{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/my-europe/2020/09/25/gestacao-de-substituicao-solucao-ou-negocio" }, "headline": "Gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o: solu\u00e7\u00e3o ou neg\u00f3cio", "description": "Um v\u00eddeo oriundo da Ucr\u00e2nia nas primeiras semanas do confinamento relan\u00e7ou o debate sobre as barrigas de aluguer. Mostramos-lhe o que est\u00e1 em jogo", "articleBody": "O recurso \u00e0 gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o voltou a dividir opini\u00f5es este ano quando o confinamento \u00e0 escala quase mundial veio revelar o caso de dezenas de beb\u00e9s retidos na Ucr\u00e2nia \u00e0 espera dos chamados pais de inten\u00e7\u00e3o. Falava-se de \u0022 barrigas de aluguer \u0022, uma pr\u00e1tica legal na Ucr\u00e2nia e noutros pa\u00edses do Leste da Europa, mas n\u00e3o em Portugal, onde entre 2017 e 2018 foi poss\u00edvel recorrer a uma barriga de substitui\u00e7\u00e3o, mas sem qualquer interesse comercial. H\u00e1 quatro anos, o Parlamento Portugu\u00eas aprovou a gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3 o, permitindo, por exemplo, a casais homossexuais poder ter filhos recorrendo a barrigas externas aos parceiros de forma altru\u00edsta, isto \u00e9, sem troca de dinheiro mesmo na forma de doa\u00e7\u00e3o. Mas em 2018, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais parte da lei , em particular a impossibilidade de a gestante (a mulher que concorda gerar um filho para terceiros) poder impor os seus direitos maternais at\u00e9 ao momento da entrega da crian\u00e7a. Decis\u00e3o reiterada no ano ad o. \u0022 Atualmente n\u00e3o existe (em Portugal) enquadramento legal que regule a gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o em Portugal, pelo que n\u00e3o \u00e9 legal a pr\u00e1tica desta t\u00e9cnica \u0022, l\u00ea-se no site do Conselho Nacional de Procria\u00e7\u00e3o Medicamente Assistida . O Bloco de Esquerda e o Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza (PAN) apresentaram, entretanto, novos projetos-lei sobre a gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o. \u0022As iniciativas j\u00e1 receberam o parecer da Comiss\u00e3o de Sa\u00fade e nota t\u00e9cnica elaborada dos servi\u00e7os de apoio e a discuss\u00e3o deve come\u00e7ar em breve\u0022, l\u00ea-se no portal da Ordem dos Advogados, em nota publicada no in\u00edcio de setembro sobre a reatamento dos trabalhos na Assembleia da Rep\u00fablica . As imagens divulgadas em abril deste ano provenientes da Ucr\u00e2nia revelavam uma outra realidade de pais impossibilitados de gerar filhos, mas determinados a \u0022mundos e fundos\u0022 para o conseguir: as barrigas de aluguer. O princ\u00edpio \u00e9 o mesmo da gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o, mas, como o nome indica, trata-se de um neg\u00f3cio e envolve um pre\u00e7o para o servi\u00e7o prestado. Uma reportagem da TVI, emitida no in\u00edcio deste ano, intitulava-se \u0022portugueses pagam 40 mil euros por barrigas de aluguer na Ucr\u00e2nia\u0022 e sugeria o aumento do n\u00famero de casais portugueses que teriam come\u00e7ado a deslocar-se \u00e0quele pa\u00eds da Europa de leste para realizar o sonho de ter filhos depois de o Tribunal Constitucional lhes ter bloqueado a hip\u00f3tese em Portugal. O neg\u00f3cio das barrigas de aluguer As not\u00edcias surgidas da Ucr\u00e2nia de dezenas de beb\u00e9s retidos numa maternidade privada \u00e0 espera de serem entregues aos pais de inten\u00e7\u00e3o devido ao confinamento provocado pela pandemia de Covid-19 gerou um protesto internacional. Eram beb\u00e9s nascidos na Ucr\u00e2nia e com bilhetes de ida para pa\u00edses como Estados Unidos, It\u00e1lia, Fran\u00e7a, Alemanha, M\u00e9xico, Argentina e Portugal, mas os pais de inten\u00e7\u00e3o estavam impedidos de viajar para os recolherem. A Euronews foi a Kyiv visitar as instala\u00e7\u00f5es da BiotexCom, a ag\u00eancia ucraniana de procria\u00e7\u00e3o medicamente assistida, de onde tinha surgido