{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/2024/12/09/siria-numa-encruzilhada-que-destino-espera-o-pais-e-quem-ganhara-e-perdera-com-a-queda-de-" }, "headline": "S\u00edria numa encruzilhada: que destino espera o pa\u00eds e quem ganhar\u00e1 e perder\u00e1 com a queda de Assad?", "description": "Com os m\u00faltiplos grupos armados que assumiram o controlo do governo s\u00edrio, as suas diferentes agendas ideol\u00f3gicas e a depend\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o a pot\u00eancias regionais e internacionais, as perspetivas permanecem nebulosas, se n\u00e3o pessimistas, quanto \u00e0 possibilidade de uma transi\u00e7\u00e3o pac\u00edfica do poder.", "articleBody": "Perante o cen\u00e1rio dram\u00e1tico que se vive na S\u00edria e a acelera\u00e7\u00e3o dos acontecimentos em poucos dias, parece que o pa\u00eds est\u00e1 prestes a entrar numa fase amb\u00edgua e aberta a todas as possibilidades. Quem olha para o mapa do pa\u00eds, da regi\u00e3o ou mesmo al\u00e9m dela, v\u00ea-se confrontado com v\u00e1rios pontos de interroga\u00e7\u00e3o que podem n\u00e3o ter resposta num futuro pr\u00f3ximo.Quem governar\u00e1 o pa\u00eds, o que acontecer\u00e1 com os aliados de Assad em Teer\u00e3o, Beirute e Moscovo, mas tamb\u00e9m com os seus inimigos mais ferozes, e que destino pode esperar a S\u00edria depois de Assad?L\u00edbanoO L\u00edbano, o ponto fraco da S\u00edria, est\u00e1 preocupado com os pr\u00f3prios problemas internos, com a devastadora guerra israelita que custou a vida a cerca de 4.000 pessoas e com o Hezbollah, antigo aliado de Assad, exausto pela guerra que travou contra Telavive e que terminou com o an\u00fancio de um fr\u00e1gil cessar-fogo de 60 dias. O qual, ali\u00e1s, tem vindo a assistir a viola\u00e7\u00f5es di\u00e1rias do lado israelita que, at\u00e9 agora, resultaram em destrui\u00e7\u00e3o e em mortos e feridos, mesmo entre as fileiras do ex\u00e9rcito liban\u00eas, que \u00e9 respons\u00e1vel por supervisionar o respeito pelo cessar-fogo.Com a mudan\u00e7a do panorama pol\u00edtico em Damasco, a linha de abastecimento do Ir\u00e3o ao Hezbollah atrav\u00e9s da S\u00edria ser\u00e1 cortada ou, na melhor das hip\u00f3teses, n\u00e3o ser\u00e1 f\u00e1cil. A S\u00edria deixar\u00e1 de ser o \u0022quintal\u0022 do Hezbollah, que foi crucial para o restabelecimento do controlo de Assad na sua guerra contra os grupos armados da oposi\u00e7\u00e3o, depois de ter intervindo no conflito em 2013. Tudo sob o pretexto de proteger o territ\u00f3rio liban\u00eas dos ataques destes grupos, bem como de proteger o santu\u00e1rio da cidade de Sayyida Zainab nos arredores de Damasco, que tem um estatuto especial entre os mu\u00e7ulmanos xiitas e que, se fosse comprometido, poderia ter provocado mais tens\u00f5es sect\u00e1rias e rivalidades entre sunitas e xiitas.TurquiaA Turquia tentou distanciar-se dos avan\u00e7os espetaculares dos grupos armados nos \u00faltimos dias e sublinhou que n\u00e3o est\u00e1 envolvida na opera\u00e7\u00e3o. Isto apesar do apoio que tem dado \u00e0 oposi\u00e7\u00e3o desde o in\u00edcio da revolta contra o regime de Assad, abrindo as suas fronteiras aos deslocados s\u00edrios e tendo apelado, na altura, \u00e0 sa\u00edda do presidente Recep Tayyip Erdogan. Ancara tamb\u00e9m acolheu figuras da oposi\u00e7\u00e3o e deu apoio ao Ex\u00e9rcito Nacional S\u00edrio. Ser\u00e1 que podemos esperar uma solu\u00e7\u00e3o para o dilema dos cerca de tr\u00eas milh\u00f5es de refugiados s\u00edrios na Turquia se a seguran\u00e7a for restabelecida na S\u00edria e se o pa\u00eds evitar entrar num novo ciclo de caos?IsraelIsrael ocupou os Montes Gol\u00e3 durante mais de 57 anos antes de anunciar a sua anexa\u00e7\u00e3o, que Washington reconheceu durante a anterior istra\u00e7\u00e3o de Donald Trump, apesar das claras resolu\u00e7\u00f5es internacionais que consideram os Montes Gol\u00e3 um territ\u00f3rio ocupado. Telavive est\u00e1 a acompanhar de perto o que se a na S\u00edria, entre acusa\u00e7\u00f5es de grupos armados de que a sua recente a\u00e7\u00e3o serve tamb\u00e9m os interesses israelitas e surge na sequ\u00eancia da