Há 20 anos, sofriam pesadamente o impacto da sobrepesca. Hoje, as populações de pescada são abundantes no Atlântico. Vamos ver a razão dessa recuperação.
São duas da manhã na Galiza, na costa atlântica de Espanha. As equipas do porto de pesca de Celeiro vão trabalhar durante toda a noite e descarregam caixas do navio que ou uma semana no Mar Céltico e regressou cheio de peixe. A forma alongada do peixe não deixa dúvidas: trata-se de pescada, a base da economia pesqueira local.
“Se a pesca da pescada for encerrada, ficamos todos sem trabalho. Todos nós dependemos da pescada”, diz José Luis Fernández Louzao, imediato no navio de pesca Eixil.
É difícil de imaginar agora, mas não há muito tempo, esta espécie crucial de peixe quase desapareceu do Atlântico - apenas para mais tarde recuperar mais forte do que nunca.
Nas águas do noroeste da Europa, a população de pescada recuperou de forma impressionante nas últimas duas décadas. Mas o que é que está por detrás desta recuperação notável? E porque é que raramente vemos estas histórias de sucesso repetir-se noutros locais?”
As razões do sucesso
A pescada descarregada vai rapidamente a leilão. Os peixes são grandes e não sofrem danos graças a artes de pesca seletivas. Minimizar os danos causados à população de pescada tornou-se uma prioridade muito maior do que era no ado.
O cientista marinho Javier López dirige a campanha de pesca sustentável da Oceana, uma organização de defesa da conservação.
“Nas décadas de 1980 e 1990, a pescada no Atlântico foi objeto de uma sobrepesca severa, o que levou a uma diminuição drástica do número. A pescada esteve à beira de uma situação crítica e do colapso. Esta situação foi alarmante não só para o ambiente, para a população de peixes, mas também para as pessoas afetadas. Muitos pescadores e comunidades costeiras que dependiam da pescada tiveram dificuldades em manter a sua atividade”, diz o perito.
Se a pescada desaparecesse, seria também uma grande perda para os cozinheiros locais. Este peixe, parente do bacalhau e da arinca, é um alimento básico na Galiza e um favorito em toda a Espanha (tal como em Portugal). Os filetes tenros combinam muito bem com legumes assados ou moluscos fritos.
Em qualquer restaurante de peixe em Espanha ou em Portugal, é quase certo que encontrará pescada no menu.
“Este peixe é incrivelmente versátil - pode ser preparado de quase todas as formas possíveis”, explica o cozinheiro e proprietário de restaurante Alló Puñal.
Então, como é que as pessoas aqui na Galiza - e em toda a costa noroeste da Europa - conseguem agora ter pescada para comer?
A resposta reside em medidas de conservação atempadas e num pouco de sorte.
A maior parte da pescada europeia habita o Atlântico nordeste. Na década de 1990, a sobrepesca reduziu os efetivos para níveis muito inferiores aos sustentáveis. Os cientistas que observaram este declínio deram o alarme, avisando que a pescada do norte poderia desaparecer.
Em resposta, a União Europeia adotou medidas decisivas no início da década de 2000. Estabeleceu limites de captura rigorosos com base em pareceres científicos, aumentou a dimensão das malhas das redes de pesca para permitir a a fuga dos peixes mais jovens e criou duas grandes zonas protegidas para o crescimento destes. Felizmente, as condições do mar eram favoráveis, o que também desempenhou um papel importante.
Estes esforços deram frutos: a população de pescada do norte atingiu níveis sem precedentes. Esta recuperação permitiu um aumento gradual das quotas de captura, para que a pescada pudesse continuar a ser pescada de forma sustentável.
Agora há esperança de replicar este sucesso com outras unidades populacionais. Javier López diz que a chave foi definir objetivos concretos de recuperação a longo prazo e aplicar as medidas, transformando os planos em ações efetivas.
