio Oriente recorrer depois dos cortes de financiamento da USAID?", "description": "A USAID mudou o seu escrit\u00f3rio regional para o Cairo. A Euronews questiona como \u00e9 que a istra\u00e7\u00e3o Trump, ao cortar a assist\u00eancia humanit\u00e1ria - mas n\u00e3o militar - ao Egito e \u00e0 Jord\u00e2nia, pode afetar a estabilidade da regi\u00e3o e abri-la a outras pot\u00eancias.", "articleBody": "A \u00faltima publica\u00e7\u00e3o na p\u00e1gina de Facebook da Ag\u00eancia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) para o M\u00e9dio Oriente foi publicado a 17 de janeiro. \u201cEstamos a contratar\u201d, referia com entusiasmo.Tr\u00eas dias depois, Donald Trump assumiu a presid\u00eancia dos EUA. 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Sem contar com a ajuda humanit\u00e1ria indireta das ag\u00eancias internacionais financiadas pelos Estados Unidos, o Cairo e Am\u00e3 s\u00e3o o terceiro e quarto maiores benefici\u00e1rios do financiamento internacional dos Estados Unidos, num total de mais de 3 mil milh\u00f5es de d\u00f3lares (quase 2,7 mil milh\u00f5es de euros) por ano.\u0022Estamos a viver num clima turbulento e tenso que a istra\u00e7\u00e3o Trump criou\u201d, afirmou Ezzat Saad, antigo diplomata eg\u00edpcio e ministro-adjunto dos Neg\u00f3cios Estrangeiros, \u00e0 Euronews, a partir do seu gabinete no Cairo.No entanto, Washington fez uma distin\u00e7\u00e3o crucial entre a ajuda que est\u00e1 a cortar e a que ser\u00e1 mantida. O problema de RafahNo meio dos cortes e do caos, o governo americano anunciou, em mar\u00e7o, que iria criar um novo gabinete regional da USAID no Cairo: uma decis\u00e3o incongruente e amplamente ignorada. Mesmo os funcion\u00e1rios norte-americanos no terreno itiram \u00e0 Euronews que n\u00e3o tinham conhecimento da decis\u00e3o, e muito menos das raz\u00f5es que a motivaram.Uma an\u00e1lise mais atenta acerca do que constitui a ajuda \u00e0 Jord\u00e2nia e ao Egito pode explicar pelo menos parte do racioc\u00ednio. Enquanto 75% da ajuda dos EUA \u00e0 Jord\u00e2nia \u00e9 humanit\u00e1ria, esse n\u00famero desce para apenas 20% no Egito. O resto \u00e9 destinado \u00e0 assist\u00eancia militar, ou seja, ao fornecimento de armas, de que o Egito \u00e9 o segundo maior benefici\u00e1rio, a seguir ao vizinho Israel. Washington j\u00e1 deu a entender que esta forma de apoio n\u00e3o ser\u00e1 afetada pelos recentes cortes.Alguns consideram que a raz\u00e3o para manter essa ajuda est\u00e1 relacionada com a fronteira comum entre os dois pa\u00edses e com a agem de Rafah, controlada pelo Egito, para a Faixa de Gaza.\u201cA principal quest\u00e3o do Egito \u00e9 garantir que os habitantes de Gaza permane\u00e7am em Gaza e, para isso, precisam do apoio dos EUA\u201d, explicou Ben Fishman \u00e0 Euronews, a partir de Washington.Fishman \u00e9 membro s\u00e9nior do think-tank Washington Institute, tendo trabalhado anteriormente no apoio \u00e0 istra\u00e7\u00e3o Obama na pol\u00edtica para o M\u00e9dio Oriente, incluindo nos pacotes de ajuda.Desde o in\u00edcio da campanha israelita contra o Hamas em Gaza, alguns, incluindo ministros israelitas, t\u00eam defendido a ideia de abrir a agem fronteiri\u00e7a de Rafah para o Sinai, a fim de esvaziar o territ\u00f3rio de uma popula\u00e7\u00e3o civil cada vez mais desesperada, enquanto tentam livrar a Faixa de Gaza do grupo militante.Mais recentemente, o pr\u00f3prio presidente dos EUA ecoou a ideia.O Egito tem sofrido anos de sucessivas crises econ\u00f3micas, exacerbadas por um conflito regional que levou a uma quebra no turismo e a um decl\u00ednio de 60% no rendimento da