Os profissionais de saúde não se sentem seguros. Na sequência de um ataque fatal feito por um doente a um médico do Hospital Universitário de Cracóvia, analisamos o ambiente em que trabalham os profissionais de saúde noutros países europeus e se estão a ser tomadas medidas para quaisquer agressões.
A Organização Mundial de Saúde refere que até 38% dos profissionais de saúde são vítimas de violência física em algum momento das suas carreiras e muitos mais estão expostos a violência verbal e online.
Na Europa, o número de ataques a profissionais de saúde tem vindo a aumentar desde há vários anos.
A situação no velho continente é monitorizada pelo Comité Permanente dos Médicos Europeus, entre outros.
"Quando os médicos são expostos à violência no local de trabalho, os efeitos vão muito além dos danos diretos. É afetado o seu bem-estar mental e físico, a sua motivação é esgotada e isso afasta os profissionais de saúde do seu trabalho numa altura em que os serviços de saúde mais precisam deles", salienta o presidente do Comité, Ole Johan Bakke.
Este tipo de agressão pode ter consequências devastadoras, incluindo lesões físicas, impactos na saúde mental e, nos casos mais extremos, até a morte, sublinha o Comité.
Espanha, um registo sombrio
Em Espanha, em 2024, o número de ataques a médicos atingiu um nível alarmante: 847, ou seja, um ataque a cada dez horas.
As vítimas de atos violentos foram, na sua esmagadora maioria, mulheres (78%), nos cuidados primários ou fora do hospital.
A categoria profissional mais afetada pela violência foi a dos médicos, seguida dos enfermeiros e do pessoal istrativo.
Nos últimos quinze anos, o Observatório da Ordem dos Médicos (OMC) registou 8108 agressões.
De acordo com o estudo do MAC, as razões que levam as pessoas a agredir os profissionais de saúde são geralmente discrepâncias nos cuidados médicos, relatórios médicos com os quais o doente não concorda, desacordos sobre as baixas por doença ou a não prescrição dos medicamentos de que o doente necessita.
A maioria destas agressões (20%) deve-se aos longos tempos de espera.
A polícia espanhola sublinha que o aumento do número de denúncias recebidas em 2024 não representa um aumento das agressões, mas sim o resultado de uma maior sensibilização dos profissionais de saúde para a importância da denúncia e da adoção de uma atitude de tolerância zero em relação a qualquer tipo de violência perpetrada por doentes e os seus familiares ou acompanhantes.
França - o número de agressões está a aumentar
De acordo com o relatório do Observatório da Segurança dos Médicos, publicado anualmente pela Ordem dos Médicos sa, o número de agressões e incidentes comunicados pelos médicos aumentou 27% em 2023.
Foram registados 1 581 incidentes através de formulários de notificação de incidentes preenchidos por médicos, principalmente médicos de clínica geral.
Em 2022, o número foi de 1244.
73% dos ataques registados são ataques verbais, ameaças ou insultos. Oito por cento dos casos são ataques físicos.
O relatório menciona, entre outros, um médico em Marselha que foi mordido por um doente e um médico em Lille que foi baleado duas vezes na coxa.
Em 62% dos incidentes registados, o agressor é o doente. Os motivos mais comuns estão relacionados com uma queixa sobre os cuidados de saúde, a recusa de ar uma receita ou tempos de espera considerados demasiado longos.
São sobretudo os médicos de família que são agredidos (64%), mais frequentemente as mulheres (56%).
No que respeita aos especialistas, os psiquiatras são as primeiras vítimas, seguidos dos oftalmologistas, dos especialistas em medicina do trabalho, dos ginecologistas e dos cardiologistas, especialidades difíceis de contratar.
Bélgica - aumento das penas para os agressores
Um inquérito recente do Conselho Internacional de Enfermeiros, do Comité Internacional da Cruz Vermelha, da Federação Internacional dos Hospitais e da Associação Médica Mundial revelou que os episódios de violência contra o pessoal médico aumentaram durante a pandemia. 60% dos inquiridos indicaram este facto.
Há vários anos que a Ordem dos Médicos belga está preocupada com o aumento das agressões físicas e verbais contra os profissionais de saúde. Em 2022, foram registados mais de 70 casos de agressão, o número mais elevado desde 2016.
Para fazer face a este problema, estão a ser introduzidas sanções mais severas.
Nos termos do Código Penal, os atos de violência contra uma pessoa que exerça uma função social, como um enfermeiro, um motorista de ambulância, um farmacêutico ou um médico (e se a infração for cometida no âmbito dessa função), serão severamente punidos. Quando um prestador de cuidados, por exemplo, é vítima de um ferimento que o impede de trabalhar durante quinze dias ou mais, o infrator incorre numa pena de prisão de três a cinco anos.
Grécia - mais proteção jurídica para os médicos
A Grécia está a tomar uma posição firme contra a violência exercida sobre os profissionais de saúde. Para o efeito, introduziu sanções mais severas no Código Penal em 2024. A nova lei reforça a proteção jurídica dos médicos, enfermeiros, paramédicos e doentes nos hospitais.
O Presidente da Associação Médica Pan-helénica (Panhellenic Medical Association), Athanasios Exadaktylos, sublinhou a importância de combater a violência contra os profissionais de saúde e o impacto negativo que esta tem tanto no pessoal médico como nos doentes. Exadaktylos defende que um profissional de saúde sob stress ou assustado não pode prestar os melhores cuidados.
