Decisores políticos, líderes da sociedade civil e organizações internacionais reuniram-se na capital belga para refletir sobre os progressos e desafios da agenda Mulheres, Paz e Segurança, implementada há 25 anos.
No meio de uma crescente repressão dos direitos das mulheres em alguns países e de um retrocesso geral das políticas de género, barreiras institucionais e sociais continuam a impedir as mulheres de participarem em pé de igualdade nos processos de paz e segurança.
Mas não há paz ou segurança sem mulheres, uma afirmação que as Nações Unidas têm vindo a sublinhar ao longo do último quarto de século.
"Sabemos que, quando as mulheres a exigem, a paz acontece. Quando as mulheres a exigem, a paz é mantida", afirmou Nyaradzayi Gumbonzvanda, diretora-adjunta da ONU Mulheres, num evento coorganizado em Bruxelas, na quarta-feira.
Decisores políticos, líderes da sociedade civil e organizações internacionais reuniram-se na capital belga para refletir sobre os progressos e os desafios da agenda Mulheres, Paz e Segurança (WPS), implementada há 25 anos.
Em 31 de outubro de 2000, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou a Resolução 1325, uma lei histórica que reconhecia o impacto desproporcional dos conflitos armados sobre as mulheres e as raparigas e apelava à participação equitativa das mulheres na prevenção e resolução das guerras e dos processos de paz.
A resolução lançou as bases do programa Mulheres, Paz e Segurança, um modelo que procura institucionalizar os objetivos estabelecidos há 25 anos.
Este aniversário coincide com o 30.º aniversário da Plataforma de Ação de Pequim, que lançou as bases para a agenda Mulheres, Paz e Segurança cinco anos antes.
Embora se tenham verificado alguns êxitos nas últimas duas décadas, os participantes afirmaram que ainda não foi feito o suficiente para implementar e atualizar plenamente os objectivos da agenda.
"O compromisso no papel não é suficiente, temos de o transformar em ações visíveis, mensuráveis e inclusivas", afirmou a ministra da Igualdade da Polónia, Katarzyna Kotula, durante o discurso de abertura.
O aniversário deste ano tem lugar num espaço geopolítico cada vez mais complexo e fraturado e num cenário de segurança em mutação, marcado pela desinformação e pela guerra híbrida.
"Os conflitos já não estão limitados pelas fronteiras", afirmou Kotula, alertando para as ameaças colocadas pela manipulação da informação e pela ciberviolência.
As mulheres no centro das conversações de paz sustentáveis
"As mulheres trazem para a mesa as experiências que viveram", disse Gumbonzvanda à Euronews.
"Também vêm como especialistas capazes de contribuir para as soluções", acrescentou, referindo que, com base em anos de trabalho da ONU Mulheres, tornou-se claro que as conversações de paz que incluem as mulheres tendem a ser mais sustentáveis.
A diretora-adjunta da ONU Mulheres baseou-se na própria experiência - nasceu durante a Guerra de Independência do Zimbabué (1964-1979) - para sublinhar o importante papel que as mulheres desempenharam durante esse período.
"Quando começam a surgir os primeiros sinais de alerta, as mulheres cuidam umas das outras e lutam para fazer parte das soluções", explicou.
As organizações locais lideradas por mulheres estiveram no centro do debate de quarta-feira. "Não se trata apenas das mulheres que nos níveis superiores, mas também as que estão no terreno", salientou um membro do .
No entanto, continuam a existir várias barreiras que impedem as mulheres de usarem todo o potencial nos processos de paz e segurança.
A falta de financiamento e de recursos adequados para as organizações lideradas por mulheres foi identificada e unanimemente aceite como um obstáculo fundamental.
Dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) revelaram que a ajuda internacional em 2024 diminuiu 7,1 % em relação ao ano anterior.
Segundo a OCDE, esta foi a primeira queda registada após cinco anos de crescimento consecutivo.
No início deste mês, a ONU Mulheres alertou para o facto de os cortes na ajuda global poderem obrigar ao encerramento das organizações que ajudam as mulheres em crise.