o tal v\u00eddeo. As potenciais barrigas de aluguer inscrevem-se todos os dias e a ag\u00eancia regista mais de 300 nascimentos por ano. O dono da empresa orgulha-se de estar \u00e0 frente da \u00fanica empresa da Europa a garantir resultados aos clientes, garantiu-nos. \u0022Alguns casais escolhem o sexo do beb\u00ea. \u00c9 proibido em muitos pa\u00edses da Uni\u00e3o Europeia, mas aqui n\u00e3o temos esse limite. Esperamos que a lei permita tecnologias mais precisas, como o CRISPR, para que se possa escolher tamb\u00e9m a cor dos olhos ou certas qualidades da crian\u00e7a\u0022, desejou Albert Tochilovsky, o diretor e propriet\u00e1rio da BiotexCom. Muitas vezes acusado de pr\u00e1ticas sem escr\u00fapulos, o dono da ag\u00eancia tem enfrentado v\u00e1rias investiga\u00e7\u00f5es judiciais. Mas rejeita todas as cr\u00edticas. \u0022Pa\u00edses que j\u00e1 proibiram a fertiliza\u00e7\u00e3o in vitro dizem agora que at\u00e9 2025 o terceiro filho vai nascer de um tubo de ensaio. Estamos a entrar na economia p\u00f3s-industrial. Barrigas de aluguer, chips ligados ao c\u00e9rebro. Isto \u00e9 o futuro\u0022, aponta. As barrigas de aluguer s\u00e3o proibidas em 8 pa\u00edses europeus, incluindo Portugal. S\u00e3o toleradas noutros por falta de leis e s\u00e3o permitidas no Reino Unido e na Gr\u00e9cia numa base n\u00e3o comercial. Juntamente com a R\u00fassia, a Ucr\u00e2nia \u00e9 um dos poucos pa\u00edses onde as barrigas de aluguer com fins comerciais s\u00e3o permitidas por lei. A Ucr\u00e2nia tornou-se um destino visto pelas ag\u00eancias especializadas como mais \u00edvel e sobretudo mais em conta do que os Estados Unidos, o pa\u00eds de refer\u00eancia para a gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o, num mercado global estimado em mais de 5 mil milh\u00f5es de d\u00f3lares. Nos \u00faltimos cinco anos, mais de 4 mil beb\u00e9s nasceram de barrigas de aluguer na Ucr\u00e2nia e 90 por cento destas crian\u00e7as t\u00eam pais estrangeiros. Para o Comiss\u00e1rio da presid\u00eancia ucraniana para os Direitos das Crian\u00e7as, este \u00e9 um mercado que explora e viola os direitos das mulheres e das crian\u00e7as. Mykola Kuleba diz que, embora permitida por lei, a gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o \u00e9 mal regulada e aberta a m\u00e1s pr\u00e1ticas por parte de ag\u00eancias e intermedi\u00e1rios que florescem no pa\u00eds. A nossa equipa deslocou-se tamb\u00e9m \u00e0 cidade de Vinnytsia, cerca de 300 km a sudoeste de Kyiv, onde vive Olga Kicena, treinadora e campe\u00e3 de body building e barriga de aluguer de um menino que nasceu em julho, para um casal chin\u00eas. Olga foi a \u00fanica barriga de aluguer com quem \u00e1mos e que aceitou falar connosco sem tapar a cara. Diz que nunca se sentiu explorada e que o acompanhamento m\u00e9dico foi impec\u00e1vel. Ser barriga de aluguer foi a forma de Olga e a filha de 13 anos, Alysa, mudarem de vida. \u0022Aceitei para poder comprar uma pequena casa e n\u00e3o ter de viver mais com a minha m\u00e3e. De outra forma, teria de trabalhar aqui durante muito tempo ou ir trabalhar para o estrangeiro. N\u00e3o queria deixar a minha filha com a av\u00f3 nem com outra pessoa, por isso n\u00e3o pensei muito e optei por entrar num programa de barrigas de aluguer para, num ano, poder comprar uma casa\u0022, explicou-nos a desportista. Olga ite t\u00ea-lo feito \u0022por dinheiro\u0022, de in\u00edcio, mas quando engravidou sentiu que \u0022estava a criar uma fam\u00edlia para algu\u00e9m\u0022. \u0022Os meus pensamentos mudaram. O dinheiro \u00e9 bom, mas dar vida a algu\u00e9m \u00e9 ainda melhor\u0022, garantiu-nos. Quisemos perceber se tinha sido f\u00e1cil separar-se da crian\u00e7a depois de a carregar na barriga durante 9 meses. Olha respondeu-nos com pragmatismo. A filha Alysa assume-se \u0022orgulhosa\u0022 pelo que Olga fez: \u0022A minha m\u00e3e deu origem a uma nova vida. Isso \u00e9 \u00f3ptimo e, para mim, \u00e9 positivo.