amea\u00e7a do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu ao presidente Assad, h\u00e1 duas semanas.H\u00e1 dois dias, o Estado hebreu mobilizou as for\u00e7as a\u00e9reas e terrestres no Gol\u00e3 s\u00edrio ocupado, em antecipa\u00e7\u00e3o a qualquer emerg\u00eancia. Mas, seja como for, a queda do regime serve os interesses de Israel, sobretudo se surgir um regime virado para dentro e preocupado com os seus problemas internos e que n\u00e3o reivindique o seu direito a reclamar os montes Gol\u00e3 ou a chegar \u00e0s margens do lago Tiber\u00edades.O Ir\u00e3oQuanto ao Ir\u00e3o, perdeu um aliado importante e vital na regi\u00e3o \u00e1rabe, quase o \u00fanico \u00e0 exce\u00e7\u00e3o do Iraque. A hist\u00f3ria das rela\u00e7\u00f5es entre os dois pa\u00edses remonta a muitos anos antes da chegada de Assad j\u00fanior ao poder. Os interesses convergiam entre um regime isl\u00e2mico que emergiu da revolu\u00e7\u00e3o liderada por Khomeini, que derrubou o X\u00e1 em 1979, e um regime nacionalista secular liderado pelo Partido Baath, chefiado por Assad. Na altura, Hafez al-Assad apoiou Teer\u00e3o na sua guerra contra o Iraque na d\u00e9cada de 1980, tendo-se unido na sua hostilidade contra o regime do falecido presidente Saddam Hussein e na rivalidade com Washington, que apoiava militarmente o Iraque na guerra de oito anos contra o Ir\u00e3o. Este apoio continuou sob o governo do seu filho, especialmente durante a guerra civil, e n\u00e3o podemos esquecer o papel do comandante da For\u00e7a Quds, o general Qassem Soleimani - morto num ataque dos EUA em Bagdade no in\u00edcio de 2020 -, na preven\u00e7\u00e3o da queda do regime e na gest\u00e3o das opera\u00e7\u00f5es militares em Alepo em 2015. Local onde, ele pr\u00f3prio, liderou a batalha para quebrar o cerco \u00e0 maior cidade da S\u00edria e \u00e0 capital econ\u00f3mica do pa\u00eds, sendo ent\u00e3o chamado pela oposi\u00e7\u00e3o de \u0022Carniceiro de Alepo\u0022.Teer\u00e3o est\u00e1 a perder o seu aliado em Damasco e \u00e9 o maior perdedor na regi\u00e3o, mas parece estar a adotar uma posi\u00e7\u00e3o cautelosa em rela\u00e7\u00e3o aos recentes acontecimentos, o que se reflete nas recentes declara\u00e7\u00f5es t\u00edmidas e ponderadas sobre a situa\u00e7\u00e3o na S\u00edria. Est\u00e1 tamb\u00e9m preocupado com outros desafios e quest\u00f5es, nomeadamente a hostilidade crescente entre o pa\u00eds e Israel e os Estados Unidos, que se encontram no limiar de uma nova istra\u00e7\u00e3o liderada pelo presidente eleito republicano, Donald Trump. Com o dossier nuclear por resolver e com as san\u00e7\u00f5es norte-americanas e internacionais ainda no panorama, a Rep\u00fablica Isl\u00e2mica est\u00e1 apreensiva quanto \u00e0 pr\u00f3xima etapa, sobretudo com a nomea\u00e7\u00e3o, por parte de Trump, do diplomata veterano Brian Hook, conhecido pelas suas posi\u00e7\u00f5es duras em rela\u00e7\u00e3o a Teer\u00e3o desde a era do presidente George W. Bush, para o cargo de enviado especial respons\u00e1vel pelo dossier iraniano.R\u00fassiaA R\u00fassia continua a ser um dos principais intervenientes no que se a na S\u00edria e a sa\u00edda do aliado Bashar al-Assad seria um rude golpe para Moscovo, que tem instala\u00e7\u00f5es militares neste pa\u00eds. As mais importantes s\u00e3o a base a\u00e9rea de Hmeimim, situada a sudeste da cidade de Latakia, e a base naval de Tartus, que deu \u00e0 R\u00fassia o \u00e0s \u00e1guas do Mediterr\u00e2neo a partir da sua margem oriental, o que serve os seus interesses na regi\u00e3o e tamb\u00e9m em \u00c1frica.A R\u00fassia de Putin tem prestado um apoio militar significativo ao regime desde 2015, com menos de 4.000 soldados no pa\u00eds. Este apoio, sob a bandeira da luta contra o Estado Isl\u00e2mico e os grupos extremistas, tem sido crucial para manter o regime de Bashar al-Assad.A queda do regime significaria que Moscovo deixaria de ter um ponto de apoio na S\u00edria, dada a profunda hostilidade dos grupos armados. Do ponto de vista geoestrat\u00e9gico, seria um rude golpe para o presidente Vladimir Putin, que trava uma guerra na Ucr\u00e2nia h\u00e1 quase tr\u00eas anos. Estes