Detenção de Ekrem İmamoğlu originou protestos em massa na Turquia, que acontecem numa altura em que a UE tenta aprofundar o seu compromisso com Ancara em relação à Síria e à Ucrânia.
A detenção de Ekrem İmamoğlu, presidente da Câmara de Istambul, levanta questões sobre a "adesão da Turquia à sua tradição democrática de longa data", disse a Comissão Europeia em reação, sem chegar a uma condenação explícita.
İmamoğlu está preso a aguardar julgamento.
"Como país candidato à UE, a Turquia deve defender os valores democráticos. Os direitos dos funcionários eleitos, bem como o direito de manifestação pacífica, devem ser plenamente respeitados", disse um porta-voz da Comissão na segunda-feira.
"Queremos que a Turquia se mantenha ligada à Europa, mas, para isso é necessário um compromisso claro com as normas e práticas democráticas. E é fundamental que a Turquia respeite esses princípios fundamentais", acrescentou.
Um tribunal turco ordenou a prisão de İmamoğlu no domingo, depois de o terem acusado de corrupção, extorsão, suborno e branqueamento de capitais, bem como de ajudar um grupo terrorista, devido à sua aliança eleitoral com um partido pró-curdo.
İmamoğlu e os seus advogados refutaram vigorosamente as acusações, qualificando-as de fabricadas e politicamente motivadas.
Mais tarde, o ministro do Interior afastou-o do cargo como "medida temporária".
"Hoje, a Turquia acordou com uma profunda traição. O processo judicial em curso está longe de ser justo - é uma execução sem julgamento", escreveu İmamoğlu nas redes sociais.
A detenção de İmamoğlu provocou dias consecutivos de protestos em massa em toda a Turquia, descritos como as maiores manifestações em mais de uma década.
Membro do Partido Republicano do Povo (CHP), İmamoğlu era considerado um dos principais candidatos às eleições presidenciais de 2028. Numa primária realizada no domingo, dias após a sua detenção pela polícia, foi escolhido como o principal candidato do CHP com os votos de 1,7 milhões de membros do partido e 13,2 milhões de nã membros.
O CHP é o segundo maior partido no parlamento turco, depois do Partido AK do presidente Recep Tayyip Erdoğan. O presidente turco está limitado a um mandato e não pode concorrer novamente em 2018, embora a Constituição possa ser alterada de forma a permitir um terceiro mandato.
A oposição descreveu a prisão de İmamoğlu como um ato de retaliação de Erdoğan para fazer descarrilar as esperanças eleitorais do seu maior adversário. O governo rejeita esta acusação e insiste que os tribunais da Turquia funcionam de forma independente.
O Conselho da Europa, uma organização de defesa dos direitos humanos com sede em Estrasburgo,condenou a detenção de İmamoğlu e exigiu a sua "libertação imediata".
"Esta é uma manobra calculada que visa minar a integridade e a justiça dos processos eleitorais e equivale a um ataque à democracia", afirmou o presidente do Congresso dos Poderes Locais e Regionais do Conselho da Europa, Marc Cools, num comunicado, acrescentando que as acusações de corrupção e terrorismo "parecem ser uma farsa".
Em comunicado, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês foi também muito crítico, falando de um "grave ataque à democracia" e instando a Turquia a respeitar os "compromissos" legais que "assumiu livremente" enquanto país candidato à UE.
O ministério dos Negócios Estrangeiros alemão descreveu a detenção como um revés para a democracia. "A competição política não deve ser conduzida através de tribunais e prisões", afirmou um porta-voz. "Esperamos que as alegações sejam investigadas de forma transparente o mais rapidamente possível e que os procedimentos sejam conduzidos com base no Estado de direito."
Aproximação gradual
Na sala de imprensa da Comissão Europeia, a reação foi notoriamente mais contida, refletindo a corda bamba que Bruxelas está a tentar percorrer com Ancara.
A importância estratégica da Turquia para o bloco foi ampliada por dois acontecimentos geopolíticos recentes: a queda de Bashar al-Assad na Síria e as negociações lançadas por Donald Trump para acabar com a guerra da Rússia na Ucrânia.
O presidente Erdoğan manifestou um grande interesse na coligação de interessados que a França e o Reino Unido criaram para dar garantias de segurança a Kiev e salvaguardar um potencial acordo com Moscovo. A Turquia tem o segundo maior exército da NATO e goza de uma localização estrategicamente valiosa no Mar Negro.
Erdoğan participou em várias reuniões virtuais com líderes europeus, a última das quais na sexta-feira, quando foi informado por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, António Costa, presidente do Conselho Europeu, e pela alta representante, Kaja Kallas, sobre os resultados de uma cimeira da UE em Bruxelas.
Além disso, a Comissão Europeia planeia realizar dois diálogos de alto nível com a Turquia nas próximas semanas, centrados na economia e na migração.
Questionado sobre se a prisão de İmamoğlu e os protestos em massa fariam Bruxelas reconsiderar a sua aproximação a Ancara, um porta-voz da Comissão disse: "Estamos a acompanhar de perto a situação na Turquia, mas não posso adiantar mais nada sobre o que isso significa para o nosso compromisso nesta fase. A nossa posição é muito clara".
A Turquia foi declarada país candidato em 1999, mas a sua adesão tem sido prejudicada por retrocessos democráticos e por preocupações quanto à "capacidade de absorção" do bloco. As negociações foram oficialmente suspensas em 2018, dois anos após uma tentativa de golpe de Estado que viu Erdoğan reforçar o seu controlo sobre o poder e sufocar as vozes da oposição.
No seu último relatório sobre o alargamento, a Comissão identificou numerosas deficiências e uma falta generalizada de reformas no domínio da democracia e dos direitos fundamentais.
"O sistema presidencial continua a caraterizar-se por uma falta de controlos e equilíbrios", afirma o documento. "A pressão do governo sobre os presidentes de câmara dos partidos da oposição continuou a enfraquecer a democracia local."