maior fonte de receitas do Egito, o Canal do Suez. Parece que a \u00faltima coisa que o Cairo quer \u00e9 mais gente para cuidar, especialmente no Sinai do Norte, um territ\u00f3rio estrat\u00e9gico no M\u00e9dio Oriente que faz do Egito um dos poucos pa\u00edses do mundo que se estende por dois continentes. No ano ado, foi noticiado que as autoridades eg\u00edpcias estavam a construir discretamente um muro de um quil\u00f3metro de comprimento e cinco metros de altura, afastado da agem de Rafah.No entanto, o antigo deputado da oposi\u00e7\u00e3o eg\u00edpcia e analista pol\u00edtico Amr El-Shobaki questionou a an\u00e1lise de Fishman sobre as raz\u00f5es que est\u00e3o por detr\u00e1s da continua\u00e7\u00e3o da ajuda militar dos EUA ao Egito, durante uma entrevista \u00e0 Euronews no Cairo. 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Em abril, a UE aprovou um pacote hist\u00f3rico de assist\u00eancia financeira de 4,5 mil milh\u00f5es de euros \u00e0 Jord\u00e2nia e ao Egito, sendo a maior parte destinada a este \u00faltimo pa\u00eds. O entendimento foi assinado poucos meses depois de a presidente da Comiss\u00e3o Europeia, Ursula Von der Leyen, e o Rei Abdullah II da Jord\u00e2nia terem assinado um outro acordo de apoio, no valor de 3 mil milh\u00f5es de euros, entre apertos de m\u00e3o e sorrisos radiantes.Von der Leyen descreveu a Jord\u00e2nia como \u201cum parceiro fundamental e um pilar da estabilidade regional\u201d.O professor Al-Barasneh saudou o acordo como uma \u201ccontribui\u00e7\u00e3o para a redu\u00e7\u00e3o do d\u00e9fice financeiro, utilizando 1,32 mil milh\u00f5es de d\u00f3lares (1,17 mil milh\u00f5es de euros) para compensar a perda da ajuda vinda dos EUA\u201d.Entretanto, Ezzat Saad salientou que a estabilidade no Egito e na Jord\u00e2nia beneficiava diretamente a UE, uma uni\u00e3o pol\u00edtica atormentada por debates sobre a migra\u00e7\u00e3o ilegal atrav\u00e9s do Mediterr\u00e2neo.\u201cQualquer redu\u00e7\u00e3o do papel de Washington nos problemas do M\u00e9dio Oriente representa um fardo adicional para os europeus\u201d, afirmou. \u201cDizemos sempre aos embaixadores europeus que nos visitam que estamos mais perto de voc\u00eas do que pensam e que devem pensar em ter um papel pol\u00edtico ativo na resolu\u00e7\u00e3o dos problemas da regi\u00e3o\u201d, explicou Saad, que tamb\u00e9m foi embaixador do Egito na Indon\u00e9sia, R\u00fassia e Turquemenist\u00e3o, entre outros.No entanto, para El-Shobaky, \u00e9 a exist\u00eancia destes debates e a falta de unidade na Europa que dificultam a sua capacidade de assumir o papel que os EUA parecem estar a abandonar.\u201cO problema continua a ser a divis\u00e3o na Europa. N\u00e3o existe um sistema pol\u00edtico comum\u201d, explica o atual diretor da unidade \u00e1rabe-europeia do Centro de Estudos Pol\u00edticos e Estrat\u00e9gicos Al-Ahram.\u201cA Europa \u00e9 um parceiro econ\u00f3mico fant\u00e1stico. \u00c9, na minha opini\u00e3o, o parceiro econ\u00f3mico mais justo do Egito. Mas n\u00e3o podemos contar com a Europa para resolver quest\u00f5es como a quest\u00e3o palestiniana.