desenvolvimentos podem ser um fator de resolu\u00e7\u00e3o da quest\u00e3o ucraniana e influenciar o conflito entre a NATO e os pa\u00edses ocidentais, por um lado, e a R\u00fassia, por outro.Que futuro para Damasco?Agora que os grupos armados liderados pelo grupo militante Hayat Tahrir al-Sham (antigo al-Nusra) assumiram o controlo do governo na S\u00edria, e com as diferentes agendas ideol\u00f3gicas destes grupos e a associa\u00e7\u00e3o de alguns deles a pot\u00eancias regionais e internacionais, o cen\u00e1rio permanece nebuloso, se n\u00e3o mesmo sombrio.Ningu\u00e9m pode afirmar com certeza que o pa\u00eds n\u00e3o ser\u00e1 dividido e que n\u00e3o haver\u00e1 uma transi\u00e7\u00e3o democr\u00e1tica do poder. Ser\u00e1 que a S\u00edria vai evitar um destino semelhante ao da L\u00edbia, desde a sua revolta contra o regime de Kadhafi, a 17 de fevereiro de 2011?H\u00e1 anos que o pa\u00eds est\u00e1 dividido entre um governo internacionalmente reconhecido, sediado em Tripoli, a oeste, e um governo a leste, liderado pelo homem forte da L\u00edbia, o marechal Khalifa Haftar, num contexto de polariza\u00e7\u00e3o regional e internacional. Todas as tentativas para sarar o fosso entre os \u0022irm\u00e3os desavindos\u0022 e p\u00f4r fim \u00e0 rivalidade que resultou em centenas de mortos e na imposi\u00e7\u00e3o de dois governos, dois bancos centrais, for\u00e7as armadas e mil\u00edcias, infraestruturas degradadas e uma economia em colapso, apesar da vasta riqueza petrol\u00edfera do pa\u00eds.Outro receio \u00e9 o cen\u00e1rio que se tem registado no Afeganist\u00e3o, controlado pelos talib\u00e3s desde 15 de agosto de 2021, e a imposi\u00e7\u00e3o de um regime isl\u00e2mico de linha dura ap\u00f3s a retirada dos EUA e de outras for\u00e7as internacionais.E se o Hayat Tahrir al-Sham, ponta de lan\u00e7a no derrube do regime de Assad, assumir o controlo dos mecanismos do governo num pa\u00eds multiconfessional e multi\u00e9tnico, povoado por curdos, alau\u00edtas, drusos, xiitas e sunitas? Isto para al\u00e9m dos crist\u00e3os que fazem parte integrante do tecido demogr\u00e1fico da S\u00edria, uma vez que os seus anteados foram os primeiros a abra\u00e7ar esta religi\u00e3o e a seguir os ensinamentos de Jesus. A antiga cidade de Maaloula, situada a 50 quil\u00f3metros da capital Damasco, \u00e9 a mais antiga cidade crist\u00e3 da S\u00edria e os seus habitantes ainda falam aramaico, a l\u00edngua de Jesus.Ser\u00e1 que estes receios v\u00e3o ser desmentidos pela realidade e que vai haver uma transfer\u00eancia de poder pac\u00edfica, em que o pa\u00eds vai sarar as feridas da guerra civil e virar a p\u00e1gina de 54 anos de regime totalit\u00e1rio?", "dateCreated": "2024-12-09T12:48:31+01:00", "dateModified": "2024-12-09T13:43:47+01:00", "datePublished": "2024-12-09T13:43:47+01:00", "image": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2Fstories%2F08%2F89%2F73%2F18%2F1440x810_cmsv2_67cae6d5-c130-5e71-92f2-30748221f950-8897318.jpg", "width": "1440px", "height": "810px", "caption": "Soldados do ex\u00e9rcito s\u00edrio capturados por grupos armados na estrada Homs-Damasco", "thumbnail": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2Fstories%2F08%2F89%2F73%2F18%2F432x243_cmsv2_67cae6d5-c130-5e71-92f2-30748221f950-8897318.jpg", "publisher": { "@type": "Organization", "name": "euronews", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png" } }, "author": { "@type": "Person", "name": "Samia Mekki" }, "publisher": { "@type": "Organization", "name": "Euronews", "legalName": "Euronews", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png", "width": "403px", "height": "60px" }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] }, "articleSection": [ "Mundo" ], "isAccessibleForFree": "False", "hasPart": { "@type": "WebPageElement", "isAccessibleForFree": "False", "cssSelector": ".poool-content" } }, { "@type": "WebSite", "name": "Euronews.com", "url": "/", "potentialAction": { "@type": "SearchAction", "target": "/search?query={search_term_string}", "query-input": "required name=search_term_string" }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] } ] }
PUBLICIDADE

