Desde a eclosão da guerra russo-ucraniana em fevereiro de 2022, os países da região do Médio Oriente e Norte de África (MENA) têm reagido de forma diferente às repercussões do conflito, influenciados por fatores políticos, económicos e de segurança.
Três anos após o início da guerra na Ucrânia, qual tem sido a política da Turquia, do Irão, da Arábia Saudita, do Catar, da Síria, do Egito, da Líbia, da Argélia e de Marrocos?
Turquia: o fio da mediação e as cordas dos interesses
Desde o início dos acontecimentos, a Turquia procurou desempenhar o papel de mediador no conflito, tirando partido das suas boas relações com a Rússia e a Ucrânia. Foi anfitriã de conversações de paz em Istambul e, juntamente com as Nações Unidas, mediou a Iniciativa dos Cereais do Mar Negro, que ajudou a aliviar a crise alimentar mundial.
Embora condenando a invasão russa, Ancara absteve-se de impor sanções a Moscovo, reforçando os seus laços comerciais e económicos com a Rússia. O comércio entre os dois países cresceu significativamente durante o conflito, tendo o presidente Recep Tayyip Erdogan sublinhado o seu empenhamento em aumentar as trocas bilaterais.
Por outro lado, a Turquia forneceu à Ucrânia drones Bayraktar, produzidos pela empresa turca Baykar. Desde o início dos acontecimentos, a Ucrânia tem utilizado esta arma contra os separatistas apoiados pela Rússia no Donbass e contra as forças russas. Vídeos documentaram a eficácia destas aeronaves na destruição de tanques e sistemas de defesa aérea russos. Numa tentativa de reforçar as suas capacidades de defesa, em junho de 2023, a Ucrânia anunciou planos para construir uma fábrica para produzir aviões Bayraktar no seu território, em cooperação com a empresa turca Baykar.
No entanto, a Turquia continuou a tentar ter um papel equilibrado na crise, sem se envolver numa escalada descontrolada em relação a qualquer um dos países, manifestando sempre a sua disponibilidade para a mediação.
Numa altura em que o presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, lançou uma nova iniciativa para pôr termo à guerra na Ucrânia, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, sublinhou que os esforços dos EUA estão em sintonia com os esforços de Ancara. Erdogan afirmou ainda que a Turquia tem estado ao lado da Ucrânia desde a anexação da Crimeia pela Rússia e que está a trabalhar para encontrar uma solução pacífica para a guerra.
Irão: entre a neutralidade declarada e uma parceria mais profunda
A diplomacia iraniana é inflexível ao declarar que não faz alianças neste conflito, afirmando que não apoia a invasão russa do território ucraniano. Ao mesmo tempo, está a desenvolver de forma constante as suas relações com a Rússia, como parte de uma estratégia que vê a expansão da NATO para leste como uma ameaça à segurança regional.
Nos últimos anos, durante a crise ucraniana, as relações entre Teerão e Moscovo reforçaram-se em várias áreas, incluindo a cooperação militar e técnica, culminando com a doAcordo de Parceria Estratégica Global (CSPA) em janeiro de 2025.
Além disso, o Irão tem sido continuamente acusado pelo Ocidente de fornecer à Rússiamísseis balísticos, o que Teerão tem negado, e drones Shahid, que apareceram no campo de operações com as forças russas sob o nome de "Giran". Desenvolvidos na Rússia, são eficazes no terreno e a Ucrânia tem anunciado repetidamente que alguns deles foram abatidos no teatro de operações.
No final, o Irão mantém uma posição oficial apartidária neste conflito, mas, na realidade, desenvolve cada vez mais relações com Moscovo que não são comparáveis às que mantém com Kiev.
Arábia Saudita e Catar: primeiro a energia, depois o equilíbrio
Tanto a Arábia Saudita como o Cataradotaram posições relativamente neutras em relação à guerra russo-ucraniana, sublinhando a necessidade de resolver o conflito por meios diplomáticos. Os dois países evitaram tomar partido, a fim de preservar os seus interesses económicos e estratégicos, tanto com a Rússia como com os países ocidentais, e, embora sublinhando o respeito pelo direito internacional e pela soberania dos Estados, evitaram emitir declarações incisivas ou escalar posições, o que lhes permitiu manter canais de comunicação abertos com Moscovo e Kiev.