\u0022 \u00daltimo recurso para a infertilidade Em Fran\u00e7a , onde tamb\u00e9m muitos casais escolheram barrigas de aluguer na Ucr\u00e2nia, conhecemos C\u00e9line e Maxence Roussel, dois agentes imobili\u00e1rios casados h\u00e1 uma d\u00e9cada. Depois de descobrirem a infertilidade de C\u00e9line, tentaram durante anos ter um filho atrav\u00e9s de reprodu\u00e7\u00e3o assistida . A gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o foi o \u00faltimo recurso, depois de muitas tentativas falhadas de insemina\u00e7\u00e3o e fertiliza\u00e7\u00e3o in vitro . O casal foi este ver\u00e3o para a Ucr\u00e2nia. Dizem ter recebido da ag\u00eancia garantias de seriedade e seguran\u00e7a. Tanto para eles como para a barriga de aluguer. \u0022 Qualquer pessoa que pense tratar-se apenas de pagar e isso \u00e9 suficiente para ter uma crian\u00e7a, est\u00e1 errada. N\u00e3o \u00e9, de todo. \u00c9 preciso ter um problema real e raz\u00f5es m\u00e9dicas para podermos ter o a uma gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o na Ucr\u00e2nia \u0022, garantiu-nos Maxence Roussel. C\u00e9line acrescenta que n\u00e3o se tratou de \u0022comprar uma barriga, nem um servi\u00e7o\u0022. \u0022Existem verdadeiras raz\u00f5es m\u00e9dicas que s\u00e3o verificadas. Para Maxence, que doa o esperma, h\u00e1 um exame de sa\u00fade. Para mim, \u00e9 necess\u00e1rio um atestado m\u00e9dico a provar que sou est\u00e9ril e incapaz de ter um filho\u0022, argumentou. Esta m\u00e3e de inten\u00e7\u00e3o sa tem \u0022a impress\u00e3o de que por vezes as pessoas pensam que o filho de algu\u00e9m \u00e9 roubado\u0022, mas sublinha que essa ideia \u0022\u00e9 completamente falsa porque a m\u00e3e de aluguer carrega uma crian\u00e7a que n\u00e3o \u00e9 dela\u0022. \u0022N\u00e3o \u00e9 a m\u00e3e porque o beb\u00e9 n\u00e3o tem a sua heran\u00e7a gen\u00e9tica. S\u00e3o utilizados os ov\u00f3citos da futura m\u00e3e, quando \u00e9 poss\u00edvel, ou de uma doadora, se necess\u00e1rio. Mas n\u00e3o s\u00e3o os ov\u00f3citos da m\u00e3e biol\u00f3gica\u0022, garantiu-nos C\u00e9line. C\u00e9line e Maxence endividiram-se para tornar o sonho realidade: vai custar-lhes cerca de 70 mil euros, mas nem o pre\u00e7o nem a lei os poderiam dissuadir. Para este casal , a gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o deveria ser legal em Fran\u00e7a, tal como outras t\u00e9cnicas de reprodu\u00e7\u00e3o assistida. \u0022Para mim, a gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o \u00e9 uma t\u00e9cnica como outra qualquer. H\u00e1 mulheres que nascem sem \u00fatero ou com anomalias uterinas graves. Porque \u00e9 que devem ser penalizadas quando outros casais, com mulheres que t\u00eam problemas nos ov\u00f3citos ou homens nos espermatozoides, podem ser ajudados?\u0022, questionou. Maxence agrega que o est\u00e1 em causa s\u00e3o \u0022projetos de vida de pessoas\u0022. \u0022Estamos a falar de um pequeno beb\u00e9 de 30 cent\u00edmetros, um pouco mais, que todos os dias muda a vida de muitos casais. Porque n\u00e3o a nossa? Algu\u00e9m me pode explicar? Por que \u00e9 que n\u00f3s n\u00e3o temos esse direito?\u0022, questiona tamb\u00e9m este pai de inten\u00e7\u00e3o franc\u00eas. Explora\u00e7\u00e3o da mulher contra a tradi\u00e7\u00e3o A resposta dos que est\u00e3o contra as barrigas de aluguer \u00e9 intransigente. Dizem que o com\u00e9rcio explora as mulheres e desafia a no\u00e7\u00e3o de filia\u00e7\u00e3o tradicional . Argumentos partilhados por parte da classe intelectual sa e inclusive por Ren\u00e9 Frydman, um dos ginecologistas mais conhecidos em Fran\u00e7a. Pai cient\u00edfico do primeiro beb\u00e9 nascido da fertiliza\u00e7\u00e3o in vitro no pa\u00eds, h\u00e1 38 anos, Frydman lutou pelo direito das mulheres solteiras e dos casais de l\u00e9sbicas terem o \u00e0 reprodu\u00e7\u00e3o medicamente assistida, mas para ele, as barrigas externas ou de substitui\u00e7\u00e3o s\u00e3o uma linha vermelha que n\u00e3o pode ser ultraada. Ren\u00e9 Frydman diz preferir \u0022centrar os esfor\u00e7os em melhorar as t\u00e9cnicas de