A decisão polémica da Noruega de aprovar a exploração comercial de minério em águas profundas no seu território pôs em evidência uma clivagem entre a esquerda e a direita no Parlamento Europeu, durante um debate em sessão plenária, quarta-feira, em Estrasburgo (França).
Apesar da Noruega não fazer da União Europeia (UE), este país nórdico é um parceiro muito próximo e tornou-se o primeiro no mundo a aprovar a exploração dos fundos marinhos para obter minerais e outros recursos. O Parlamento do país aprovou, a 9 de janeiro, legislação que autoriza as empresas mineiras a explorarem 281 mil km2 das suas águas, uma área quase do tamanho da Itália.
A medida foi criticada por cientistas e conservacionistas, que alertam para os danos potencialmente irreversíveis nos ecossistemas marinhos.
Num debate no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na quarta-feira, os legisladores da UE pertencentes a grupos pró-clima e de centro-esquerda, bem como os liberais, também classifciaram a decisão como irresponsável.
"Como é que esta proposta foi aprovada quando 800 cientistas se opõem a ela e quando a Agência Ambiental da Noruega deu um parecer negativo?", questionou César Luena, eurodeputado espanhol do centro-esquerda.
"A União Europeia precisa de agir imediatamente", acrescentou, apelando a ação do comissário europeu Janusz Wojciechowski, responsável pela Agricultura, presente no debate.
Os membros do grupo centrista e liberal Renovar a Europa também consideraram a medida prematura, apelando à prudência face aos avisos dos cientistas.
"Não cometamos no mar os mesmos erros que já cometemos em terra", afirmou Catherine Chabaud, eurodeputada liberal sa.
A extração mineira em águas profundas consiste em escavar o leito oceânico em busca de materiais tais como o cobre, o níquel e o cobalto, que se encontram em rochas chamadas nódulos polimetálicos.
Estes materiais - essenciais para aplicações de tecnologia para usar energia de forma mais ecológica, tais como baterias para veículos eléctricos, semicondutores e painéis solares - são abundantes no fundo do mar.
Com as potências mundiais a procurarem ultraar a grave escassez das atuais cadeias de abastecimento, a exploração mineira do fundo do mar está a tornar-se uma perspetiva estratégica e comercialmente atrativa para alguns Estados na corrida geopolítica às matérias-primas.
A Comissão Europeia adotou, em dezembro, a Lei das Matérias-Primas Críticas (LMPC) para reduzir a sua dependência da China em relação às matérias-primas e diversificar as suas cadeias de abastecimento.
Mas tanto o executico comunitário como o Parlamento Europeu têm defendido uma moratória internacional sobre a exploração mineira em águas profundas até que as lacunas científicas sejam colmatadas, citando preocupações ambientais, incluindo danos à vida marinha e a perturbação das unidades populacionais de peixes.
O bloco também teme que a exploração mineira possa desestabilizar os níveis de dióxido de carbono absorvidos pelos oceanos e, por conseguinte, que tal reduzir a sua capacidade de mitigar o aumento da temperatura global.
Até agora, apenas sete Estados-membros da UE - Espanha, França, Alemanha, Suécia, Irlanda, Finlândia e Portugal - apoiaram abertamente este apelo, com alguns Estados-membros, tais como a Bélgica, a prepararem legislação que ameaça romper com a posição da UE.
Uma questão de "hipocrisia"?
Mas nem todos os eurodeputados se opam à iniciativa da Noruega, com o centro-direita a falar de hipocrisia nas críticas a um país vizinho democrático que tenta aumentar a disponibilidade de matérias-primas, já que o bloco europeu está muito dependente de Estados não democráticos para o seu abastecimento.
A República Democrática do Congo (RDC), onde o trabalho infantil, as violações dos direitos humanos e a corrupção estão amplamente documentados, é um dos países africanos que tem uma parceria estratégica com a UE.
"A verdade é que, atualmente, estamos a abastecer-nos na China, na Rússia e no Congo para todos os minerais de que necessitamos", afirmou Tom Berendsen, eurodeputado neerlandês do centro-direita.
"A cadeia de abastecimento é instável, as condições de trabalho e os requisitos ambientais nesses países não estão à altura dos nossos padrões. Em suma, se queremos continuar na via da energia limpa, e queremos fazê-lo, isso significa também fazer escolhas difíceis", acrescentou Berendsen.
O debate pôs em evidência uma clivagem cada vez mais evidente no Parlamento Europeu entre a visão das facções políticas sobre a futura trajetória industrial da Europa. Os eurodeputados do grupo de extrema-direita, Identidade e Democracia (ID), aproveitaram o debate para apelar ao reforço da energia nuclear.
Wojciechowski disse que a Comissão está "muito preocupada" com a decisão da Noruega, uma vez que esta pode violar as suas obrigações ao abrigo do Tratado do Alto Mar das Nações Unidas, do Acordo de Paris e da Convenção OSPAR sobre a proteção do ambiente marinho no Atlântico Nordeste.
A decisão da Noruega também levanta potenciais disputas territoriais. A área proposta para exploração mineira inclui o arquipélago de Svalbard, no Ártico, uma área sob soberania norueguesa, mas no qual outras nações, incluindo a UE e o Reino Unido, têm historicamente usufruído de direitos iguais na atividade comercial nessas águas.
De acordo com o Tratado de Svalbard, de 1920, as nações co-signatárias devem ter igual o para a pesca, bem como para operações industriais, mineiras e comerciais.