“Chegar a esta recuperação e ter atualmente uma abundância de pescada do norte no Atlântico não é um acidente. É o resultado de uma gestão cuidadosa, de medidas de controlo e de condições oceânicas favoráveis. Mas o mérito também deve ser atribuído ao setor da pesca que ou estas medidas.”
Atualmente, os pescadores locais enfrentam muitos desafios, desde os baixos preços de mercado à forte concorrência das importações baratas. Mas estão satisfeitos com o estado das unidades populacionais de pescada. As restrições do ado parecem valer a pena.
Diz José Novo Rodríguez, diretor executivo do porto de Celeiro: “Houve alguns anos em que a pesca diminuiu bastante. Para dar um exemplo, se antes pescávamos 4 mil quilos por dia, agora conseguimos pescar mil quilos por dia - a Europa baixou as capturas e depois aumentou-as. Agora a população de peixes é boa, estamos a pescar muito bem”.
Para Manuel Bermúdez Díez, gestor de projeto no porto de Celeiro, "a comunidade orgulha-se de ser uma aldeia piscatória. Para nós, a pescada é uma história de amor”.
No Mediterrâneo, a situação é diferente
Mas enquanto a pescada do Atlântico é atualmente pescada de forma sustentável, as unidades populacionais do Mediterrâneo encontram-se num estado muito mais precário.
emos da Galiza para Maiorca: Um relatório recente da Comissão Europeia mostra que os números da pescada do Mediterrâneo teriam de aumentar mais de dez vezes para atingir a sustentabilidade.
Beatriz Guijarro, que lidera a avaliação das unidades populacionais de pescada nesta região, descreve a situação da pescada como “insustentabilidade sustentada”. O terreno subaquático parece ajudar algumas pescadas a fugir aos arrastões, permitindo a sua sobrevivência.
“A pescada é sobre-explorada, mas, de acordo com os nossos dados, não está em risco de colapso. Uma parte crucial da população, as grandes fêmeas, vive em zonas normalmente iníveis à pesca. Este facto ajuda a manter a população ao longo dos anos, apesar da sobre-exploração em curso”, diz.
O Mediterrâneo é diverso e complexo, o que faz da recuperação da pescada um desafio a longo prazo. Os encerramentos de zonas, a utilização de artes mais seletivas e a limitação dos dias de pesca foram implementados aqui 20 anos mais tarde do que no Atlântico, e ainda é muito cedo para avaliar os resultados.
No porto de Alcúdia, encontramos um arrastão de fundo que regressa depois de um dia no mar. A pescada representa apenas uma pequena fração das suas capturas mistas. O patrão de pesca, Joan Jesús Vaquero, ite que o setor da pesca resistiu às restrições no início, mas agora considera-as justificadas, apesar de estar limitado a pescar apenas quatro dias por semana: “A maioria de nós, patrões de pesca, não é contra, apoia esta abordagem. Afinal de contas, estes recursos são nossos. Dependemos da generosidade do mar e estamos empenhados em protegê-la e conservá-la”, diz.
Agora, os números da pescada do Mediterrâneo estão a aumentar lentamente. Javier López alerta para o facto de a espécie continuar vulnerável e poder entrar em declínio. Mas com as medidas correctas em vigor, há boas hipóteses de recuperação.
“A principal lição é que não devemos esperar por uma crise para atuar. Uma ação precoce evita problemas mais complexos e repercussões socioeconómicas. O mar é generoso e, com as medidas corretas em vigor, pode reconstituir os seus recursos. Há limites que não devemos ultraar, mas se agirmos com sensatez, podemos ter a certeza de que o peixe regressará”, explica.
O estado dos nossos oceanos é, em muitos aspetos, alarmante, mas a resiliência da pescada no Mediterrâneo e a notável recuperação no Atlântico oferecem esperança. Será que podemos usar o que aprendemos para trazer de volta mais espécies marinhas? É a vontade dos peritos.