Síria numa encruzilhada: que destino espera o país e quem ganhará e perderá com a queda de Assad?

Soldados do exército sírio capturados por grupos armados na estrada Homs-Damasco
Soldados do exército sírio capturados por grupos armados na estrada Homs-Damasco Direitos de autor AP /Ghaith Alsayed
Direitos de autor AP /Ghaith Alsayed
De Samia Mekki
Publicado a
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button

Com os múltiplos grupos armados que assumiram o controlo do governo sírio, as suas diferentes agendas ideológicas e a dependência em relação a potências regionais e internacionais, as perspetivas permanecem nebulosas, se não pessimistas, quanto à possibilidade de uma transição pacífica do poder.

PUBLICIDADE

Perante o cenário dramático que se vive na Síria e a aceleração dos acontecimentos em poucos dias, parece que o país está prestes a entrar numa fase ambígua e aberta a todas as possibilidades.

Quem olha para o mapa do país, da região ou mesmo além dela, vê-se confrontado com vários pontos de interrogação que podem não ter resposta num futuro próximo.

Quem governará o país, o que acontecerá com os aliados de Assad em Teerão, Beirute e Moscovo, mas também com os seus inimigos mais ferozes, e que destino pode esperar a Síria depois de Assad?

Líbano

O Líbano, o ponto fraco da Síria, está preocupado com os próprios problemas internos, com a devastadora guerra israelita que custou a vida a cerca de 4.000 pessoas e com o Hezbollah, antigo aliado de Assad, exausto pela guerra que travou contra Telavive e que terminou com o anúncio de um frágil cessar-fogo de 60 dias. O qual, aliás, tem vindo a assistir a violações diárias do lado israelita que, até agora, resultaram em destruição e em mortos e feridos, mesmo entre as fileiras do exército libanês, que é responsável por supervisionar o respeito pelo cessar-fogo.

