Há exatamente três anos, no início de março de 2022, imagens de satélite mostraram a primeira vala comum de civis em Bucha, na região de Kiev. Foi no terreno da Igreja de Santo André, onde atualmente se encontra o Muro de Recordação dos civis mortos pelas tropas russas durante a ocupação.
O padre Andriy Halavin, da Igreja de Santo André, ainda está em Bucha, três anos depois de a Rússia ter iniciado a sua brutal invasão da Ucrânia.
A região de Kiev e as localidades adjacentes como Bucha, Hostomel e Irpin foram as primeiras a enfrentar - e a travar - as forças russas na sua guerra total no início de 2022.
Ao mostrar o Muro da Memória de Bucha, o padre Andriy diz que este será substituído por um memorial permanente.
Segundo o sacerdote, o muro, repleto de placas de metal para cada pessoa morta na cidade depois de as tropas russas a terem ocupado, deveria ser um local a que as pessoas pudessem vir com os seus filhos, para que fosse também um local de força.
"A libertação do nosso país começou com a libertação de Bucha", explicou o padre Andriy.
Memórias dolorosas de 2022
O padre Andriy conhece todos os cantos de Bucha e provavelmente todos os residentes. Ao mostrar o memorial, aponta para a casa que fica em frente à igreja.
A família que ali vivia escapou à guerra russa uma vez no ado, quando as forças de Moscovo invadiram o Donbas. Mas o Kremlin e a sua guerra perseguiram-nos até Bucha.
No dia 5 de março - vários dias após a ocupação - a família tentou sair.
"As forças russas abriram fogo contra eles, contra toda a família, assim, nas ruas de Bucha", recorda o padre Andriy.
Só o pai sobreviveu, tendo perdido a perna. Os nomes das duas crianças - nove e quatro anos de idade - e da mãe estão gravados no memorial da igreja, mesmo em frente à sua casa. O homem ainda vive em Bucha, diz o padre Andriy, que conhece os nomes e as histórias de quase toda a gente cujo nome está no memorial. Muitas famílias morreram enquanto tentavam sair, explicou.
"Temos câmaras de vigilância na saída de Bucha, na rotunda em direção a Hostomel e a Irpin. No segundo dia da guerra em grande escala, os russos dispararam contra qualquer carro em movimento e muitas pessoas morreram ali", disse.
Muitos civis também foram mortos quando se encontravam em Bucha durante a ocupação. "Quando os russos entravam nas casas das pessoas, abriam fogo contra quem estivesse lá dentro", explicou o padre Andriy.
Os residentes não tiveram outra alternativa senão partir e tentar encontrar comida, água e medicamentos. Os soldados russos disseram aos habitantes locais para colocarem faixas brancas nos braços e assim estariam a salvo.
"Um pai e um filho foram a um edifício municipal buscar medicamentos e foram ambos alvejados. O filho, de treze anos, sobreviveu porque a bala atravessou o capuz do colete. Ficou no chão, junto ao corpo do pai, a fingir-se de morto até ser mais seguro correr para casa", recorda o padre.
Bucha, três anos depois
A rua Vokzal'na, em Bucha, onde uma coluna de veículos blindados russos foi destruída por um exército ucraniano, famosa por uma fotografia que chocou o mundo, tem agora um aspeto totalmente diferente.
Não há sinais de batalha e quase nenhum sinal de casas destruídas. A rua foi reconstruída e agora parece-se com qualquer outra rua de qualquer cidade europeia tranquila, com casas modernas e cercas bem arrumadas.
Os cafés e as lojas foram reconstruídos e reabertos, e as pessoas estão de volta. Mas, embora só se possam ver as cicatrizes da brutalidade russa em alguns edifícios residenciais, nas fachadas marcadas pelos estilhaços dos bombardeamentos - tal como na Igreja de Santo André - as feridas emocionais não sararam.
Há 509 nomes de civis mortos durante a ocupação de Bucha no Muro da Memória, diz o padre Andriy, acrescentando: "509 civis morreram aqui não em resultado de combate, mas durante a ocupação. E ainda não falámos de violações, roubos e raptos de crianças".
Conversações com a Rússia: vista de Bucha
Entre as muitas declarações do presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, sobre a Ucrânia, houve uma que realmente se destacou, ultraando as linhas vermelhas para os ucranianos: quando Trump disse que a Ucrânia não devia ter começado a guerra.
O padre Andriy diz que, para os russos, as negociações não são uma forma de encontrar a paz, mas "uma forma de conseguir o que não se consegue com as armas".
"Os russos queriam tomar Kiev em três dias, e falharam. Com a ajuda de Trump, negociações, etc., estão a tentar ocupar a Ucrânia de outra forma", explicou.
"Trata-se de uma questão de justiça. O que é preocupante é que, quando dizem 'negociações', ninguém fala de crimes. Ninguém fala de responsabilidade".
O sacerdote diz que entende perfeitamente por que motivo os que estão de fora podem ser incapazes de o compreender, explicando-o de forma simples como "psicologia humana".
"Quando os aviões já estavam a sobrevoar as nossas cabeças, os helicópteros russos estavam a sobrevoar as nossas cabeças e tudo estava a explodir, compreendemos que há uma guerra", disse o padre Andriy.
"Mas, mentalmente, era impossível itir que ela pudesse ser real no século XXI".
Muitas pessoas na Europa sentem o mesmo, que a guerra é impossível, salienta o padre Andriy.
"Não estão preparados para a aceitar. Têm uma vida calma e confortável", diz, acrescentando que os europeus estão agora num estado em que começam a compreender, mas não estão prontos a desistir do que tinham ou a aceitar as coisas como estão.
"Se isto continuar, existe o perigo de terem de aprender russo. Porque se a Ucrânia cair, a Polónia e os Estados Bálticos serão os próximos".
Para o padre Andriy, quando se trata de conversações com a Rússia, a questão crucial é a compreensão do que significa essencialmente "paz", que é muito diferente na Ucrânia e na Rússia. Mesmo que as condições e os termos do acordo sejam bons, a questão é: será que isso fará com que Vladimir Putin e as suas forças parem de disparar?
"Os ucranianos entendem a palavra 'paz' quando não são mortos, quando há justiça, quando os criminosos são responsabilizados pelos seus crimes - isso é paz", disse o padre Andriy.
"Do ponto de vista de Putin, penso que 'paz' é algo como quando eles deixam de disparar porque não há mais sobreviventes do nosso lado, ninguém vivo, só restam territórios", concluiu.