"Não quero conduzir as nossas conversações de adesão à União Europeia com base no medo", disse a primeira-ministra islandesa, Kristrún Frostadóttir, numa entrevista à Euronews.
As fortes mudanças que estão a abalar a ordem geopolítica, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia até à guerra comercial desencadeada por Donald Trump, vão influenciar o plano da Islândia de realizar um referendo sobre a adesão à União Europeia até 2027, afirmou a primeira-ministra do país, Kristrún Frostadóttir, sublinhando a necessidade de realizar um debate "equilibrado" sobre esta decisão.
"Antes de 2027, queremos ver se o país quer reabrir estas negociações (de adesão). E tenho a certeza que a atual situação geopolítica vai afetar isso", disse Frostadóttir à Euronews, durante uma visita oficial a Bruxelas, na quarta-feira.
"A minha maior preocupação é não sermos capazes de ter um bom debate sobre o que significa abrir as negociações, termos um debate polarizado".
Questionada sobre se a Islândia se sentiria mais segura dentro do bloco, a primeira-ministra disse que o país já se sente seguro "onde estamos agora" e sugeriu que as deliberações sobre a adesão englobem um leque mais alargado de temas, como o comércio, a economia, as finanças e a cultura.
"A UE não é em si mesma uma aliança de defesa, apesar de a estar a construir", disse, referindo-se à iniciativa de rearmamento do bloco de 800 mil milhões de euros.
"Devemos aderir à UE como parte de um quadro mais alargado. Não quero conduzir as nossas negociações de adesão à UE com base no medo", acrescentou.
"Mas é claro que a segurança vai estar em causa. E, nas próximas semanas e meses, podemos assistir a uma série de mudanças que podem afetar esta questão."
A Islândia apresentou o seu primeiro pedido de adesão à UE em 2009 e iniciou as negociações com Bruxelas no ano seguinte. No entanto, o pedido foi retirado em 2015. Ainda assim, a ilha continua a fazer parte do Espaço Schengen e do Espaço Económico Europeu (EEE), para além de ter uma legislação estreitamente alinhada com as regras do bloco.
O governo de Frostadóttir, que tomou posse em dezembro do ano ado, pretende submeter a questão da retoma das negociações de adesão a um referendo, o mais tardar em 2027. O Governo também prometeu formar um de especialistas independentes para analisar as possíveis vantagens e desvantagens da adoção do euro.
"Da última vez que ámos por este processo, não houve uma votação inicial que perguntasse aos cidadãos se queriam iniciá-lo", disse Frostadóttir. "Penso que isso foi um erro".
O apoio à adesão à UE entre os cidadãos islandeses tem vindo a aumentar de forma constante.
Uma sondagem da empresa Prósent, divulgada em janeiro, revelou que 45% dos inquiridos são a favor da adesão, 35% são contra e 20% não são nem a favor nem contra. Entretanto, uma percentagem mais elevada, 58%, apoiava a realização de um referendo sobre o reinício das negociações de adesão e 53% eram favoráveis à adoção de uma nova moeda.
Sob a sombra de Trump
A Islândia, tal como outros países europeus, está atualmente a sentir o aperto das frentes abertas a Leste pela agressão da Rússia e a Oeste pelas políticas perturbadoras de Trump.
A Casa Branca aplicou ao país, considerado rico e com menos de 400 mil habitantes, uma tarifa de base de 10%. Isto significa que foi poupado às chamadas "tarifas recíprocas" que Trump impôs aos "piores infratores" e cujos valores variam. As taxas "recíprocas" entraram em vigor esta quarta-feira de manhã.
A UE foi atingida com uma taxa de 20%, que Bruxelas considera "não justificada nem credível". A Comissão Europeia quer encontrar uma "solução negociada" com a istração Trump, mas prometeu retaliar duramente se as negociações falharem. A União Europeia está a preparar uma primeira série de contramedidas.
A Islândia, por seu lado, vai abster-se de se envolver numa retaliação.
"Não vamos responder com os nossos próprios direitos aduaneiros. Acreditamos no comércio livre. Somos uma economia pequena", disse Frostadóttir na entrevista. "Esperamos que estas tarifas sejam reduzidas".
"A nossa maior preocupação agora é uma escalada desta situação porque, obviamente, a maior parte do nosso comércio vai para a Europa. Somos muito dependentes das exportações e das importações. Por isso, tudo o que possa afetar os preços e a forma como fazemos negócios vai afetar a nossa economia", acrescentou.
A primeira-ministra afirmou respeitar "o facto de a UE ter de bater o pé" e demonstrar "força" face a Washington, mas insistiu que qualquer medida de retaliação deve evitar infligir dor aos vizinhos do bloco.
"Precisamos também de uma mensagem clara da UE de que também respeita a relação com os seus principais parceiros comerciais", afirmou. "É importante que a UE mostre que somos verdadeiramente parceiros no mercado interno e que o comércio não vai ser afetado".
Frostadóttir também falou sobre as ameaças colocadas pela agenda expansionista de Trump, em particular do desejo de anexar a Gronelândia, uma ilha rica em minerais que pertence ao Reino da Dinamarca. Trump não excluiu o recurso à coerção económica ou à força militar para se apoderar deste território semiautónomo.
"É preocupante. Eu diria que é gravemente preocupante", disse a primeiro-ministra.
"Somos uma nação totalmente ártica. O Ártico é a nossa casa. Para nós, não é apenas um conceito nas relações internacionais. É onde vivemos. E temos laços muito fortes com o povo da Gronelândia. Por isso, isto é muito preocupante".
As tensões em torno da Gronelândia atingiram um novo nível na semana ada, quando o vice-presidente dos EUA, JD Vance, e a mulher, Usha Vance, visitaram o território sem serem convidados pelo Governo local. Vance criticou a Dinamarca por ter "subinvestido" na Gronelândia e disse que os EUA não tinham "outra opção" senão aumentar a presença na ilha.
"A nossa mensagem para a Dinamarca é muito simples: não fizeram um bom trabalho para o povo da Gronelândia", afirmou Vance.
A primeira-ministra islandesa afirmou que este "tipo de conversa" não deve ser "considerada respeitável" e manifestou o apoio ao direito da Gronelândia à autodeterminação. A primeira-ministra também alertou para a presença crescente da Rússia na região do Ártico.
"Pequenos países como a Islândia prosperam com o facto de existir um direito internacional e de as fronteiras serem respeitadas", afirmou.
O Ártico é "suposto ser uma zona pacífica. Foi sempre assim que tentámos mantê-lo. No entanto, não podemos ser ingénuos quanto ao facto de existirem muitos interesses envolvidos".
Em menos de três meses, a abordagem de Trump ao comércio, à Gronelândia e à guerra da Rússia na Ucrânia mergulhou as relações UE-EUA num mínimo histórico. Esta transformação apanhou pelo meio os países da periferia do bloco, como a Islândia, a Noruega e o Reino Unido.
"A Islândia vive da unidade transatlântica existente", afirmou a primeiro-ministra.
"Está a mudar. Está a mudar, sem dúvida", itiu. "Essa incerteza é desconfortável. É desconfortável para muitas pessoas".