\u201d\u0022Alternativas \u00e0 altura do desafio\u0022Longe dos Estados Unidos e da Uni\u00e3o Europeia, a China e a R\u00fassia est\u00e3o cada vez mais ligadas ao Egito e \u00e0 Jord\u00e2nia, especialmente a primeira.Os pa\u00edses ocidentais e Israel reagiram recentemente com consterna\u00e7\u00e3o quando o Egito realizou exerc\u00edcios navais conjuntos com a China e a R\u00fassia no Mediterr\u00e2neo, com o nome de c\u00f3digo \u201onte da Amizade 2025\u201d. Na ter\u00e7a-feira ada, foi noticiado que um Il-76MF chin\u00eas, um avi\u00e3o de transporte pesado de conce\u00e7\u00e3o sovi\u00e9tica, tinha aterrado no Egito, levantando especula\u00e7\u00f5es sobre a chegada de novo equipamento militar chin\u00eas ao pa\u00eds. Foi o \u00faltimo de uma s\u00e9rie de voos militares chineses com destino ao Egito.El-Shobaky explicou com naturalidade que, apesar das garantias dos EUA sobre a ajuda militar ao Egito, \u201ctemos de criar alternativas que estejam \u00e0 altura do desafio, seja com a Europa, seja talvez com a R\u00fassia. Se a guerra [na Ucr\u00e2nia] parar, \u00e9 claro que o seu papel vai aumentar. E a China j\u00e1 est\u00e1 a progredir tecnicamente\u201d.As suas preocupa\u00e7\u00f5es enquadram-se numa conversa global mais ampla sobre a fiabilidade - ou falta dela - de um pa\u00eds outrora visto como a \u00fanica pot\u00eancia mundial dominante.Mas n\u00e3o se deve descartar os Estados Unidos demasiado depressa, contrap\u00f4s El-Shobaky, no final da entrevista \u00e0 Euronews. \u201cN\u00e3o creio que o dom\u00ednio americano desapare\u00e7a em poucos anos\u201d, disse, acrescentando que o Egito n\u00e3o faz parte do \u201ceixo Ir\u00e3o-R\u00fassia-China\u201d.\u201cClaro que o Egito tem boas rela\u00e7\u00f5es com a R\u00fassia e a China, mas tentamos estabelecer um equil\u00edbrio, temos muito boas rela\u00e7\u00f5es com a Europa. O Egito est\u00e1 integrado num sistema internacional e quem lidera esse sistema internacional? Os EUA.\u201dRecentemente, a istra\u00e7\u00e3o Trump tamb\u00e9m reverteu alguns dos seus cortes de ajuda mais extremos. No entanto, El-Shobaky afirma que o seu pa\u00eds e os da regi\u00e3o em geral ter\u00e3o de lidar com estas areias em constante mudan\u00e7a.\u201cEles continuam a fazer o que fazem\u201d, conclui, referindo-se aos EUA, \u00e0 UE, \u00e0 R\u00fassia e \u00e0 China, fechando a porta e abanando ligeiramente a cabe\u00e7a.\u201cN\u00f3s tentamos apenas gerir e sobreviver.\u201d", "dateCreated": "2025-05-19T12:18:19+02:00", "dateModified": "2025-05-19T13:17:46+02:00", "datePublished": "2025-05-19T13:17:13+02:00", "image": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2Fstories%2F09%2F29%2F21%2F15%2F1440x810_cmsv2_d8c8710a-c5ce-51ac-8b63-295ee8c5a870-9292115.jpg", "width": "1440px", "height": "810px", "caption": "Vendedores de algod\u00e3o doce caminham em dia poeirento, antes de uma esperada tempestade de areia, no Cairo, 30 de abril de 2025", "thumbnail": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2Fstories%2F09%2F29%2F21%2F15%2F432x243_cmsv2_d8c8710a-c5ce-51ac-8b63-295ee8c5a870-9292115.jpg", "publisher": { "@type": "Organization", "name": "euronews", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png" } }, "author": { "@type": "Person", "name": "Gregory Holyoke", "sameAs": "https://twitter.com/GregoryHolyoke" }, "publisher": { "@type": "Organization", "name": "Euronews", "legalName": "Euronews", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png", "width": "403px", "height": "60px" }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] }, "articleSection": [ "Mundo" ], "isAccessibleForFree": "False", "hasPart": { "@type": "WebPageElement", "isAccessibleForFree": "False", "cssSelector": ".poool-content" } }, { "@type": "WebSite", "name": "Euronews.com", "url": "/", "potentialAction": { "@type": "SearchAction", "target": "/search?query={search_term_string}", "query-input": "required name=search_term_string" }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] } ] }
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A quem pode o Médio Oriente recorrer depois dos cortes de financiamento da USAID?

