A Euronews falou em exclusivo com personalidades da cimeira e analistas da região que elogiaram o sentimento, mas questionaram a viabilidade das propostas dos países árabes.
Um dia depois de os líderes de todo o Médio Oriente e do Norte de África se terem reunido para discutir e uma proposta de "paz abrangente e justa" em Gaza, sem deslocar os seus 2,1 milhões de habitantes, a imprensa de toda a região elogiou a cimeira como "uma posição árabe unificada".
"O Egito lança uma 'tábua de salvação' para a causa", dizia a manchete do jornal estatal egípcio Al Ahram, enquanto um dos principais jornais jordanos considerava a proposta "uma visão clara e implementável para gerir Gaza".
Quando a Euronews falou com fontes diplomáticas jordanas que estiveram presentes na cimeira de emergência - na qual também participou o presidente do Conselho Europeu, António Costa - estas afirmaram que a reunião demonstrou "unidade" e "uma clara refutação dos planos de Donald Trump" de fazer de Gaza "a riviera do Médio Oriente", removendo à força a população.
Os comentários iniciais dos funcionários jordanos refletiram as declarações do rei Abdullah II do país.
"O resultado da nossa cimeira deve ser a tomada de medidas práticas para apoiar os nossos irmãos palestinianos, apoiar a sua firmeza na sua terra, aliviar o seu sofrimento e mobilizar os esforços internacionais para parar tudo o que impede a conquista da paz", disse o monarca na conferência.
Em declarações à Euronews, a partir de Beirute, o diretor regional da Human Rights Watch, Lama Fakih, considera que a cimeira conseguiu atingir esse objetivo.
"Algumas das coisas que procurávamos no acordo eram a confirmação de que haveria espaço para os palestinianos e para Gaza terem autodeterminação e poderem agir", explicou. "Penso que se trata de uma proposta séria e que deve ser analisada quanto à sua substância".
"Está a ficar muito aquém"
Não é assim, defende David Schenker, que foi secretário de Estado Adjunto dos EUA para os Assuntos do Médio Oriente durante o primeiro mandato de Trump, ajudando a criar os Acordos de Abraão, normalizando as relações diplomáticas entre Israel e uma série de nações árabes.
"O plano de reconstrução tem 100 páginas de pormenores sobre habitações e estruturas temporárias. Penso que isso é menos preocupante... o documento nem sequer menciona o Hamas", disse à Euronews, a partir do seu gabinete no The Washington Institute for Near East Policy.
O antigo diplomata considera que os planos não contêm propostas concretas para manter a segurança em Gaza e na Cisjordânia. Por isso, acredita que o plano não tem qualquer hipótese para Israel - e para o seu maior apoiante financeiro e militar.
"A única coisa que têm sobre segurança é a formação da polícia, que é algo que já aconteceu antes. Depois, o documento fala de forças de paz da ONU", o que, segundo Schenker, "é totalmente inaceitável tanto para Israel como para os Estados Unidos".
Os dois países consideram que as forças de manutenção da paz no Líbano "ajudaram e incentivaram" um dos inimigos regionais de Israel, o Hezbollah, explicou.
Depois de ter cortejado os eleitores árabes e muçulmanos em novembro, Trump reiterou o seu apoio a Israel. Na quarta-feira, o presidente norte-americano avisou o Hamas, na sua plataforma Truth Social, que se não libertassem todos os reféns restantes, "seria o fim", prometendo "acabar o trabalho".
A questão do Hamas é também motivo de preocupação para Hesham Alghannam, diretor-geral do Centro de Investigação em Segurança da Universidade Árabe de Naif, na Arábia Saudita.
"A ambiguidade do plano em questões cruciais - como o papel do Hamas, os prazos de implementação e os mecanismos de execução - compromete a sua praticabilidade", disse, concluindo que falta uma "estrutura de governação clara ou um quadro de segurança".
Schenker diz que as propostas do seu antigo patrão para Gaza são "irrealistas", mas afirma que qualquer proposta está condenada ao fracasso sem o apoio de Trump.
"O líder árabe que vier a Washington e apresentar esta visão ao presidente Trump vai receber o tratamento de Zelenskyy", sublinhou Schenker.
Estamos unidos?
A cimeira de emergência de terça-feira pareceu mostrar harmonia entre os membros da Liga Árabe - ou pelo menos entre os que estavam na sala.
Os governos de toda a região emitiram declarações reiterando o seu apoio à proposta egípcia, o que poderá ser suficiente para afastar, por enquanto, as ambições controversas de Trump.
No entanto, à porta fechada, os funcionários jordanos disseram à Euronews que estavam preocupados com a falta de participação dos líderes dos principais países da região.
O rei jordano, segundo eles, mostrou-se "pronto a estar presente em todas as oportunidades para resolver a crise".
Abdullah foi o primeiro - e até agora único - líder árabe a encontrar-se com Trump, onde falou sobre os planos para Gaza.
No entanto, nem todos ficaram satisfeitos. O líder argelino, Abdelmadjid Tebboune, retirou-se da cimeira do Cairo. A agência noticiosa oficial do país informou que estava "profundamente perturbado" depois de os membros do Conselho de Cooperação do Golfo se terem reunido com os líderes jordanos e egípcios em Riade, a 21 de fevereiro, para uma "mini-cimeira" sobre Gaza.
A Argélia afirmou que isto equivale a "um processo monopolizado por um grupo e limitado (...) como se o apoio à causa palestiniana se tornasse um direito exclusivo de alguns".
Entretanto, os líderes de alguns dos países a quem a Argélia apontou o dedo também se mantiveram afastados. O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed Bin Salman, e o líder dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed Al Nahyan, não estiveram presentes no Cairo.
Alghannam atribui este facto, em parte, ao dinheiro. "Ambos os líderes estiveram no centro das discussões anteriores, sobretudo em Riade, e podem ter considerado a cimeira do Cairo menos decisiva ou redundante. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, com a sua influência económica e política significativa, podem preferir exercer influência em contextos mais pequenos e mais controlados", disse, mencionando a reunião de Riade.
Schenker foi mais direto na sua análise. "Estes países, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos em particular, já não são o multibanco do mundo árabe. E com os preços do petróleo a descerem para 70 dólares por barril, não creio que se sintam particularmente bem hoje em dia", disse.
No entanto, apesar dos desacordos e da ambiguidade que persiste, Fakih e muitos outros continuam a ver a proposta da Liga Árabe, apoiada por unanimidade, como uma conquista e como algo a partir do qual se pode trabalhar no futuro.
"É um ponto de partida para a discussão", concluiu Fakih, "vejo-a como uma moeda de troca".