Os mercados de ações dos EUA estão a registar quedas de dois dígitos, os títulos do Tesouro dos EUA estão a perder a fama, enquanto o ouro está a atingir novos recordes num contexto de incerteza global relacionada com as tarifas comerciais.
Os mercados financeiros mundiais têm estado em polvorosa até agora, este ano, com a incerteza agravada pelos anúncios de tarifas comerciais por parte do presidente dos EUA, Donald Trump.
As tarifas são um dos principais riscos geopolíticos enumerados no último Relatório sobre a Estabilidade Financeira Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI), que cita ainda as guerras, sanções e confrontos diplomáticos que afetam diretamente os mercados financeiros.
O relatório alerta para o facto de o impacto de eventos de risco geopolítico poder repercutir-se nos mercados e nas empresas de outros países através de ligações comerciais e financeiras, aumentando o risco de contágio financeiro e provocando a volatilidade dos mercados.
Nos primeiros meses deste ano, os mercados não entraram em pânico, mas as quedas de dois dígitos nos principais índices de ações dos EUA estão a pôr os nervos à prova.
No início de 2025, os mercados dos EUA acumulavam dois anos de subidas, embora muitos alertassem para o facto de os preços das ações estarem sobre-inflacionados. A guerra comercial de Trump despoletou esse sentimento. O S&P 500 caiu mais de 12% e os mercados dos EUA estão a ser ultraados na Europa, na Ásia e em praticamente todo o mundo.
A negociação daquilo que eram tradicionalmente apostas seguras, como os títulos do Tesouro dos EUA e o dólar, tornou-se errática e imprevisível. No início da semana, o dólar atingiu o seu nível mais baixo em três anos e os rendimentos do Tesouro dos EUA subiram. Normalmente, os rendimentos caem quando os investidores procuram um lugar seguro para guardar o seu dinheiro. Os títulos do Tesouro dos EUA já não parecem oferecer o porto seguro de outrora.
Apenas o ouro, um bem transaccionado internacionalmente, tem mantido a sua reputação de aposta segura. O preço do ouro tem vindo a bater um recorde atrás do outro. Aqui está um resumo do que está a acontecer em vários segmentos do mercado financeiro:
O mercado acionista americano perdeu a sua vantagem?
Após dois anos de ganhos estelares, o mercado acionista dos EUA perdeu terreno. O índice S&P 500, considerado uma referência da saúde geral do mercado, registou uma descida de 12,3% em 2025. Ganhou mais de 20% em 2023 e 2024.
O índice de referência já se encontra em “correção”, tendo caído mais de 10% em relação ao seu máximo histórico de fevereiro. Este ano, só existiram cinco semanas em que terminou em território positivo e, com a queda de segunda-feira, está a aproximar-se do território de mercado em baixa, ou seja, uma queda de 20% em relação aos máximos recentes.
A situação é pior no Nasdaq Composite, centrado no crescimento, que caiu quase 18%. No final da sessão de segunda-feira, os três principais índices norte-americanos estavam a cair mais de 2,3%. Os mercados estrangeiros têm-se saído muito melhor do que os seus congéneres americanos.
Como a ansiedade crescente está a afetar os títulos do Tesouro
Os títulos do Tesouro, normalmente considerados um setor menos arriscado do mercado, têm sido voláteis ao longo do ano. No caso da maturidade a 10 anos, que influencia as taxas de hipoteca e outros empréstimos, chegou a atingir 4,80% em janeiro, mas depois caiu até Trump anunciar os pormenores gerais da sua política tarifária no início de abril.
Os rendimentos começaram então a recuperar este mês. O recente salto nos rendimentos das obrigações, que ocorre quando os preços das obrigações caem, reflete a crescente ansiedade sobre a inflação e uma possível recessão. As obrigações do Tesouro são essencialmente dívida que o governo dos EUA adquire no mercado e são a forma de Washington pagar as suas faturas.
Os preços das obrigações movem-se normalmente na direção oposta aos preços das ações, mas os preços de ambas caíram em simultâneo. Este facto suscita preocupações maiores, como a perda de confiança nos Estados Unidos como um local seguro para investir.
Será o ouro o último ativo seguro?
Enquanto os ativos considerados de "refúgio seguro", como o dólar e os títulos do Tesouro dos EUA, estão a perder esse estatuto no atual contexto de incerteza, o ouro está a subir em flecha, estabelecendo recordes após recordes em 2025. O preço do ouro subiu para mais de 3.500 dólares esta terça-feira (cerca de 3.049 euros), antes de descer um pouco. Subiu quase 27% este ano.
O interesse pelo ouro aumenta em tempos de incerteza, uma vez que os investidores procuram um porto seguro onde aplicar o seu dinheiro, embora possa existir alguma volatilidade. Por exemplo, o preço do ouro à vista caiu durante três dias de negociação consecutivos após o anúncio do “Dia da Libertação” de Trump, a 2 de abril, mas rapidamente recuperou.
O dólar americano debate-se com a incerteza tarifária
O dólar americano, a moeda de reserva mundial, está a cair devido ao peso da incerteza motivada pelas tarifas, a inflação e a direção da economia dos EUA. Até agora, este ano, a moeda americana caiu 9% em relação a um cabaz de moedas que inclui o euro, o iene japonês, o dólar canadiano e o franco suíço.
O dólar começou a desvalorizar quase imediatamente em 2025, mas essas perdas aceleraram nos últimos dois meses. Um dólar enfraquecido significa que é mais difícil para o governo, as empresas e os consumidores dos EUA contrair empréstimos a taxas mais baixas. Significa também um menor poder de compra para os consumidores norte-americanos e a possibilidade de um crescimento económico mais lento.