reprodu\u00e7\u00e3o assistida e na pesquisa m\u00e9dica para reduzir a infertilidade\u0022. A ci\u00eancia n\u00e3o pode nem deve resolver tudo, sublinha. \u0022N\u00e3o podemos sobrevalorizar a gen\u00e9tica. Nem sempre temos a resposta. Nem podemos ir al\u00e9m de certos principios para termos resposta para todos. Cerca de 40% dos casais que nos procuram nunca ter\u00e3o os filhos que desejam. Temos de aceitar que n\u00e3o podemos fazer tudo a qualquer custo\u0022, defende o famoso obstetra. \u0022Os estudos continuam\u0022, prossegue Frydman, revelando estar agora a ser desenvolvido \u0022o transplante de \u00fateros\u0022. \u0022N\u00e3o ser\u00e1 uma solu\u00e7\u00e3o para todos, \u00e9 complicado. De onde vem o \u00fatero? Quem \u00e9 o d\u00e1? Tudo isto n\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil, mas pelo menos, n\u00e3o h\u00e1 aqui nenhum neg\u00f3cio envovido\u0022, garantiu-nos. Paternidade dependente de adop\u00e7\u00e3o No novo projeto-lei de bio\u00e9tica recentemente aprovado em Fran\u00e7a n\u00e3o est\u00e1 inclu\u00edda a autoriza\u00e7\u00e3o da gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o. H\u00e1, no entanto, uma recente emenda a confirmar a obriga\u00e7\u00e3o dos pretendentes a pais , sem qualquer liga\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica ao beb\u00e9 nascido no estrangeiro, de terem de ar por um processo de ado\u00e7\u00e3o para serem reconhecidos legalmente como pais da crian\u00e7a . Fomos conhecer outro casal franc\u00eas, Sylvie e Dominique Mennesson. Durante 19 anos, este casal lutou para ser reconhecido pela lei como pais de duas g\u00e9meas, nascidas numa gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o nos Estados Unidos. O certificado norte-americano de nascimento das crian\u00e7as n\u00e3o foi aceite pelos tribunais ses porque Sylvie, por sofrer de infertilidade, recorreu \u00e0 doa\u00e7\u00e3o de \u00f3vulos. A \u00fanica op\u00e7\u00e3o aceite pela justi\u00e7a seria a ado\u00e7\u00e3o, mas tal foi recusado pelo casal. \u0022 \u00c9 uma discrimina\u00e7\u00e3o entre o homem e a mulher, entre um pai e uma m\u00e3e. Considerar que a m\u00e3e \u00e9 a \u00fanica que d\u00e1 \u00e0 luz, \u00e9 recuar s\u00e9culos. \u00c9 a sacraliza\u00e7\u00e3o do parto em detrimento da educa\u00e7\u00e3o de uma crian\u00e7a, do desejo de ter uma crian\u00e7a, de estar na origem da crian\u00e7a e de ser o que se chama uma m\u00e3e de inten\u00e7\u00e3o . Isso, para n\u00f3s, n\u00e3o era aceit\u00e1vel\u0022, afirmou Sylvie Mennesson. Foram precisos anos de processos legais e uma decis\u00e3o do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos contra o Estado franc\u00eas, para que o Supremo Tribunal de Fran\u00e7a reconhecesse finalmente o casal como pais das g\u00e9meas. Um caso de jurisprud\u00eancia. Dezenas dos chamados pais de inten\u00e7\u00e3o conseguiram desde ent\u00e3o a completa transcri\u00e7\u00e3o dos certificados de nascen\u00e7a dos filhos gerados por barrigas de substitui\u00e7\u00e3o fora de Fran\u00e7a. Mas o novo projeto-lei pode vir a tornar a ado\u00e7\u00e3o obrigat\u00f3ria. Dominique diz \u0022correr ainda hoje por baixo do tapete uma tentativa de punir as crian\u00e7as e de fazer as pessoas acreditar que isso ir\u00e1 impedir os ses de recorrer ao estrangeiro.\u0022 \u0022Eles pensam que esse projeto-lei ser\u00e1 dissuasivo. N\u00e3o ser\u00e1, de todo. Quando as pessoas est\u00e3o decididas a ter filhos, est\u00e3o dispostas a mover montanhas e a fazer tudo para o conseguir . O que interessa \u00e9 o bem estar das crian\u00e7as. N\u00e3o \u00e9 normal que elas sejam discriminadas negativamente. As crian\u00e7as foram apelidadas de 'filhos fantasma' durante anos\u0022, recorda Sylvie, com Dominique a acrescentar o t\u00edtulo de \u0022os fantasmas da Rep\u00fablica\u0022. \u0022As crian\u00e7as existiam, mas n\u00e3o eram reconhecidas nem estavam registadas e isso complica a vida quotidiana. Tamb\u00e9m n\u00e3o \u00e9 normal ter que ir ao estrangeiro para ter