O principal tribunal da ONU, em Haia, emitiu uma condenação sem precedentes e abrangente do domínio de Israel sobre as terras que capturou há 57 anos.
O principal tribunal das Nações Unidas, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), declarou na sexta-feira que a presença de Israel nos territórios ocupados palestinianos é “ilegal” e apelou à suspensão imediata da construção de colonatos, condenando o controlo de Israel sobre as terras que conquistou há 57 anos.
Num parecer não vinculativo, o TIJ citou várias políticas, incluindo a expansão dos colonatos israelitas na Cisjordânia, e em Jerusalém Oriental, a exploração dos recursos naturais, a anexação e as políticas discriminatórias contra os palestinianos, que, segundo o tribunal, todas violam o direito internacional.
O de 15 juízes afirmou que o “abuso por parte de Israel do seu estatuto de potência ocupante” torna a sua “presença no território palestiniano ocupado ilegal” e deve terminar “o mais rapidamente possível”.
Nawaf Salam, presidente do Tribunal, leu o parecer de 83 páginas, anunciando assim que Israel deve cessar imediatamente a construção de colonatos e os colonatos existentes devem ser desmantelados.
Israel, que considera frequentemente as Nações Unidas e os tribunais internacionais como tendenciosos, não enviou uma equipa jurídica às audiências. No entanto, apresentou comentários por escrito, argumentando que as questões colocadas ao Tribunal eram preconceituosas e não tinham em conta as preocupações de segurança de Israel.
Representantes israelitas afirmaram também que o envolvimento do Tribunal poderia prejudicar o processo de paz, estagnado há mais de uma década.
Em resposta à decisão, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, reiterou que a Cisjordânia e Jerusalém Oriental fazem parte da “pátria” histórica do povo judeu.
Na publicação na rede social X pode ler-se: “O povo judeu não é um ocupante na sua própria terra, incluindo na nossa capital eterna, Jerusalém, nem na Judeia e Samaria, a nossa pátria histórica. Nenhuma opinião absurda em Haia pode negar esta verdade histórica ou o direito legal dos israelitas a viverem nas suas próprias comunidades, na nossa pátria ancestral."
O Presidente do Tribunal rejeitou que a decisão do tribunal fosse uma distorção da verdade histórica e argumentou que a legalidade dos colonatos israelitas nestes territórios é indiscutível.
Embora seja pouco provável que o parecer do tribunal, solicitado pela Assembleia Geral da ONU na sequência de um pedido palestiniano, altere a política de Israel, o parecer do TIJ a afirmar que Israel não pode reivindicar a soberania dos territórios e está a obstruir o direito dos palestinianos à autodeterminação, poderá influenciar a opinião internacional.
O TIJ está ainda a analisar uma queixa da África do Sul segundo a qual as ações de Israel em Gaza constituem um genocídio, uma acusação que Israel nega veementemente.
Erwin van Veen, investigador sénior do grupo de reflexão Clingendael, em Haia, sugeriu que, se o tribunal considerar que as políticas de Israel na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental violam o direito internacional, poderá “isolar ainda mais Israel a nível internacional, pelo menos do ponto de vista jurídico.”
Tal decisão enfraqueceria a justificação da ocupação e reforçaria os defensores do boicote, do desinvestimento e das sanções contra Israel. Poderia também encorajar mais países, especialmente no mundo oriental, a reconhecerem o Estado da Palestina.
Esta não é a primeira vez que o TIJ emite um parecer sobre as políticas israelitas. Há duas décadas, o tribunal decidiu que a barreira de separação na Cisjordânia era “contrária ao direito internacional”. Israel boicotou esse processo, alegando que tinha motivações políticas.
O TIJ é um órgão jurisdicional da Organização das Nações Unidas, com sede no Palácio da Paz em Haia, Holanda.
História da conquista de Israel
Israel conquistou a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza na guerra do Médio Oriente de 1967.
Os palestinianos pretendem estabelecer um Estado independente nestas áreas, mas Israel considera a Cisjordânia como um território disputado, cujo futuro deve ser determinado através de negociações, e estabeleceu colonatos para solidificar o seu domínio.
Além disso, anexou Jerusalém Oriental numa ação não reconhecida internacionalmente e, embora se tenha retirado de Gaza em 2005, mantém um bloqueio desde que o Hamas assumiu o controlo em 2007.
A comunidade internacional considera, de um modo geral, as três zonas como território ocupado.
Durante as audiências, em fevereiro, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros palestiniano, Riad Malki, acusou Israel de apartheid e instou o tribunal a declarar que a ocupação israelita é ilegal e que deve terminar imediatamente para que uma solução de dois Estados permaneça viável.
Os palestinianos apresentaram o seu caso juntamente com 49 outras nações e três organizações internacionais.
De acordo com a Peace Now, um grupo de monitorização anti-colonização, Israel construiu mais de 100 colonatos na Cisjordânia, tendo a população de colonos crescido mais de 15% nos últimos cinco anos, ultraando os 500 000 israelitas. Israel também anexou Jerusalém Oriental, com 200.000 israelitas a viver em colonatos, que Israel considera bairros da sua capital. Os palestinianos da cidade são sistematicamente discriminados, o que dificulta a sua capacidade de construir ou ampliar as suas casas.
A comunidade internacional considera geralmente que todos os colonatos são ilegais e constituem obstáculos à paz, uma vez que são construídos em terras que os palestinianos pretendem para o seu Estado.
O governo de linha dura de Netanyahu, dominado por colonos e seus apoiantes políticos, deu uma autoridade sem precedentes sobre a política de colonatos ao ministro das finanças Bezalel Smotrich, um antigo líder dos colonos.
Smotrich avançou com planos para a construção de mais casas nos colonatos e para a legalização de postos avançados. As autoridades aprovaram recentemente a apropriação de 12,7 quilómetros quadrados de terra no Vale do Jordão, o que constitui a maior apropriação individual desde os acordos de Oslo de 1993.