Ambos os países beneficiaram do aumento dos preços da energia em consequência da crise, o que levou a um aumento significativo das receitas provenientes das exportações de petróleo e gás.
Para a Arábia Saudita, este aumento impulsionou a sua economia e apoiou os seus planos de desenvolvimento, como a Visão 2030, que tem como objetivo diversificar as fontes de rendimento nacional. Permitiu-lhe igualmente reforçar os seus investimentos estrangeiros e aumentar as suas reservas financeiras.
Apesar da contínua pressão ocidental para aumentar a produção de petróleo a fim de compensar a escassez russa nos mercados mundiais, a Arábia Saudita comprometeu-se a respeitar os acordos OPEP+ que celebrou com a Rússia e outros países para manter a estabilidade do mercado e dos preços. Riade tem repetidamente sublinhado que as suas decisões em matéria de petróleo se baseiam em considerações puramente económicas e não políticas, salientando a necessidade de manter o equilíbrio entre a oferta e a procura nos mercados mundiais.
A política saudita em relação à crise ucraniana levou a que o Reino desempenhasse um papel proeminente ao acolher as primeiras reuniões de alto nível entre russos e americanosem Riade, na terceira semana de fevereiro de 2025, num esforço para contribuir para encontrar uma solução política para a crise e expandir a sua presença diplomática e cooperação com as duas grandes potências, impulsionada pelas boas relações com a Rússia e pelo novo impulso americano após o regresso de Donald Trump à Casa Branca.
Por seu lado, o Catar manifestou a sua vontade de fornecer à Europa gás natural liquefeito a longo prazo, especialmente numa altura em que os países europeus procuram afastar-se da dependência do gás russo. No entanto, Doha deixou claro que o aumento das suas exportações para a Europa exigirá enormes investimentos em infraestruturas, incluindo a construção de novas instalações de liquefação e a expansão das capacidades de produção. O Catar tem também mantido fortes laços com a Rússianosetor da energia, sendo parceiro em grandes projetos de gás, como o projeto Yamal no Ártico.
Síria: o lado da Rússia e depois uma mudança radical
Desde o início do conflito na Ucrânia, o governo sírio de Bashar al-Assad apoiou abertamente a posição russa, sublinhando a sua estreita parceria estratégica com Moscovo. Declarou o seu apoio às ações da Rússia, argumentando que Moscovo estava a contrariar as tentativas do Ocidente de impor a sua hegemonia na arena internacional. Este apoio resulta dos fortes laços históricos entre os dois países, que se aprofundaram consideravelmente desde a intervenção militar da Rússia na Síria, em 2015, para salvar o regime de Assad do colapso durante a guerra civil.
No decurso da guerra, Damasco assumiu posições políticas de apoio a Moscovo nos fóruns internacionais, nomeadamente votando contra as resoluções de condenação da invasão russa nas Nações Unidas. Também apoiou a posição russa de que a expansão da NATO para leste constituía uma ameaça à segurança regional e internacional. Na frente diplomática, a Síriasecundou a narrativa russa sobre a guerra da Ucrânia através dos meios de comunicação oficiais, argumentando que o conflito era o resultado de políticas ocidentais hostis em relação a Moscovo.
Com a queda do regime de Assad no início de dezembro de 2024 e com Ahmad al-Sharaa a assumir a liderança do país, Damasco não deu qualquer sinal de apoio à Rússia na sua guerra na Ucrânia, mas a nova liderança síria declarou que queria boas relações com a Rússia e manteve a presença russa em duas bases na região costeira síria.
Egito: equilíbrio entre neutralidade e interesses
O Egito caracterizou-se por um delicado equilíbrio na forma como lidou com a guerra russo-ucraniana: apoiou as resoluções da ONU que condenavam a invasão russa, mas absteve-se de tomar medidas que pudessem afetar a sua relação estratégica com Moscovo. Esta atitude comedida deveu-se à posição económica sensível do Egito, que depende fortemente das importações de trigo da Rússia e da Ucrânia, o que o torna vulnerável às repercussões do conflito na segurança alimentar.