filhos. A Fran\u00e7a podia muito bem ter aqui este processo, numa base altru\u00edsta e volunt\u00e1ria, para parar as falcatruas e estas ag\u00eancias sabe-se l\u00e1 de onde, que enganam os casais com mentiras\u0022, defendeu Sylvie. Dominique quer ar \u0022a mensagem de que o recurso a uma barriga externa \u00e9 uma aventura hmana e de relacionamento\u0022. \u0022Continuamos a ser grandes amigos da mulher maravilhosa que nos ajudou porque ela \u00e9 algu\u00e9m importante na nossa vida pelo gesto que teve. N\u00f3s tamb\u00e9m somos importantes para ela porque, juntos, fizemos algo de extraordin\u00e1rio\u0022, engrandeceu. Um sentimento partilhado tamb\u00e9m pelas filhas. Tal como os pais, elas tamb\u00e9m querem ver legalizado em Fran\u00e7a o recurso a barrigas externas. Valentina Mennsson assume-se porta-voz das irm\u00e3s e disse-nos: \u0022O facto de eu ter nascido desta forma n\u00e3o me afetou. O que me afetou foi o facto dos meus pais terem ado tanto tempo numa batalha legal, com reuni\u00f5es a toda a hora e a perder tempo com os nossos pap\u00e9is em vez de estarem a tomar conta de n\u00f3s. Parecia que nunca mais acabava. Foi saturante para eles porque estiveram sempre na linha da frente, mas tamb\u00e9m para n\u00f3s porque est\u00e1vamos sempre a v\u00ea-los cansados, revoltados e frustrados.\u0022 Valentina mostra ter uma ideia muito clara sobre o tema e defende que \u0022o recurso a uma gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o, quando \u00e9 feito em pa\u00edses onde est\u00e1 regulado e supervisionado, n\u00e3o \u00e9 uma escolha. \u0022\u00c9 uma solu\u00e7\u00e3o e traz alegria \u00e0s fam\u00edlias que n\u00e3o podem ter filhos por serem est\u00e9reis\u0022, concretiza. Integrar a gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o num quadro legal, protegendo tanto crian\u00e7as como adultos, \u00e9 o objetivo do recurso coletivo apresentado por uma centena de personalidades sas. Entre elas, a psicanalista Genevi\u00e9ve Delaisi de Parseval, para quem o modelo tradicional de fam\u00edlia deve ser revisto . Os dois pais de Anna Terminamos o nosso p\u00e9riplo em It\u00e1lia, onde a gesta\u00e7\u00e3o de substitui\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m \u00e9 proibida e, mais precisamente em Mil\u00e3o, onde Andrea Simone e Gianni Tofanelli vivem com a filha de seis anos, Anna. Ainda antes das uni\u00f5es civis serem autorizadas em It\u00e1lia para casais do mesmo sexo, eles casaram-se em 2013 nos Estados unidos, o pa\u00eds onde puderam alargar a fam\u00edlia atrav\u00e9s da gesta\u00e7\u00e3o numa barriga de substitui\u00e7\u00e3o. \u0022Para n\u00f3s, foi o coroar de um sonho de amor . Se algu\u00e9m me perguntar qual foi o dia mais belo da minha vida, eu direi: dois de agosto de dois mil e catorze. O dia em que ela nasceu. Finalmente, realizei o sonho de ter formado uma fam\u00edlia para todos os efeitos. Eu queria um filho. Ele queria um filho. E confesso: como foram plantados dois embri\u00f5es, poder\u00edamos ter tido g\u00e9meos, mas n\u00e3o aconteceu assim. Se fosse um pouco mais jovem, talvez fizesse outro filho\u0022, ite Andrea \u00e0 Euronews. Demorou um ano a batalha legal de Andrea e Gianni para transcrever o certificado de nascimento norte-americano da filha, reconhendo-os pela lei como pais de Anna . Conseguiram-no em 2018. \u0022Para n\u00f3s, parece ter chegado o final feliz, mas ainda existem muitos processos a correr no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos porque situa\u00e7\u00f5es como a nossa foram congeladas pela justi\u00e7a, o que faz com que existam crian\u00e7as com dois pais na realidade social -- para eles, para os colegas de escola e para os vizinhos -- mas sem reconhecimento legal\u0022, lamenta Gianni. Anna est\u00e1 a par da hist\u00f3ria da fam\u00edlia. Diz-nos ter nascido \u0022da barriga da amiga\u0022 da fam\u00edlia, que se chama \u0022Christy\u0022. 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Gestação de substituição: solução ou negócio

