A monarquia espanhola parece ter começado o ano da pior maneira. Com a infanta Cristina, a filha mais nova do rei, a responder por alegados crimes financeiros, a popularidade de Juan Carlos está mais que nunca ameaçada.
Os três anos de instrução deste caso têm sido difíceis para a Casa Real e afetam a imagem do rei – 62% dos espanhóis gostariam de ver Juan Carlos abdicar a favor do filho, Felipe e uma sondagem realizada no fim de 2013 revela que só 41,3% dos espanhóis têm hoje uma opinião boa ou muito boa do rei.
A primeira aparição pública de Juan Carlos este ano para o tradicional discurso ao exército, mostrou o monarca fisicamente debilitado, ainda não recuperado da operação à anca no ado 21 de novembro. O rei, que no domingo completou 76 anos de vida, estava visivelmente muito cansado e teve dificuldade em terminar o seu discurso.
A infanta Cristina foi alvo de investigação por branqueamento de capitais e gestão de fundos suspeitos gerados por negócios do seu marido, Iñaki Urdangarin, e fraude fiscal.
Depois de uma investigação demorada, o juiz José Castro, de Palma de Maiorca, indiciou a princesa pelos crimes de fraude fiscal e lavagem de dinheiro, tornando assim provável o primeiro julgamento de um membro da família real espanhola. Num documento de 200 páginas, o magistrado afirmou existirem provas de que a infanta cometeu os crimes que lhe são imputados e convocou-a para prestar depoimento no dia 8 de março
O juiz considera que é “um ato obrigatório” acusar a filha do rei por “indícios fundamentados de culpabilidade” e defende que “a justiça é igual para todos”,
O genro do rei Juan Carlos é acusado no “caso Nóos”, nome da fundação desportiva sem fins lucrativos que geriu durante muitos anos e que foi usada para desvio de dinheiro. Urdangarin e o seu sócio, Diego Torres, são acusados de terem desviado 5,8 milhões de euros. Cobravam serviços não realizados, em contratos firmados com municípios e que Urdangarin conseguia mais facilmente por ser o genro do rei. A fundação ava faturas falsas e uma parte deste dinheiro entrava na Aizoon, uma sociedade patrimonial que pertencia à infanta e ao marido. As investigações terão revelado que ao longo dos últimos anos, Cristina realizou vários pagamentos com cartões de crédito da Aizoon, fazendo assim uso do dinheiro desviado pelo marido.
O procurador anticorrupção, Pedro Horrach, pede 12 anos de prisão para o genro do rei, mas declarou não ter encontrado elementos que provem a implicação da infanta em crimes.
Apesar do desacordo de Horrach, o juiz José Castro decidiu avançar com a acusação, afirmando basear a sua decisão em informações detalhadas sobre a atividade financeira e fiscal de Cristina, entre 2002 e 2012. Para já, o juiz diz que os indícios encontrados contrariam a versão da infanta.
Para compreender melhor a magnitude desta notícia em Espanha, entrevistamos o analista político, Fernando Vallespin.
euronews (en): A decisão de constituir a Infanta Cristina como arguida é a prova que a justiça é igual para todos em Espanha, incluindo a família real? O Ministério Público tentou por todos meios impedir que a Infanta fosse constituída arguida…
Fernando Vallespin (FV): “Sim, a acusação demonstra que a justiça é igual para todos. Mas, sem dúvida que um cidadão normal não teria tido o mesmo tratamento da parte do Ministério Público. No entanto, é compreensível que a justiça, perante uma situação que afeta uma pessoa de prestígio, tente ser mais cautelosa nos seus atos. Mas o juiz está a demonstrar uma autonomia verdadeiramente surpreendente neste caso.
Considero que é muito importante colocar todas as cartas na mesa para a opinião pública, que segue com enorme interesse o caso, tal como a família real é a primeira interessada em que a transparência seja o princípio fundamental seguido em todos os atos judiciais deste caso”.
en: A coroa considera que está a viver um martírio. Como é que este caso está a afetar o Rei cuja imagem está muito desgastada pela sua débil saúde e escândalos como a caça de elefantes ou as suspeitas de infidelidades?
FV: “É o maior escândalo que envolve a Casa Real por várias razões. Desde logo, por causa dos princípios que legitimam a instituição, que se baseia no exemplo e no simbolismo associado a uma figura que tem de estar para lá do Bem e do Mal.
A Casa Real deseja que haja uma sentença e que seja uma sentença definitiva para se poder ar a outra coisa, porque à medida que se conhecem os detalhes do caso, há uma espécie de erosão contínua da imagem da instituição que também é afetada pelo desgaste que atinge, neste momento, todas as instituições políticas em Espanha.
en: O futuro da monarquia espanhola parece estar cada vez mais comprometido. Na sua opinião, como é que a família real pode sair deste pântano com dignidade, sem perder o prestígio?
FV: “Se da sentença se deduzir que, efetivamente, o juiz não tratou os arguidos de forma privilegiada, acho que isso mostraria à opinião pública que foram tratados como cidadãos comuns. Isso seria bom para a monarquia e poderia compensar em parte todos os estragos que se vêm produzindo. Mas, sem dúvida, o problema é que isto está associado a uma série de escândalos e, sobretudo, está associado a uma grande preocupação dos cidadãos que é saber se o Rei Juan Carlos está em condições de poder exercer as suas funções constitucionais”.
en: Acha pouco provável que o Rei abdique?
FV: “Considero que é pouco provável e, pessoalmente, não me parece prudente. Acho que, mais tarde ou mais cedo, a Espanha, por várias razões – em especial o desafio de soberania na Catalunha – tem de pensar muito a sério numa reforma constitucional e enquanto essa reforma não esteja completa, não seria prudente, na minha opinião, o Rei abdicar, desde que mantenha capacidade física necessária para desempenhar as suas funções, tal como estabelecido constitucionalmente.