Os preços do petróleo refletem as mudanças geopolíticas
Existem boas e más notícias sobre os preços da energia. O preço médio de um galão de gasolina nos Estados Unidos (cerca de 3,785 litros) na segunda-feira era de 3,15 dólares (2,75 euros), uma descida acentuada em relação aos 3,67 dólares (3,20 euros) registados no ano ado. Esta é a boa notícia.
A má notícia é que os preços da energia descem quando as pessoas começam a antecipar um abrandamento económico. As fábricas estão a produzir menos, as famílias estão a adiar as férias e as empresas estão a reduzir as viagens. Os preços do petróleo atingiram um mínimo de quatro anos este mês, devido à ansiedade sobre o impacto das tarifas no crescimento económico global.
O crude de referência dos EUA, o West Texas Intermediate, estava a ser negociado a cerca de 64,10 dólares por barril (55,92 euros) na Europa ao meio-dia de terça-feira. A queda é de quase 14% até agora, este ano. E o petróleo Brent, o padrão europeu, estava um pouco acima dos 67 dólares (58,45 euros), caindo quase 13% desde o início de 2025.
Os economistas alertam para o facto de as elevadas tarifas que Trump pretende aplicar poderem desencadear uma recessão, o que poderia ter consequências importantes para a cadeia de abastecimento e o emprego no setor da energia.
Bitcoin numa montanha-russa
A bitcoin tem continuado a sofrer oscilações. A principal criptomoeda do mundo está em regime de montanha-russa desde o início do ano, com o ativo volátil a subir para mais de 109.000 dólares (95.000 euros) antes da posse de Trump em janeiro, apenas para cair abaixo de 75.000 dólares (65.000 euros) em plena época de liquidações, este mês. Ao meio-dia desta terça-feira, o preço da bitcoin estava acima de 88.000 dólares (76.700 euros), de acordo com a CoinMarketCap.
Este valor é mais de 6.000 dólares inferior ao registado no início de 2025, mas ainda assim significativamente mais elevado do que nos últimos anos. No ano ado, nesta altura, a bitcoin estava a ser negociada a cerca de 65.000 dólares (56.700 euros). E em abril de 2023, meses após o colapso da FTX, em novembro de 2022, esmagar a criptomoeda, o ativo digital estava a ser negociado abaixo de 30.000 dólares (26.000 euros).
Trump, anteriormente um cético em relação à criptomoeda, tornou-se um grande promotor da indústria ao longo da sua campanha - e, no mês ado, assinou uma ordem executiva que estabelecia uma reserva governamental de bitcoin.
FMI: estes são os riscos geopolíticos para os mercados
De acordo com o último Relatório de Estabilidade Financeira, os grandes riscos geopolíticos, que podem afetar as relações internacionais ou as economias de maior escala, tendem a atingir mais fortemente o mercado de ações. O impacto nos preços agregados das ações pode atingir cerca de 1% e deverá durar um trimestre.
Os conflitos militares têm o efeito mais devastador sobre a rendibilidade das ações das empresas através das ligações comerciais. Por exemplo, o envolvimento do principal parceiro comercial de um país num conflito militar reduz a rendibilidade das ações das empresas desse país em cerca de 2,5%.
Nos casos mais graves, nos mercados emergentes, o envolvimento em conflitos militares pode reduzir a rendibilidade das ações das empresas em cerca de 5%. Os riscos geopolíticos incluem também as tensões comerciais. De acordo com o FMI, os preços das ações de empresas chinesas diretamente envolvidas caíram quase 8% a 6 de maio de 2019, quando os EUA anunciaram aumentos de tarifas sobre 200 mil milhões de dólares (174 mil milhões de euros) de produtos chineses.
Em 2019, o anúncio de tarifas retaliatórias por parte da China também teve um impacto significativo nos preços das ações das empresas chinesas e norte-americanas. Os preços das ações das empresas norte-americanas caíram entre 1,6% e 1,8%, em média, de acordo com o relatório.
Como os mercados obrigacionistas reagem aos riscos geopolíticos
Os mercados obrigacionistas também reagem aos riscos geopolíticos, o que significa que os governos têm de pagar mais quando contraem empréstimos no mercado. Os spreads dos swaps de risco de incumprimento (CDS), o prémio contra o incumprimento de um país, tendem a aumentar nas economias avançadas em cerca de 30 pontos base se houver um conflito militar internacional que afete os seus mercados.
Os mercados emergentes enfrentam um impacto maior, uma vez que tendem a ter níveis mais elevados de dívida pública e rácios mais baixos de reservas internacionais em relação ao PIB; os seus CDS podem aumentar em mais de 150 pontos base. Entretanto, as taxas de rendibilidade soberana a longo prazo em países tradicionalmente considerados portos seguros, como o Japão ou a Suíça, tendem a cair na sequência de eventos de risco geopolítico.
De acordo com outro relatório da empresa de análise de investimentos BCA, no atual contexti de movimentações voláteis nos mercados bolsistas, os Bunds alemães parecem ser uma das escolhas mais seguras.
Aviso: Esta informação não se trata de aconselhamento financeiro. Faça sempre a sua própria investigação para se certificar de que é adequada às suas circunstâncias específicas. Lembre-se também que somos um site jornalístico e que o nosso objetivo é fornecer os melhores guias, dicas e conselhos de especialistas. Se confiar nas informações desta página, fá-lo-á inteiramente por sua conta e risco.