Cerca de 100 obras retratam a vida e obra do artista italiano.
Foi no Palácio Albergati, em Bolonha, uma nova exposição dedicada ao artista italiano Antonio Ligabue. Animais ferozes, paisagens vibrantes e numerosos auto-retratos podem ser apreciados até a 30 de março de 2025.
As obras deste artista marginalizado e autodidata interpelam os espectadores com o imediatismo das suas cores intensas. “São verdadeiros rugidos de cor. É a sua alma que se exprime através desta grande capacidade de estruturar uma imagem através do uso da cor, e fá-lo com violência, com ardor, com paixão, pondo toda a sua alma nisso”, diz sca Villanti, historiadora de arte e curadora da exposição.
Lince em exposição pela primeira vez
Pela primeira vez, os visitantes poderão irar uma pintura de um lince e um conjunto de desenhos redescoberto. Os trabalhos foram feitos enquanto Ligabue estava hospedado no último período da sua vida na estalagem gerida pela família de “Cesarina”, o amor platónico da sua vida.
Guardados durante décadas numa coleção privada, os trabalhos contêm representações detalhadas de animais. Cada desenho é acompanhado da imagem de referência que o inspirou, oferecendo uma visão sem precedentes do seu processo criativo.
Também em exposição está um álbum de figurinhas Liebig de 1954, recentemente descoberto, que Ligabue costumava consultar e no qual se inspirava para a representação de vários animais nas suas obras.
“Para ele, não há diferença entre ele e os animais. Sentia-se como um animal e tinha uma forte ligação tanto com os animais domésticos, que considerava seus amigos, como com os animais ferozes, com os quais tentava estabelecer laços. Tentava identificar-se com os animais ferozes, gritando, tentando imitar os ruídos que imaginava que os animais pudessem fazer”, diz Villanti.
A exposição parte do primeiro período, entre 1927 e 1939, em que as cores são ainda muito suaves e diluídas e os temas estão sobretudo relacionados com a vida rural, até ao último e mais prolífico período, entre 1952 e 1962, em que a sua técnica se torna vigorosa, ao ponto de a imagem se destacar claramente do resto da cena.
Neste último período, realiza numerosos auto-retratos, que variam consoante os seus estados de espírito. As suas obras, caracterizadas por cores vivas e pinceladas vigorosas, revelam um universo pictórico intenso, em que a natureza e os animais assumem qualidades quase míticas.
Quem foi António Ligabue, o pintor naïf
Nascido em Zurique, em 1889, de mãe de origem italiana e pai desconhecido, foi imediatamente entregue para adoção a uma família suíça. Na adolescência, começou a manifestar problemas psiquiátricos, o que levou ao seu primeiro internamento num colégio interno, em 1913.
Em 1917, após uma agressão à sua mãe adotiva, foi internado numa clínica psiquiátrica e depois expulso da Suíça e enviado para Gualtieri, a pequena aldeia italiana de onde era originário o seu padrasto.
Ligabue não falava italiano, tinha tendência para a cólera e era incompreendido pelos seus pares.
Foi apelidado de “el Matt” (o louco) pelos habitantes de Gualtieri, que rejeitaram os seus quadros e o seu valor artístico, deixando-o alienado e sozinho. Após anos de deambulação atormentada e inquieta, em que vivia dos poucos subsídios públicos disponíveis e se refugiava na arte para exprimir o seu desconforto existencial, conhece o artista Renato Marino Mazzacurati, que pressente o seu talento e o ensina a utilizar as cores.
Foi em 1948 que começou a mostrar os seus trabalhos em pequenas exposições e, sob a orientação de Mazzacurati, obteve algum reconhecimento e começou a ganhar dinheiro. Mas o sucesso é de curta duração. Depois de se permitir apenas alguns luxos, em 1962 foi atingido por uma paresia e hospitalizado, falecendo a 27 de maio de 1965. Nos últimos anos da sua vida, Ligabue foi apreciado e compreendido por importantes críticos e académicos, para cair no esquecimento após a sua morte.
Durante muito tempo, foi rotulado de pintor ingénuo - uma definição que acabou por desvalorizar o seu verdadeiro valor artístico - e Ligabue permaneceu na sombra, uma figura de nicho conhecida apenas por alguns entusiastas. Mas nas últimas décadas, graças ao interesse renovado da crítica e das instituições, o seu valor como artista autêntico e original foi plenamente reconhecido.