Gestação de substituição: solução ou negócio
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De Francisco MarquesValérie Gauriat
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Um vídeo oriundo da Ucrânia nas primeiras semanas do confinamento relançou o debate sobre as barrigas de aluguer. Mostramos-lhe o que está em jogo

O recurso à gestação de substituição voltou a dividir opiniões este ano quando o confinamento à escala quase mundial veio revelar o caso de dezenas de bebés retidos na Ucrânia à espera dos chamados pais de intenção.

Falava-se de "barrigas de aluguer", uma prática legal na Ucrânia e noutros países do Leste da Europa, mas não em Portugal, onde entre 2017 e 2018 foi possível recorrer a uma barriga de substituição, mas sem qualquer interesse comercial.

Há quatro anos, o Parlamento Português aprovou a gestação de substituição, permitindo, por exemplo, a casais homossexuais poder ter filhos recorrendo a barrigas externas aos parceiros de forma altruísta, isto é, sem troca de dinheiro mesmo na forma de doação.

Mas em 2018, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais parte da lei, em particular a impossibilidade de a gestante (a mulher que concorda gerar um filho para terceiros) poder impor os seus direitos maternais até ao momento da entrega da criança. Decisão reiterada no ano ado.

"Atualmente não existe (em Portugal) enquadramento legal que regule a gestação de substituição em Portugal, pelo que não é legal a prática desta técnica", lê-se no site do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.

O Bloco de Esquerda e o Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza (PAN) apresentaram, entretanto, novos projetos-lei sobre a gestação de substituição. "As iniciativas já receberam o parecer da Comissão de Saúde e nota técnica elaborada dos serviços de apoio e a discussão deve começar em breve", lê-se no portal da Ordem dos Advogados, em nota publicada no início de setembro sobre a reatamento dos trabalhos na Assembleia da República.

O que é a gestação de substituição?

A gestação de susbtituição baseia-se no acordo entre duas partes: os chamados pais de intenção, sendo um casal impossibilitado de gerar um filho, e uma mulher que se predispõe de forma voluntária para gerar no seu corpo um filho para ser entregue à outra parte para por eles ser perfilhado após o parto.

No portal da Direção-Geral de Saúde lê-se sobre a lei aprovada em 2017 e, entretanto revogada, que era "privilegiada a ligação da mãe genética com a criança, circunscrevendo ao mínimo indispensável a relação da gestante de substituição."