Em setembro de 2024, a Associação Médica Pangreve propôs ao ministro da Saúde uma série de medidas para combater o problema crescente da violência contra o pessoal médico nos hospitais gregos nos últimos cinco anos.
Entre as propostas, conta-se a criação de um observatório da violência. Este observatório ficará sob a supervisão conjunta do ministério e da associação, que registará os incidentes e estabelecerá regras para evitar fenómenos semelhantes.
Além disso, foi feito um apelo à contratação de pessoal médico e de enfermagem permanente para os serviços de saúde, a fim de reduzir os tempos de espera dos doentes, bem como à melhoria do funcionamento e do pessoal dos serviços de urgência organizados em todos os hospitais públicos.
Para além da mobilização da polícia e da instauração de processos judiciais pelas istrações hospitalares contra os agressores violentos, foi também proposta a introdução de botões de emergência e fechaduras eletrónicas nas clínicas.
Bulgária - um em cada dois médicos foi vítima de agressão
Um em cada dois médicos na Bulgária já foi vítima de um comportamento agressivo, tendo 11% dos médicos sido objeto de agressão física por parte dos seus doentes ou dos seus familiares e 49% de agressão verbal.
No entanto, cerca de metade dos doentes (47%) considera que os médicos são culpados de agressão contra eles e quase um quinto (17%) acredita que o comportamento agressivo contra um representante dos serviços de saúde pode levar a um exame mais rápido, de acordo com os dados da Agência Sociológica "Trend" de um inquérito realizado no final de 2024 em nome da Associação Médica Búlgara.
Ao mesmo tempo, há anos que existe na Bulgária uma linha direta para denunciar atos de violência contra médicos. No entanto, o problema continua a existir, embora, segundo os analistas, a tendência esteja a diminuir em comparação com os dados anteriores a 2024.
Eis alguns exemplos que se tornaram bem conhecidos nos meios de comunicação social búlgaros: em março, um homem de 43 anos foi detido depois de ter dado um murro a um médico no serviço de urgência de um hospital em Ruse. O doente gritou com a equipa médica e agrediu um dos médicos.
Por outro lado, em agosto do ano ado, uma enfermeira foi atacada e esfaqueada por um doente durante um exame na policlínica 22, no distrito de Izgrev, na capital.
Até um representante da istração do Estado esteve envolvido num escândalo semelhante. Em agosto de 2023, um conselheiro do então ministro da Defesa da Bulgária gritou e ameaçou um médico no maior hospital de urgência de Sófia. Ameaçou os médicos de despedimento e abusou da sua posição profissional. Mais tarde, foi afastado do seu cargo.
Um problema mundial
Estes são apenas alguns exemplos, mas os dados recolhidos em vários países mostram que o problema já se tornou não apenas europeu, mas mundial.
Em 2022, na Macedónia do Norte, 78% dos médicos declararam ter sido vítimas de alguma forma de violência no local de trabalho. Destes médicos, 80% tinham sido expostos a violência verbal e 6,8% tinham sido vítimas de violência física. Quase 70% destas agressões nunca foram comunicadas.
Os dados de 2023 mostram que 85% dos médicos sofrem de violência na China, 75% na Índia e 47% nos EUA.
Razões para o aumento da agressão
Os investigadores e a própria comunidade médica estão a tentar analisar as razões pelas quais a violência contra os profissionais de saúde, em sentido lato, está a aumentar em muitas latitudes.
Num relatório elaborado por investigadores da Universidade de Medicina de Ankara (Turquia) e da Universidade de Medicina de Plovdiv (Bulgária), os fatores que desencadeiam os comportamentos violentos são, entre outros, os cuidados de saúde mal financiados em cada país, a má comunicação entre médico e doente, um sistema de saúde inadequado, a insatisfação do doente com o tratamento ou o diagnóstico e as discrepâncias entre médicos no diagnóstico e no tratamento.
Os investigadores apontam também o elevado custo dos seguros de saúde, os longos tempos de espera e as salas de espera cheias ou a diminuição da confiança nos médicos causada pela comercialização dos cuidados médicos.
Segundo os peritos, a opinião popular em muitos países de que os salários dos médicos são excecionalmente elevados também contribui para o aumento das manifestações de agressão contra este grupo profissional.
Dia Europeu contra a Violência contra os Médicos
Em resposta ao aumento da violência contra os médicos, o Dia Europeu contra a Violência contra os Médicos e os Profissionais de Saúde é celebrado a 12 de março desde 2020.
A partir de 2023, foi introduzido um questionário europeu normalizado para a comunicação de casos de violência, sob a supervisão do Observatório Europeu da Violência. Os dados aí recolhidos enchem-nos de pessimismo: a violência contra os médicos está a aumentar.
"A proteção dos médicos contra a violência é crucial para garantir a sua segurança, mas também para assegurar o futuro dos próprios cuidados de saúde. No Dia Europeu de Sensibilização para a Violência contra Médicos e Profissionais de Saúde, reafirmamos o nosso empenhamento em resolver este problema urgente juntamente com os nossos parceiros, incluindo as Organizações Médicas Europeias", sublinhou Ole Johan Bakke, há algumas semanas.