Com a escalada dos preços mundiais do trigo, o Egito diversificou rapidamente as suas fontes de importação, recorrendo a países como a Índia, a França e a Roménia para garantir a estabilidade do seu abastecimento alimentar. Simultaneamente, reforçou as suas relações comerciais com a Rússia, tendo as trocas entre os dois países registado um crescimento sem precedentes, especialmente nos domínios da energia e dos cereais, o que demonstra a eficácia da diplomacia no equilíbrio entre os interesses económicos e políticos.
A nível político, o Egito tem mantido fortes laços com a Rússia, impulsionados por interesses estratégicos que incluem a cooperação em megaprojetos como a central nuclear de Dabaa e os negócios de armamento. Apesar desta proximidade, o Egito não deixou de aprofundar as suas relações com o Ocidente, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia.
Líbia: dividida e frágil
A Líbia registou uma divergência acentuada nas suas atitudes em relação à guerra, em resultado da forte divisão política entre os governos oriental e ocidental. O governo oriental, liderado por Khalifa Haftar, manteve laços estreitos com a Rússia, aproveitando o apoio militar e político que recebeu de Moscovo durante o conflito interno, enquanto o governo de Tripoli adotou uma posição mais neutra, tentando evitar uma escalada internacional.
A Rússia procurou estabelecer a sua presença através do Grupo Wagner, que mais tarde se tornou o Corpo Africano, enquanto a Turquia intensificou o seu apoio ao governo de Tripoli.
Do ponto de vista económico, as exportações de petróleo da Líbia foram afetadas pelas flutuações dos preços mundiais em consequência da crise ucraniana, causando interrupções na produção e o encerramento de algumasinstalações petrolíferas devido a conflitos internos. A subida dos preços da energia também aumentou a concorrência entre as potências internacionais pelos contratos petrolíferos líbios, aprofundando as intervenções estrangeiras. De um modo geral, a crise ucraniana refletiu a fragilidade da situação política na Líbia, com o país a tornar-se uma arena para a concorrência internacional.
Argélia: parceria com a Rússia sem hostilidade em relação à Ucrânia
A Argélia tem mantido laços estreitos com a Rússia, com base numa parceria estratégica histórica que inclui a cooperação nos domínios da defesa e da energia. Apesar das pressões ocidentais para condenar a invasão russa da Ucrânia, a Argélia tem mantido uma posição neutral, sublinhando o seu direito de preservar os seus interesses soberanos. A Rússia é o maior fornecedor de armas da Argélia, sendo que as forças armadas argelinas dependem fortemente da tecnologia militar russa, o que reforça ainda mais a profundidade da aliança estratégica entre os dois países.
A Argélia também beneficiou do aumento dos preços da energia em resultado da crise ucraniana, que apoiou a sua economia e aumentou as suas reservas de tesouraria. Com a crescente procura europeia de gás como alternativa à energia russa, a Argélia utilizou o gás como forma de pressão diplomática, expandindo as suas exportações para Itália e Espanha, capitalizando a sua posição geopolítica como fornecedor fiável de energia.
Marrocos: neutralidade diplomática e ganhos económicos
O Reino de Marrocos assumiu uma posição cautelosa em relação à guerra na Ucrânia, apelando à necessidade de respeitar o direito internacional e a soberania dos Estados, sem tomar explicitamente partido, o que lhe permitiu manter relações flexíveis tanto com Moscovo como com o Ocidente.
À medida que as cadeias de abastecimento globais são remodeladas, Marrocos aproveitou as oportunidades económicas emergentes para reforçar as suas parcerias estratégicas com os países ocidentais, reforçando a sua posição como um centro de comércio e investimento no Norte de África.
Num contexto mais amplo, as posições dos países da região sobre a guerra russo-ucraniana refletiram uma clara divergência, uma vez que cada país foi influenciado pelos seus interesses nacionais e pela complexidade das suas relações internacionais. Apesar da crescente pressão global para que tomassem posições claras, a maioria destes países estava interessada em manter um equilíbrio delicado entre os seus interesses económicos e as suas estratégias de segurança.
A maioria dos países da região preferiu apelar para soluções diplomáticas de modo a pôr termo ao conflito e limitar as suas repercussões na estabilidade regional e internacional.