Com a mudança do panorama político em Damasco, a linha de abastecimento do Irão ao Hezbollah através da Síria será cortada ou, na melhor das hipóteses, não será fácil. A Síria deixará de ser o "quintal" do Hezbollah, que foi crucial para o restabelecimento do controlo de Assad na sua guerra contra os grupos armados da oposição, depois de ter intervindo no conflito em 2013. Tudo sob o pretexto de proteger o território libanês dos ataques destes grupos, bem como de proteger o santuário da cidade de Sayyida Zainab nos arredores de Damasco, que tem um estatuto especial entre os muçulmanos xiitas e que, se fosse comprometido, poderia ter provocado mais tensões sectárias e rivalidades entre sunitas e xiitas.

Turquia

A Turquia tentou distanciar-se dos avanços espetaculares dos grupos armados nos últimos dias e sublinhou que não está envolvida na operação. Isto apesar do apoio que tem dado à oposição desde o início da revolta contra o regime de Assad, abrindo as suas fronteiras aos deslocados sírios e tendo apelado, na altura, à saída do presidente Recep Tayyip Erdogan. Ancara também acolheu figuras da oposição e deu apoio ao Exército Nacional Sírio. Será que podemos esperar uma solução para o dilema dos cerca de três milhões de refugiados sírios na Turquia se a segurança for restabelecida na Síria e se o país evitar entrar num novo ciclo de caos?

Israel

Israel ocupou os Montes Golã durante mais de 57 anos antes de anunciar a sua anexação, que Washington reconheceu durante a anterior istração de Donald Trump, apesar das claras resoluções internacionais que consideram os Montes Golã um território ocupado. Telavive está a acompanhar de perto o que se a na Síria, entre acusações de grupos armados de que a sua recente ação serve também os interesses israelitas e surge na sequência da ameaça do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu ao presidente Assad, há duas semanas.

Há dois dias, o Estado hebreu mobilizou as forças aéreas e terrestres no Golã sírio ocupado, em antecipação a qualquer emergência. Mas, seja como for, a queda do regime serve os interesses de Israel, sobretudo se surgir um regime virado para dentro e preocupado com os seus problemas internos e que não reivindique o seu direito a reclamar os montes Golã ou a chegar às margens do lago Tiberíades.

O Irão

Quanto ao Irão, perdeu um aliado importante e vital na região árabe, quase o único à exceção do Iraque. A história das relações entre os dois países remonta a muitos anos antes da chegada de Assad júnior ao poder. Os interesses convergiam entre um regime islâmico que emergiu da revolução liderada por Khomeini, que derrubou o Xá em 1979, e um regime nacionalista secular liderado pelo Partido Baath, chefiado por Assad.

Na altura, Hafez al-Assad apoiou Teerão na sua guerra contra o Iraque na década de 1980, tendo-se unido na sua hostilidade contra o regime do falecido presidente Saddam Hussein e na rivalidade com Washington, que apoiava militarmente o Iraque na guerra de oito anos contra o Irão.

Este apoio continuou sob o governo do seu filho, especialmente durante a guerra civil, e não podemos esquecer o papel do comandante da Força Quds, o general Qassem Soleimani - morto num ataque dos EUA em Bagdade no início de 2020 -, na prevenção da queda do regime e na gestão das operações militares em Alepo em 2015. Local onde, ele próprio, liderou a batalha para quebrar o cerco à maior cidade da Síria e à capital económica do país, sendo então chamado pela oposição de "Carniceiro de Alepo".

Teerão está a perder o seu aliado em Damasco e é o maior perdedor na região, mas parece estar a adotar uma posição cautelosa em relação aos recentes acontecimentos, o que se reflete nas recentes declarações tímidas e ponderadas sobre a situação na Síria. Está também preocupado com outros desafios e questões, nomeadamente a hostilidade crescente entre o país e Israel e os Estados Unidos, que se encontram no limiar de uma nova istração liderada pelo presidente eleito republicano, Donald Trump.

Com o dossier nuclear por resolver e com as sanções norte-americanas e internacionais ainda no panorama,a República Islâmica está apreensiva quanto à próxima etapa, sobretudo com a nomeação, por parte de Trump, do diplomata veterano Brian Hook, conhecido pelas suas posições duras em relação a Teerão desde a era do presidente George W. Bush, para o cargo de enviado especial responsável pelo dossier iraniano.