Vendedores de algodão doce caminham em dia poeirento, antes de uma esperada tempestade de areia, no Cairo, 30 de abril de 2025
Vendedores de algodão doce caminham em dia poeirento, antes de uma esperada tempestade de areia, no Cairo, 30 de abril de 2025 Direitos de autor AP Photo/Amr Nabil
Direitos de autor AP Photo/Amr Nabil
De Gregory Holyoke
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A USAID mudou o seu escritório regional para o Cairo. A Euronews questiona como é que a istração Trump, ao cortar a assistência humanitária - mas não militar - ao Egito e à Jordânia, pode afetar a estabilidade da região e abri-la a outras potências.

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A última publicação na página de Facebook da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) para o Médio Oriente foi publicado a 17 de janeiro. “Estamos a contratar”, referia com entusiasmo.

Três dias depois, Donald Trump assumiu a presidência dos EUA. Nesse mesmo dia, assinou uma ordem executiva que congelava toda a ajuda externa, pendente de uma revisão de 90 dias.

Foram necessárias apenas cinco semanas para que a istração e o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), dirigido por Elon Musk, cortassem 90% dos contratos de ajuda externa da USAID e 60 mil milhões de dólares (53,4 mil milhões de euros) da assistência global dos EUA em todo o mundo.

A decisão - rotulada como “uma das mais abrangentes reduções do financiamento humanitário e de ajuda ao desenvolvimento dos EUA na história” - causou imediatamente repercussões em todo o mundo, sobretudo no Médio Oriente e no Norte de África.

Os EUA têm sido, de longe, o maior financiador das Nações Unidas, fornecendo mais de 13 mil milhões de dólares (11,6 mil milhões de euros) em 2023, o que representou mais de um quarto do seu orçamento total. Este valor é inflacionado para mais de metade no caso de agências como o Programa Alimentar Mundial. Tudo desapareceu, com um golpe de caneta.

Um antigo funcionário da USAID, que falou sob condição de anonimato por receio de represálias, disse que a decisão iria “pôr vidas em perigo”. Em privado, funcionários da ONU contaram à Euronews que a luz e o aquecimento foram permanentemente cortados nos escritórios em pleno inverno, mesmo na sede em Genebra.

A istração também introduziu condições rigorosas - e, segundo alguns, altamente politizadas - para o pouco dinheiro disponível.

Um documento de financiamento dos EUA que um funcionário da ONU partilhou com a Euronews incluía perguntas que pediam aos candidatos para “confirmar que a sua organização não trabalha com entidades associadas a partidos comunistas, socialistas ou totalitários, ou com qualquer partido que defenda crenças anti-americanas”.

Outra condição exige que os projetos “reforcem a soberania dos EUA, limitando a dependência de organizações internacionais ou da governação global”, destacando a ONU.

As mudanças foram sentidas de forma aguda no terreno, no Egito e na Jordânia. Os EUA têm sido, desde há muito, o maior benfeitor internacional de ambos.

Sem contar com a ajuda humanitária indireta das agências internacionais financiadas pelos Estados Unidos, o Cairo e Amã são o terceiro e quarto maiores beneficiários do financiamento internacional dos Estados Unidos, num total de mais de 3 mil milhões de dólares (quase 2,7 mil milhões de euros) por ano.

"Estamos a viver num clima turbulento e tenso que a istração Trump criou”, afirmou Ezzat Saad, antigo diplomata egípcio e ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros, à Euronews, a partir do seu gabinete no Cairo.

No entanto, Washington fez uma distinção crucial entre a ajuda que está a cortar e a que será mantida.

O problema de Rafah

No meio dos cortes e do caos, o governo americano anunciou, em março, que iria criar um novo gabinete regional da USAID no Cairo: uma decisão incongruente e amplamente ignorada. Mesmo os funcionários norte-americanos no terreno itiram à Euronews que não tinham conhecimento da decisão, e muito menos das razões que a motivaram.

Uma análise mais atenta acerca do que constitui a ajuda à Jordânia e ao Egito pode explicar pelo menos parte do raciocínio. Enquanto 75% da ajuda dos EUA à Jordânia é humanitária, esse número desce para apenas 20% no Egito.

O resto é destinado à assistência militar, ou seja, ao fornecimento de armas, de que o Egito é o segundo maior beneficiário, a seguir ao vizinho Israel. Washington já deu a entender que esta forma de apoio não será afetada pelos recentes cortes.

