Relatório surge num contexto de cortes na ajuda mundial que, segundo as autoridades sanitárias, poderá conduzir a um ressurgimento da tuberculose.
Os casos de tuberculose, a doença infeciosa mais mortal do mundo, aumentaram quase 10% em relação ao ano anterior entre as crianças da Europa e da Ásia Central, de acordo com um novo relatório de agências internacionais de saúde.
Os dados, que datam de 2023, indicam que a região europeia ainda está a lutar contra os efeitos colaterais da pandemia de covid-19, de acordo com o relatório do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) e da equipa da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a Europa.
O relatório surge no momento em que as autoridades sanitárias alertam para o facto de os cortes na ajuda global poderem conduzir a um ressurgimento da tuberculose a nível mundial.
Em 2023, mais de 172.000 pessoas na região europeia contraíram tuberculose ou tiveram uma recaída da doença, semelhante aos níveis relatados em 2022, mostra a análise. Embora as mortes por tuberculose tenham diminuído, caíram a um ritmo muito mais lento do que antes da crise da COVID-19.
Isto sugere que muitas pessoas infetadas não foram diagnosticadas nem tratadas quando a pandemia perturbou os serviços médicos e que as consequências estão agora a tornar-se evidentes, segundo o relatório.
O número de crianças com a doença também parece estar a aumentar, com cerca de 7.500 casos de tuberculose entre crianças com menos de 15 anos na região europeia em 2023 - um aumento de 9,6% em relação ao ano anterior, segundo o relatório.
Mais de 2.400 destes casos foram registados em crianças com menos de 5 anos, que correm um maior risco de doença grave e morte.
"O atual fardo da tuberculose e o aumento preocupante de crianças com tuberculose recordam-nos que os progressos contra esta doença evitável e curável continuam a ser frágeis", afirmou Hans Kluge, diretor da OMS para a Europa, em comunicado.
Os resultados indicam que a tuberculose continua a propagar-se por toda a Europa e que devem ser envidados esforços "imediatos" de saúde pública para controlar a doença, segundo o relatório.
Portugal registou 1.584 casos de tuberculose em 2023, mantendo a taxa de notificação nos 14,9 casos por 100 mil habitantes. A maior incidência da doença foi nas regiões do Norte e Grande Lisboa.
Porque é que a tuberculose é tão difícil de eliminar
A tuberculose é causada por uma infeção bacteriana que afeta principalmente os pulmões, mas que também se pode propagar a outros órgãos. A maioria das pessoas infetadas não desenvolve a doença, mas se a desenvolverem, pode ser perigosa, matando cerca de 1,25 milhões de pessoas por ano.
A doença também coincide com outros problemas de saúde graves. Na região europeia, 15,4% das pessoas com tuberculose nova ou reativada têm também VIH, que pode evoluir para SIDA se não for tratado, segundo o relatório.
A tuberculose afeta principalmente as pessoas que vivem na pobreza. Pode ser difícil de gerir por uma série de razões, incluindo atrasos na obtenção de um diagnóstico, o facto de os doentes tomarem a medicação a tempo e a falta de o aos tratamentos adequados.
Os doentes têm de tomar a medicação para a tuberculose diariamente durante um máximo de seis meses para que seja eficaz.
A interrupção precoce do tratamento pode permitir que a bactéria se torne resistente aos medicamentos, tornando a doença mais difícil de tratar e permitindo que as infeções se espalhem.
Os medicamentos de primeira linha funcionaram para 75,5% dos doentes na região europeia, segundo a análise. No caso dos doentes com tuberculose multirresistente, os medicamentos acabaram por funcionar em 59,7%.
Analisando apenas a União Europeia, a Islândia, o Liechtenstein e a Noruega, as autoridades sanitárias afirmaram não saber se uma em cada cinco crianças com tuberculose concluiu efetivamente o tratamento.
"Com o aumento da tuberculose resistente aos medicamentos, o custo da inação de hoje será pago por todos nós amanhã", afirmou em comunicado a diretora do ECDC, Pamela Rendi-Wagner.
Na semana ada, a OMS alertou para o facto de os cortes na ajuda mundial já estarem a prejudicar os progressos na eliminação da doença em 27 países, principalmente em África, no Sudeste Asiático e no Pacífico Ocidental. Em nove países, as pessoas estão a ter dificuldades em obter medicamentos para a tuberculose.
Mas Kluge afirmou que os programas de combate à tuberculose na Europa e na Ásia Central também poderão ser afetados pelos cortes.
Em toda a região, a Rússia registou o maior número de casos em 2023, seguida da Ucrânia, do Uzbequistão, do Cazaquistão, da Turquia e da Roménia.
Os cortes significam que "a transmissão da tuberculose pode ar despercebida, alimentando ainda mais o aumento de estirpes difíceis de tratar", afirmou Kluge.