O Tribunal Penal Internacional (TPI) tem poderes limitados e depende fortemente da cooperação dos Estados-membros, disseram juristas à Euronews.
O que é que o presidente russo Vladimir Putin e o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu têm em comum?
Ambos os líderes foram objeto de mandados de captura emitidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
Em teoria, os mandados de detenção do TPI são juridicamente vinculativos para os Estados que ratificaram o Estatuto de Roma de 1998, que fundou o tribunal e que conta atualmente com 125 Estados-membros, incluindo todos os países da União Europeia, embora os Estados Unidos, a China e a Rússia não sejam membros.
A viagem de Netanyahu à Hungria no início deste mês foi a primeira visita do primeiro-ministro israelita a um Estado-membro do TPI desde que foi lhe emitido o mandado de captura, em novembro de 2024, por alegados crimes de guerra e crimes contra a humanidade durante a guerra entre Israel e o Hamas.
Na altura, o primeiro-ministro israelita condenou a decisão do TPI como "antissemita".
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, disse este mês que a instituição tinha sido "reduzida a um instrumento político", tendo o seu Governo anunciado a retirada da Hungria do TPI horas depois da chegada de Netanyahu, a 3 de abril.
No entanto, o processo é moroso e demora até um ano a ser concluído, após a apresentação de uma notificação formal por escrito. Isto significa que, na altura da visita de Netanyahu a Budapeste, a Hungria estava legalmente obrigada a fazer a detenção do primeiro-ministro israelita ao abrigo do direito internacional.
Os chefes de Estado em funções estão imunes aos mandados do TPI?
"O tribunal existe há pouco mais de 20 anos, por isso temos poucos exemplos de casos em que foram emitidos mandados de captura contra chefes de Estado", disse Mahmoud Abuwasel, vice-presidente do Instituto de Haia para a Justiça Internacional, à Euronews.
"Mas em todos esses exemplos parece haver um problema com o cumprimento e a aplicação do estatuto", afirmou.
Mas os juízes do TPI decidiram que não existe base legal para não cumprir o mandado, quando analisaram o caso do antigo presidente do Sudão, Omar al-Bashir.
Al-Bashir esteve no poder de 1989 a 2019. Foram emitidos mandados de captura contra ele em 2009 e 2010 por alegados crimes de guerra e crimes contra a humanidade no Darfur.
Elizabeth Evenson, diretora do Programa de Justiça Internacional da Human Rights Watch, lembra que, na altura, alguns Estados afirmaram que al-Bashir não podia ser detido por gozar de imunidade enquanto chefe de Estado em funções.
"Os juízes do TPI analisaram esta questão e decidiram que, apesar de ser chefe de Estado, não tinha imunidade", diz Evenson à Euronews.
Desde que foram emitidos os mandados do TPI contra al-Bashir, este viajou para vários países que são membros do tribunal, sublinharam grupos de defesa dos direitos humanos.
De acordo com juristas, se um Estado-membro do TPI considerar que tem motivos suficientes para anular um mandado de detenção, isso deve ser feito em consulta com o tribunal.
"Tanto quanto sei, não vi qualquer consulta por parte dos Estados ou dos decisores políticos sobre a forma como não poderiam cumprir a detenção de um chefe de Estado", afirmou Abuwasel.
Quais são as competências do TPI?
O TPI não tem uma força policial própria e depende da cooperação dos membros, constituídos pelos 125 países que am e ratificaram o Estatuto de Roma.
"Para que o TPI tenha sucesso, precisa do apoio dos governos, porque tem poderes limitados", diz Evenson.
Embora os juízes do tribunal tenham o poder de tomar decisões e emitir sentenças, estas só têm peso se os Estados signatários do TPI as fizerem cumprir.
Por exemplo, quando a Mongólia deu as boas-vindas a Putin em setembro ado, os juízes do TPI decidiram que o país estava a violar as obrigações legais de honrar o mandado de captura contra ele.
Em março de 2023, o TPI acusou Putin do crime de guerra de deportar ilegalmente centenas de crianças da Ucrânia, pouco mais de um ano depois de a Rússia ter iniciado a invasão. Na altura, o Kremlin classificou a decisão do tribunal como "nula e sem efeito".
Mas, para além disso, os juízes podiam ter pedido ao órgão de membros do TPI - conhecido como Assembleia dos Estados Partes - que tomasse outras medidas.
A Assembleia dos Estados Partes é o órgão legislativo e de controlo da gestão do tribunal, composto por representantes dos Estados signatários.
"Podiam ter suspendido o direito de voto da Mongólia na Assembleia dos Estados Partes, suspendido a capacidade deste país nomear candidatos para o TPI, onde tem assento um juiz mongol", explicou Evenson.
No entanto, na prática, os peritos consideraram a reação como fraca.
"Até agora, este órgão dos membros do TPI tem-se mostrado muito relutante em tomar medidas", afirmou Evenson.
Para alguns juristas, o TPI deveria estar a tomar uma posição mais dura para punir o não cumprimento dos mandados de captura.
"Parece-me estranho que esta situação de ignorar os mandados de captura se tenha verificado nos últimos 15 anos e que o tribunal não utilize os poderes que detém para multar os indivíduos responsáveis pelo não cumprimento de uma ordem", afirmou Abuwasel.
"O TPI tem poderes sancionatórios, pode ordenar a prisão, o que é uma ação extrema, mas também pode ordenar multas contra indivíduos. Apesar de parecer feroz até certo ponto, tem de haver um fator de dissuasão para os países que não cumprem", acrescentou.
Um mecanismo de pressão
Embora os críticos afirmem que o facto de os mandados de captura do TPI poderem ser desrespeitados os torna inúteis, outros juristas defendem que podem funcionar como um mecanismo de pressão.
Desde que foi emitido o mandado de captura contra Putin, em março de 2023, este não visitou nenhum dos países signatários do TPI, à exceção da Mongólia, no ano ado. Entretanto, a Hungria é o único Estado-membro do TPI que Netanyahu visitou desde que o mandado foi emitido.
Embora os chefes de Estado em funções pareçam contornar os mandados de detenção do TPI, estas ordens não expiram quando deixam de estar no poder.
No início de março, o antigo presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, foi detido pelas autoridades do país com base num mandado de captura do TPI por alegados crimes contra a humanidade relacionados com a guerra contra a droga nas Filipinas.
"O caso de Duterte pode ser visto como uma espécie de contra-exemplo e mostra que os mandados de captura do TPI podem funcionar", disse Evenson. "Há alguns anos, poucas pessoas teriam acreditado que este mandado seria cumprido. Apesar de ele já não ser um chefe de Estado em funções, as pessoas que estiveram no poder podem continuar a ser protegidas pelos governos".