A Polónia e a Alemanha estão a planear introduzir a formação militar face à ameaça russa, enquanto que Espanha e a América Latina se encontram num cenário diferente, marcado por outros tipos de ameaças que também podem exigir o reagrupamento de topas.
Num contexto de aumento de instabilidade geopolítica , a possibilidade de reintroduzir o serviço militar obrigatório começou a ser levantada na Europa e noutros países espalhados pelo mundo. A guerra na Ucrânia, as tensões com a Rússia e a incerteza quanto ao apoio militar dos EUA levaram países como a Polónia e a Alemanha a considerar medidas drásticas para reforçar a sua proteção.
Situada no flanco oriental da NATO, a Polónia é um dos países que assumiu a liderança neste debate. Há algumas semanas, o primeiro-ministro Donald Tusk anunciou no Parlamento Europeu um plano de formação militar para "todos os homens adultos", com o objetivo de criar um exército de 500 mil homens, incluindo os que se encontram na reserva, para impedir a agressão russa.
"Estão em curso trabalhos para preparar uma formação militar em grande escala para todos os adultos do sexo masculino na Polónia, o que ajudará a transformar os civis em soldados de pleno direito durante um conflito", afirmou Tusk.
Na Alemanha, o porta-voz da política de defesa , Florian Hahn, também defende a reintrodução do serviço militar obrigatório antes do final do ano. Não podemos ficar de braços cruzados enquanto o mundo à nossa volta se torna mais inseguro", afirmou ao jornal "Bild".
O anúncio surge em resposta à crescente preocupação com a guerra na Ucrânia e aos vários apelos do presidente dos EUA , Donald Trump, para que os países membros da NATO aumentem a sua contribuição para a aliança para pelo menos 5% do produto interno bruto (PIB).
Em Portugal, o atual contexto eleitoral e a crescente preocupação com a guerra na Rússia têm trazido o debate sobre a defesa nacional para o centro das atenções, levando muitos a considerar a necessidade de aumentar os investimentos neste setor.
No entanto, a maioria dos portugueses continua a opor-se à reintrodução do serviço militar obrigatório. O Ministro da Defesa, Nuno Melo, já afastou a possibilidade de um serviço cívico obrigatório, mas ite a adoção de outros modelos militares, caso o contexto internacional sofra alterações significativas.
Poderá o serviço militar regressar a Espanha?
Em Espanha, a ideia de reintroduzir o serviço militar obrigatório parece estar, de momento, fora de questão. No entanto, a tendência nos países europeus é abrir este debate devido à situação que o continente está a atravessar. Em declarações à Euronews, Manuel Gazapo, doutorado em Relações Internacionais e diretor institucional da UNIVERSAE, defende que a União Europeia tem funcionado como uma "bolha de segurança" que pode estar em risco devido a divisões internas e ameaças externas.
"Esta bolha de segurança em que vivemos na União Europeia e, especificamente, em Espanha, pode rebentar a qualquer momento", alerta Gazapo, sublinhando a necessidade de refletir sobre a preparação dos cidadãos face a um "mar revolto" de desafios geopolíticos e económicos.
Serviço militar adaptado ao século XXI
Gazapo acredita que, se o serviço militar for recuperado, deve ser adaptado ao século XXI. "Tem de ser um serviço militar baseado no conceito de cultura de segurança e defesa", explica, defendendo uma formação que prepare os cidadãos para diferentes cenários e não apenas para uma guerra tradicional, "desde conflitos armados a catástrofes naturais como as cheias em Valência ou ataques terroristas", explica.
"Não se trata apenas de pegar numa espingarda e vestir um colete à prova de bala, mas de saber como evacuar os nossos entes queridos, protegermo-nos, reagir e controlar as massas", sublinha. Gazapo sublinha ainda a importância dos incentivos: "tem de ser pago, tem de fazer parte da contribuição para que, quando nos reformarmos, esses meses ou anos que dedicámos ao Estado sejam reconhecidos".
Serviço militar faz sentido na América Latina?
Na América Latina, os diferentes contextos geopolíticos e económicos de cada país complicam a aplicação de um modelo único, uma vez que as ameaças são muito diferentes. Países como a Colômbia enfrentam o narco-terrorismo, enquanto outros, como o Chile, lidam com catástrofes naturais recorrentes.
Gazapo argumenta que um serviço militar adaptado poderia ser relevante, não só para conflitos militares, mas também para promover uma cultura de segurança proativa. "Não é preciso que um continente esteja em guerra para cultivar uma cultura de segurança e defesa", afirma, salientando que a preparação dos cidadãos pode antecipar crises políticas ou ambientais.
No entanto, Gazapo insiste que qualquer iniciativa deve começar numa base voluntária e adaptada às necessidades específicas de cada país. "O serviço militar obrigatório deve ser inicialmente abordado como uma proposta de cultura de segurança e defesa opcional, e só se tornar obrigatório quando o contexto o justificar", recomenda.
A reintrodução do serviço militar, seja na Europa ou na América Latina, enfrenta obstáculos significativos. Em Espanha, a falta de consenso político pode travar a sua aceitação. Na América Latina, os constrangimentos económicos e as prioridades locais variam muito, dificultando uma implementação comum. No entanto, a proposta de Gazapo e o exemplo da Polónia sugerem que um serviço militar modernizado poderia ser um instrumento valioso para reforçar a segurança dos cidadãos e estar preparado para crises de natureza diversa.