Rússia

A Rússia continua a ser um dos principais intervenientes no que se a na Síria e a saída do aliadoBashar al-Assad seria um rude golpe para Moscovo, que tem instalações militares neste país. As mais importantes são a base aérea de Hmeimim, situada a sudeste da cidade de Latakia, e a base naval de Tartus, que deu à Rússia o às águas do Mediterrâneo a partir da sua margem oriental, o que serve os seus interesses na região e também em África.

Manobras russas na Síria. 15 de fevereiro de 2022
Manobras russas na Síria. 15 de fevereiro de 2022AP/Russian Defense Ministry Press Service

A Rússia de Putin tem prestado um apoio militar significativo ao regime desde 2015, com menos de 4.000 soldados no país. Este apoio, sob a bandeira da luta contra o Estado Islâmico e os grupos extremistas, tem sido crucial para manter o regime de Bashar al-Assad.

A queda do regime significaria que Moscovo deixaria de ter um ponto de apoio na Síria, dada a profunda hostilidade dos grupos armados. Do ponto de vista geoestratégico, seria um rude golpe para o presidente Vladimir Putin, que trava uma guerra na Ucrânia há quase três anos. Estes desenvolvimentos podem ser um fator de resolução da questão ucraniana e influenciar o conflito entre a NATO e os países ocidentais, por um lado, e a Rússia, por outro.

Que futuro para Damasco?

Agora que os grupos armados liderados pelo grupo militante Hayat Tahrir al-Sham (antigo al-Nusra) assumiram o controlo do governo na Síria, e com as diferentes agendas ideológicas destes grupos e a associação de alguns deles a potências regionais e internacionais, o cenário permanece nebuloso, se não mesmo sombrio.

Ninguém pode afirmar com certeza que o país não será dividido e que não haverá uma transição democrática do poder. Será que a Síria vai evitar um destino semelhante ao da Líbia, desde a sua revolta contra o regime de Kadhafi, a 17 de fevereiro de 2011?

Atirador sírio em frente ao tribunal militar de Damasco enquanto o edifício arde em chamas
Atirador sírio em frente ao tribunal militar de Damasco enquanto o edifício arde em chamasAP /Ghaith Alsayed

Há anos que o país está dividido entre um governo internacionalmente reconhecido, sediado em Tripoli, a oeste, e um governo a leste, liderado pelo homem forte da Líbia, o marechal Khalifa Haftar, num contexto de polarização regional e internacional. Todas as tentativas para sarar o fosso entre os "irmãos desavindos" e pôr fim à rivalidade que resultou em centenas de mortos e na imposição de dois governos, dois bancos centrais, forças armadas e milícias, infraestruturas degradadas e uma economia em colapso, apesar da vasta riqueza petrolífera do país.

Outro receio é o cenário que se tem registado no Afeganistão, controlado pelos talibãs desde 15 de agosto de 2021, e a imposição de um regime islâmico de linha dura após a retirada dos EUA e de outras forças internacionais.

Homem armado da oposição entra no palácio presidencial e o regime cai. Domingo, 8 de dezembro de 2024
Homem armado da oposição entra no palácio presidencial e o regime cai. Domingo, 8 de dezembro de 2024AP Photo & AP Photo/Omar Sanadiki

E se o Hayat Tahrir al-Sham, ponta de lança no derrube do regime de Assad, assumir o controlo dos mecanismos do governo num país multiconfessional e multiétnico, povoado por curdos, alauítas, drusos, xiitas e sunitas? Isto para além dos cristãos que fazem parte integrante do tecido demográfico da Síria, uma vez que os seus anteados foram os primeiros a abraçar esta religião e a seguir os ensinamentos de Jesus. A antiga cidade de Maaloula, situada a 50 quilómetros da capital Damasco, é a mais antiga cidade cristã da Síria e os seus habitantes ainda falam aramaico, a língua de Jesus.

Será que estes receios vão ser desmentidos pela realidade e que vai haver uma transferência de poder pacífica, em que o país vai sarar as feridas da guerra civil e virar a página de 54 anos de regime totalitário?

Ir para os atalhos de ibilidade
Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

"Política de extermínio": como era a maior prisão da ditadura dos Assad

Áustria inicia programa de repatriamento dos refugiados sírios

Síria procura construir um novo futuro após o fim abrupto do domínio de 24 anos de Bashar al-Assad