Alguns consideram que a razão para manter essa ajuda está relacionada com a fronteira comum entre os dois países e com a agem de Rafah, controlada pelo Egito, para a Faixa de Gaza.

“A principal questão do Egito é garantir que os habitantes de Gaza permaneçam em Gaza e, para isso, precisam do apoio dos EUA”, explicou Ben Fishman à Euronews, a partir de Washington.

Camiões em fila no lado egípcio do posto fronteiriço de Rafah, entre o Egito e a Faixa de Gaza, 2 de março de 2025
Camiões em fila no lado egípcio do posto fronteiriço de Rafah, entre o Egito e a Faixa de Gaza, 2 de março de 2025AP Photo/Mohamed Arafat

Fishman é membro sénior do think-tank Washington Institute, tendo trabalhado anteriormente no apoio à istração Obama na política para o Médio Oriente, incluindo nos pacotes de ajuda.

Desde o início da campanha israelita contra o Hamas em Gaza, alguns, incluindo ministros israelitas, têm defendido a ideia de abrir a agem fronteiriça de Rafah para o Sinai, a fim de esvaziar o território de uma população civil cada vez mais desesperada, enquanto tentam livrar a Faixa de Gaza do grupo militante.

Mais recentemente, o próprio presidente dos EUA ecoou a ideia.

O Egito tem sofrido anos de sucessivas crises económicas, exacerbadas por um conflito regional que levou a uma quebra no turismo e a um declínio de 60% no rendimento da maior fonte de receitas do Egito, o Canal do Suez.

Parece que a última coisa que o Cairo quer é mais gente para cuidar, especialmente no Sinai do Norte, um território estratégico no Médio Oriente que faz do Egito um dos poucos países do mundo que se estende por dois continentes.

No ano ado, foi noticiado que as autoridades egípcias estavam a construir discretamente um muro de um quilómetro de comprimento e cinco metros de altura, afastado da agem de Rafah.

No entanto, o antigo deputado da oposição egípcia e analista político Amr El-Shobaki questionou a análise de Fishman sobre as razões que estão por detrás da continuação da ajuda militar dos EUA ao Egito, durante uma entrevista à Euronews no Cairo.

Referindo-se à decisão de transferir a sede da USAID para a capital egípcia, El-Shobaki disse: “Com a sede aqui no Egito, talvez eles pensem que ainda é possível convencer o Egito a aceitar pelo menos alguns dos palestinianos de Gaza.”

Saltando entre o inglês, o francês e o árabe, o ex-político esclareceu rapidamente: “É isso que os Estados Unidos estão a pensar. O governo egípcio recusou.”

No entanto, a assistência contínua dos EUA não se estendeu à Jordânia, que já alberga mais refugiados palestinianos registados do que toda a população de Gaza, representando mais de 20% da população do país.

O professor jordano Ayman Al-Barasneh está profundamente preocupado com a perda de financiamento dos EUA para as populações de refugiados.

“Isto irá exercer pressão sobre os serviços públicos essenciais, como os cuidados de saúde, a educação e o apoio aos refugiados”, disse à Euronews, a partir da Universidade da Jordânia. “Todos estes setores dependem fortemente da ajuda dos EUA.”

O professor Al-Barasneh também alertou para o facto de os cortes terem um efeito perigoso, talvez mesmo para além das fronteiras do seu país.

“O apoio contínuo dos EUA tornou-se essencial para a Jordânia manter a sua estabilidade interna, acelerar o desenvolvimento e gerir a sua precária situação geopolítica no meio das guerras do Médio Oriente”, explicou.

A quem é que se vai telefonar?

O recuo dos EUA na Jordânia e, em menor grau, no Egito, está a abrir a porta a novas potências, incluindo a UE, para substituir o domínio da ajuda norte-americana.

Em abril, a UE aprovou um pacote histórico de assistência financeira de 4,5 mil milhões de euros à Jordânia e ao Egito, sendo a maior parte destinada a este último país.

O entendimento foi assinado poucos meses depois de a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e o Rei Abdullah II da Jordânia terem assinado um outro acordo de apoio, no valor de 3 mil milhões de euros, entre apertos de mão e sorrisos radiantes.

Von der Leyen descreveu a Jordânia como “um parceiro fundamental e um pilar da estabilidade regional”.