De acordo um relatório da ONU Mulheres, 90% das 411 organizações lideradas por mulheres e de defesa dos direitos das mulheres inquiridas afirmaram ter sido afetadas pelos cortes na ajuda.
O relatório prevê ainda que metade destas organizações possa ter de encerrar as atividades dentro de seis meses, caso os atuais níveis de financiamento se mantenham.
"O financiamento de iniciativas comunitárias e lideradas por mulheres como parte da agenda Mulheres, Paz e Segurança é um imperativo, não é uma escolha", disse Gumbonzvanda à Euronews.
Kotula disse à Euronews que o Escudo Europeu da Democracia, uma comissão especial europeia criada para responder aos novos desafios geopolíticos, deve incorporar o financiamento das organizações de mulheres.
Sublinhou também o papel que a sociedade civil e as organizações de mulheres desempenharam quando a União Europeia foi atingida por crises sucessivas, desde a pandemia da covid-19 até à invasão da Ucrânia pela Rússia, que desencadeou uma grande crise de refugiados.
"A sociedade civil e as organizações de mulheres foram as primeiras a chegar. Por isso, uma das razões pelas quais precisamos de financiamento é porque sabemos que aram no teste quando se tratou de lidar com crises e sabemos que podemos contar com elas", afirmou Kotula.
A ministra polaca da Igualdade itiu que o tema da igualdade e da violência de género foi empurrado para debaixo do tapete durante demasiado tempo, mas garantiu estar a trabalhar para incorporar as duas questões no novo plano de ação nacional da Polónia.
"A Polónia enfrentou um retrocesso durante muitos anos, depois ganhámos as eleições e abrimos um pouco a janela", afirmou Kotula.
Kotula referiu-se ao ano ado, quando a definição de violação foi alterada na legislação polaca, e acrescentou que espera agora utilizar esta "janela de oportunidade" para combater a violência baseada no género.
Despesas militares versus defesa social
Em 2024, a despesa militar mundial registou o maior aumento anual desde o fim da Guerra Fria, segundo um estudo do Instituto Internacional de Investigação da Paz de Estocolmo (SIPRI).
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, e a incerteza da segurança europeia durante o mandato do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, levaram o continente a repensar a sua capacidade de defesa.
Como resultado, todos os países europeus, com exceção de Malta, aumentaram as despesas militares em 2024.
No entanto, Sanam Naraghi-Anderlini, fundadora e diretora executiva da Rede Internacional de Ação da Sociedade Civil (ICAN), argumentou que mudar o foco para o aumento da militarização prejudica o poder da defesa social.
"Estamos a reduzir a nossa própria segurança em nome de uma segurança militarizada", disse Naraghi-Anderlini à Euronews.
Naraghi-Anderlini, que também apresenta do podcast "If You Were in Charge", afirma que as mulheres adotam uma abordagem radicalmente diferente na resolução de conflitos. Em contraste com os conflitos armados, as mulheres têm "um compromisso radical com a não-violência".
"Sentar, falar e não disparar, é a força motriz", afirmou.
Naraghi-Anderlini disse que as mulheres construtoras da paz têm a capacidade de "desarmar intelectualmente, mentalmente e emocionalmente".
Naraghi-Anderlini disse ainda que, como resultado, as mulheres são muitas vezes estereotipadas como sensíveis, mas na realidade essa é uma qualidade muito poderosa quando nas negociações de paz, onde muitas vezes há "desconfiança, medo existencial, raiva e trauma".
Durante o discurso de abertura, Naraghi-Anderlini descreveu a forma como a sua organização apoiou com êxito comunidades locais com 11 milhões de dólares (9,75 milhões de euros), sublinhando que o impacto significativo conseguido com "apenas uma fração do custo do armamento e do equipamento militar".
"Este tipo de trabalho de construção da paz é, de facto, bastante barato e muito importante. Por isso, se desaparecer, estamos a desperdiçar investimento e bom trabalho", disse à Euronews.
"O conflito é natural, mas o uso da violência é uma escolha", afirmou Naraghi-Anderlini.
"E, no entanto, fazem parecer que a violência é inevitável, como se a guerra fosse inevitável porque beneficia a indústria do armamento".