Trump pode não ser capaz de reduzir tanta "burocracia" como disse que iria fazer.
Com a tomada de posse, o presidente eleito Donald Trump afirmou que pretende desfazer sem demora a "burocracia" ambiental da istração anterior.
Isso inclui eliminar as proteções ambientais, pôr fim aos projetos de energia limpa, revogar a lei climática histórica de Biden - a Lei de Redução da Inflação - e extrair todo o petróleo que os EUA têm para oferecer desde o primeiro dia da sua presidência.
Esta medida surge pouco depois de o país ter registado os 12 meses de condições meteorológicas extremas mais dispendiosas e impactantes dos últimos 90 anos. No último ano, os EUA tiveram entre 693 e 799 mil milhões de dólares (672 a 774 mil milhões de euros) em danos e perdas económicas decorrentes de fenómenos meteorológicos extremos, de acordo com estimativas do Centro Meteorológico Global da AccuWeather.
É provável que o ceticismo climático de Trump também tenha consequências fora das fronteiras do país. A retirada do segundo maior poluidor do mundo do Acordo de Paris poderá pôr em causa o empenhamento de outros signatários.
Mas será que a presidência de Trump vai ser um completo pesadelo para a ação climática e será que, antes disso, os EUA ainda estavam na luta pelo clima?
Biden protege milhares de milhões em subsídios para energias limpas
A istração Biden protegeu 84% dos cerca de 96,7 mil milhões de dólares (93,7 mil milhões de euros) de subvenções para energias limpas de serem recuperados pela próxima istração. Estas subvenções foram criadas no âmbito da Lei de Redução da Inflação.
São "obrigatórias", o que significa que os contratos entre as agências norte-americanas e os beneficiários já foram assinados. Este dinheiro, proveniente da lei histórica sobre o clima, inclui programas de descontos para renovar casas e eletrodomésticos e para ajudar cooperativas a produzir mais energia limpa.
Foram autorizados cerca de 38 mil milhões de dólares (36,6 mil milhões de euros) para a Agência de Proteção do Ambiente - 100% do fundo de redução dos gases com efeito de estufa e cerca de 94% dos outros programas da Lei de Redução da Inflação.
Outros 11 mil milhões de dólares (10,6 mil milhões de euros) em fundos ainda não foram atribuídos, mas a istração cessante espera que, como já foi anunciado publicamente, haja pressão para que estes compromissos sejam cumpridos.
Grande parte dos fundos da Lei de Redução da Inflação já foram distribuídos e - com uma parte significativa a ir para os estados republicanos - é provável que Trump tenha de enfrentar algumas resistências, se tentar revogar a lei.
A transição global para o abandono dos combustíveis fósseis está agora bem encaminhada, ainda mais do que durante a primeira presidência de Trump. Nas palavras do secretário da Energia do Reino Unido, Ed Milliband, a transição para as energias renováveis é agora "imparável" e nenhum governo a pode impedir.
Os EUA estão a produzir quantidades recorde de petróleo e gás
A promessa de Trump de "drill, baby, drill" não é necessariamente uma mudança de status quo. Em 2023, o país bateu recordes de produção de petróleo, produzindo mais petróleo bruto do que qualquer outro país alguma vez produziu. Especialistas afirmam que números preliminares indicam que os EUA estão a caminho de bater novamente este recorde em 2024.
Mas reações aos novos projetos também não têm sido muito entusiásticas.
O interesse em explorar a natureza intocada do Alasca também tem sido quase inexistente. Os deputados republicanos tinham a certeza de que iria gerar milhares de milhões de dólares. O próprio Trump chamou-lhe "a maior descoberta do mundo, tão grande como a da Arábia Saudita".
Em 1980 foi proibida a extração no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico (ANWR), um habitat único que alberga renas e ursos polares, bem como terras sagradas para as comunidades indígenas.
Mas uma lei fiscal de 2017, assinada por Trump no seu primeiro mandato, abriu esta zona à produção de petróleo e gás.
Os republicanos também aprovaram uma legislação que exigia a realização de duas vendas (concessões) na ANWR até 2024. Acreditavam que isso permitiria angariar 2 mil milhões de dólares (1,9 mil milhões de euros) em direitos de exploração ao longo de 10 anos.
Mas no último concurso de concessão, no início de janeiro, nenhuma empresa concorreu à oportunidade de perfurar a ANWR. É o segundo leilão para a exploração de petróleo e gás nesta região selvagem e intocada em quatro anos que fracassa. Vários bancos importantes recusaram-se a financiar quaisquer projetos neste refúgio.
"A falta de interesse das companhias petrolíferas em projetos no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico reflete o que todos sempre soubemos: há lugares demasiado especiais e sagrados para serem postos em risco com a perfuração de petróleo e gás", afirmou Laura Daniel-Davis, vice-secretária interina do Departamento do Interior dos EUA, num comunicado.
Laura Daniel-Davis acrescentou que as empresas petrolíferas e de gás detinham enormes áreas de terra por explorar noutros locais. "Sugerimos que esses são lugares prudentes para começar, em vez de se envolver mais em concessões num dos lugares mais espetaculares do mundo."
Quer seja por causa deste lugar "especial e sagrado" ou pelo facto de a localização remota, as condições adversas e a falta de infraestruturas tornarem a perfuração no ANWR difícil e cara, parece que esta nova "Arábia Saudita" não é bem a mina de ouro de combustíveis fósseis que parece.
Outros países podem dar um o em frente
Para combater a crise climática não basta mudar para as energias renováveis e reduzir a produção de combustíveis fósseis. Ao abandonar o Acordo de Paris, Trump retira o maior contribuinte do mundo para as alterações climáticas de um pacto que obriga a reduzir uma parte equitativa das emissões, a manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC e a uma série de outras ações.
Trata-se de um problema para todo o mundo.
No entanto, a ausência da superpotência pode incentivar outros países a assumirem o comando da ação climática. Na COP29, no Azerbaijão em novembro do ano ado, o chefe da ONU para o clima, Simon Stiell, elogiou a China por "liderar pelo exemplo" os investimentos em tecnologia de energia limpa.
Segundo Stiell, um novo e forte plano nacional para o clima "enviaria um sinal importante a outros países de que metas mais fortes impulsionam o investimento, que uma liderança corajosa compensa, que o desenvolvimento e a sustentabilidade não estão em desacordo e que são compatíveis".
A China, o maior emissor mundial, já está a construir mais energia solar e eólica do que o resto do mundo em conjunto.
Também a UE está pronta para continuar a avançar com a transição ecológica. No ano ado, o bloco produziu, pela primeira vez, mais de metade da eletricidade a partir de fontes renováveis. Só a energia eólica e solar produziu 30%, ultraando os combustíveis fósseis. As emissões de gases com efeito de estufa são atualmente 37% inferiores aos níveis de 1990, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) da UE cresceu 68% durante o mesmo período.
Os Verdes europeus apelaram aos líderes da UE para formarem alianças que equilibrem a "agenda perigosa, anticlima, antidemocrática e de extrema-direita" de Trump.
"Ao longo dos últimos cinco anos, a União Europeia, com o forte apoio dos Verdes, começou a transformar o Pacto Ecológico Europeu de uma visão em ação", afirma Ciarán Cuffe, copresidente do Partido Ecológico Europeu.
"Trump levar-nos-ia para trás. Agora é o momento de nos guiarmos pela ciência, de intensificarmos uma ação climática ambiciosa e de resistirmos às tentativas de Trump de desmantelar os acordos climáticos globais".