O professor Al-Barasneh saudou o acordo como uma “contribuição para a redução do défice financeiro, utilizando 1,32 mil milhões de dólares (1,17 mil milhões de euros) para compensar a perda da ajuda vinda dos EUA”.

Egípcios caminham em frente a uma faixa que exibe o presidente egípcio Abdel-Fattah el-Sissi e o seu homólogo francês Emmanuel Macron, durante a sua visita a Arish, 8 de abril
Egípcios caminham em frente a uma faixa que exibe o presidente egípcio Abdel-Fattah el-Sissi e o seu homólogo francês Emmanuel Macron, durante a sua visita a Arish, 8 de abrilAP Photo/Mohammed Arafat

Entretanto, Ezzat Saad salientou que a estabilidade no Egito e na Jordânia beneficiava diretamente a UE, uma união política atormentada por debates sobre a migração ilegal através do Mediterrâneo.

“Qualquer redução do papel de Washington nos problemas do Médio Oriente representa um fardo adicional para os europeus”, afirmou.

“Dizemos sempre aos embaixadores europeus que nos visitam que estamos mais perto de vocês do que pensam e que devem pensar em ter um papel político ativo na resolução dos problemas da região”, explicou Saad, que também foi embaixador do Egito na Indonésia, Rússia e Turquemenistão, entre outros.

No entanto, para El-Shobaky, é a existência destes debates e a falta de unidade na Europa que dificultam a sua capacidade de assumir o papel que os EUA parecem estar a abandonar.

“O problema continua a ser a divisão na Europa. Não existe um sistema político comum”, explica o atual diretor da unidade árabe-europeia do Centro de Estudos Políticos e Estratégicos Al-Ahram.

A Europa é um parceiro económico fantástico. É, na minha opinião, o parceiro económico mais justo do Egito. Mas não podemos contar com a Europa para resolver questões como a questão palestiniana.”

"Alternativas à altura do desafio"

Longe dos Estados Unidos e da União Europeia, a China e a Rússia estão cada vez mais ligadas ao Egito e à Jordânia, especialmente a primeira.

Os países ocidentais e Israel reagiram recentemente com consternação quando o Egito realizou exercícios navais conjuntos com a China e a Rússia no Mediterrâneo, com o nome de código “Ponte da Amizade 2025”.

Na terça-feira ada, foi noticiado que um Il-76MF chinês, um avião de transporte pesado de conceção soviética, tinha aterrado no Egito, levantando especulações sobre a chegada de novo equipamento militar chinês ao país. Foi o último de uma série de voos militares chineses com destino ao Egito.

El-Shobaky explicou com naturalidade que, apesar das garantias dos EUA sobre a ajuda militar ao Egito, “temos de criar alternativas que estejam à altura do desafio, seja com a Europa, seja talvez com a Rússia. Se a guerra [na Ucrânia] parar, é claro que o seu papel vai aumentar. E a China já está a progredir tecnicamente”.

O presidente russo, Vladimir Putin, e o homólogo egípcio, Abdel Fattah el-Sissi, entram no salão durante um encontro no Kremlin, 9 de maio de 2025
O presidente russo, Vladimir Putin, e o homólogo egípcio, Abdel Fattah el-Sissi, entram no salão durante um encontro no Kremlin, 9 de maio de 2025Yuri Kochetkov/AP

As suas preocupações enquadram-se numa conversa global mais ampla sobre a fiabilidade - ou falta dela - de um país outrora visto como a única potência mundial dominante.

Mas não se deve descartar os Estados Unidos demasiado depressa, contrapôs El-Shobaky, no final da entrevista à Euronews.

“Não creio que o domínio americano desapareça em poucos anos”, disse, acrescentando que o Egito não faz parte do “eixo Irão-Rússia-China”.

“Claro que o Egito tem boas relações com a Rússia e a China, mas tentamos estabelecer um equilíbrio, temos muito boas relações com a Europa. O Egito está integrado num sistema internacional e quem lidera esse sistema internacional? Os EUA.”

Recentemente, a istração Trump também reverteu alguns dos seus cortes de ajuda mais extremos.

No entanto, El-Shobaky afirma que o seu país e os da região em geral terão de lidar com estas areias em constante mudança.

“Eles continuam a fazer o que fazem”, conclui, referindo-se aos EUA, à UE, à Rússia e à China, fechando a porta e abanando ligeiramente a cabeça.

“Nós tentamos apenas gerir e sobreviver.”

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