O Ministro dos Negócios Estrangeiros neerlandês, Caspar Veldkamp, afirmou que o seu governo está a "traçar uma linha na areia" relativamente ao bloqueio à ajuda humanitária em Gaza, que, segundo ele, é contrário ao direito humanitário internacional.
Os Países Baixos estão a aumentar a pressão sobre Israel por causa da sua guerra contra o Hamas em Gaza, no que parece ser uma mudança significativa de rumo para um dos aliados mais leais de Israel.
O ministro neerlandês dos Negócios Estrangeiros, Caspar Veldkamp, afirmou na quarta-feira que o bloqueio da ajuda humanitária por parte de Israel constitui uma violação do direito humanitário internacional e apelou a uma ação coletiva de Bruxelas para rever o acordo comercial entre a UE e Israel.
"O que estamos a fazer aqui é dar um sinal muito claro", afirmou Veldkamp na reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, em Varsóvia.
"A situação na Faixa de Gaza é desastrosa, é uma situação humanitária catastrófica", acrescentou.
Antes da reunião, Veldkamp escreveu uma carta à chefe da diplomacia da UE, Kaja Kallas, pedindo uma revisão do acordo comercial UE-Israel, afirmando que Israel está a violar o acordo de associação.
A proposta dos Países Baixos será analisada quando os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE se reunirem em Bruxelas, a 20 de maio, confirmou entretanto Kaja Kallas.
Kallas acrescentou que serão “discutidas” outras respostas possíveis aos planos de Israel para alargar a guerra em Gaza.
A carta, a que a Euronews teve o, afirma que “o bloqueio contínuo de Israel à ajuda humanitária e ao fornecimento de eletricidade à Faixa de Gaza” está “em contradição com as medidas provisórias do Tribunal Internacional de Justiça”.
Veldkamp acrescenta na missiva que “gostaria de solicitar uma revisão do cumprimento do artigo 2 por parte de Israel na primeira oportunidade possível”.
O artigo 2º do Acordo de Associação estabelece que as relações bilaterais entre a UE e Israel estão condicionadas ao “respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos”.
Veldkamp afirma ainda que o sistema de controlo da distribuição de ajuda em Gaza previsto por Israel não respeita os princípios humanitários de "neutralidade, imparcialidade e independência".
O governo neerlandês tenciona vetar qualquer prorrogação do acordo enquanto se aguarda uma análise da UE sobre o cumprimento do pacto por parte de Israel, que entrou em vigor em 2000.
A UE é o maior parceiro comercial de Israel e os Países Baixos já lideraram iniciativas para bloquear as discussões sobre a suspensão do acordo de associação.
Trata-se de uma das palavras mais fortes do governo neerlandês contra o seu aliado, que até agora tem evitado acusar Israel de violar o direito internacional.
Pressão das organizações humanitárias
O governo dos Países Baixos tem sido alvo de pressões crescentes por parte das organizações internacionais de ajuda humanitária para tomar uma posição mais forte contra a violência israelita em Gaza.
No mês ado, o primeiro-ministro Dick Schoof reuniu-se com representantes da Oxfam Novib, da Amnistia Internacional, da Pax, da Save the Children e dos Médicos Sem Fronteiras, que manifestaram a sua desilusão com o resultado da conversa.
"Não existe uma linha vermelha para o governo. Estão convencidos de que a pressão diplomática consegue mais", afirmou Michiel Servaes, diretor da Oxfam Novib.
Esta quinta-feira, Schoof manifestou o seu apoio às declarações de Veldkamp, afirmando que estas refletem a política do governo. Segundo o primeiro-ministro neerlandês, o anúncio de Israel de expandir as suas operações em Gaza e controlar toda a Faixa foi provavelmente um fator que contribuiu para a decisão de Veldkamp de escrever a Kallas.
No entanto, a medida não foi isenta de críticas internas. Geert Wilders, do partido de extrema-direita PVV, o principal parceiro da coligação e vencedor das últimas eleições nacionais, criticou Veldkamp no X, chamando-lhe "ministro fraco".
Outros ministros dos Negócios Estrangeiros presentes em Varsóvia fizeram eco das palavras de Veldkamp.
O ministro belga dos Negócios Estrangeiros, Maxime Prévot, afirmou que "é altura de a União Europeia e toda a comunidade internacional acordarem. Sinceramente, o que estamos a ver é uma vergonha absoluta. É inaceitável".
Já o ministro dos Negócios Estrangeiros luxemburguês, Xavier Bettel, disse que ou muito tempo na região nos últimos meses, mas que os seus apelos a Israel para mostrar contenção foram em vão.
"Tenho a sensação de que não estão a ouvir ninguém. Compreendo perfeitamente que haja pressões, que o Hamas esteja a ser pressionado e que ainda haja reféns. Mas temos de estar à volta da mesa para ver como podemos encontrar soluções", disse Bettel aos jornalistas.
"Temos de encontrar uma solução e não dar aos palestinianos a impressão de que, no final do dia, deixarão de existir", acrescentou.
A guerra entre Israel e o Hamas começou quando militantes do Hamas atacaram o sul de Israel a 7 de outubro de 2023, matando cerca de 1.200 pessoas, a maioria civis. O Hamas tomou 251 pessoas como reféns e mantém atualmente 59, das quais se acredita que 24 estejam vivas.
A subsequente ofensiva israelita matou até à data 52.400 palestinianos, na sua maioria mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, gerido pelo Hamas, cujos números não distinguem entre combatentes e civis.
O exército israelita afirma que 850 dos seus soldados morreram desde o início da guerra.