As imagens divulgadas em abril deste ano provenientes da Ucrânia revelavam uma outra realidade de pais impossibilitados de gerar filhos, mas determinados a "mundos e fundos" para o conseguir: as barrigas de aluguer.

O princípio é o mesmo da gestação de substituição, mas, como o nome indica, trata-se de um negócio e envolve um preço para o serviço prestado.

Uma reportagem da TVI, emitida no início deste ano, intitulava-se "portugueses pagam 40 mil euros por barrigas de aluguer na Ucrânia" e sugeria o aumento do número de casais portugueses que teriam começado a deslocar-se àquele país da Europa de leste para realizar o sonho de ter filhos depois de o Tribunal Constitucional lhes ter bloqueado a hipótese em Portugal.

O negócio das barrigas de aluguer

As notícias surgidas da Ucrânia de dezenas de bebés retidos numa maternidade privada à espera de serem entregues aos pais de intenção devido ao confinamento provocado pela pandemia de Covid-19 gerou um protesto internacional.

Eram bebés nascidos na Ucrânia e com bilhetes de ida para países como Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, México, Argentina e Portugal, mas os pais de intenção estavam impedidos de viajar para os recolherem.

A Euronews foi a Kyiv visitar as instalações da BiotexCom, a agência ucraniana de procriação medicamente assistida, de onde tinha surgido o tal vídeo.

As potenciais barrigas de aluguer inscrevem-se todos os dias e a agência regista mais de 300 nascimentos por ano. O dono da empresa orgulha-se de estar à frente da única empresa da Europa a garantir resultados aos clientes, garantiu-nos.

"Alguns casais escolhem o sexo do bebê. É proibido em muitos países da União Europeia, mas aqui não temos esse limite. Esperamos que a lei permita tecnologias mais precisas, como o CRISPR, para que se possa escolher também a cor dos olhos ou certas qualidades da criança", desejou Albert Tochilovsky, o diretor e proprietário da BiotexCom.

Muitas vezes acusado de práticas sem escrúpulos, o dono da agência tem enfrentado várias investigações judiciais. Mas rejeita todas as críticas.

"Países que já proibiram a fertilização in vitro dizem agora que até 2025 o terceiro filho vai nascer de um tubo de ensaio. Estamos a entrar na economia pós-industrial. Barrigas de aluguer, chips ligados ao cérebro. Isto é o futuro", aponta.

As barrigas de aluguer são proibidas em 8 países europeus, incluindo Portugal. São toleradas noutros por falta de leis e são permitidas no Reino Unido e na Grécia numa base não comercial.

Juntamente com a Rússia, a Ucrânia é um dos poucos países onde as barrigas de aluguer com fins comerciais são permitidas por lei.

A Ucrânia tornou-se um destino visto pelas agências especializadas como mais ível e sobretudo mais em conta do que os Estados Unidos, o país de referência para a gestação de substituição, num mercado global estimado em mais de 5 mil milhões de dólares.

Nos últimos cinco anos, mais de 4 mil bebés nasceram de barrigas de aluguer na Ucrânia e 90 por cento destas crianças têm pais estrangeiros.

Para o Comissário da presidência ucraniana para os Direitos das Crianças, este é um mercado que explora e viola os direitos das mulheres e das crianças.

Mykola Kuleba diz que, embora permitida por lei, a gestação de substituição é mal regulada e aberta a más práticas por parte de agências e intermediários que florescem no país.

A Ucrânia tornou-se um supermercado de barrigas de aluguer

As crianças estão a tornar-se mercadoria e a mulher, uma incubadora que tem de carregar este produto para alguém.

Se durante a gravidez os clientes decidirem que já não querem a criança, ela tem de fazer um aborto. Se não fizer, tem de devolver o dinheiro.

Se a criança nascer e os clientes não a quiserem, tem de dar a criança a um orfanato, porque não tem direitos sobre a criança.
Mykola Kuleba
Comissário da Presidência ucraniana para os Direitos das Crianças

A nossa equipa deslocou-se também à cidade de Vinnytsia, cerca de 300 km a sudoeste de Kyiv, onde vive Olga Kicena, treinadora e campeã de body building e barriga de aluguer de um menino que nasceu em julho, para um casal chinês.

Olga foi a única barriga de aluguer com quem ámos e que aceitou falar connosco sem tapar a cara. Diz que nunca se sentiu explorada e que o acompanhamento médico foi impecável.

Ser barriga de aluguer foi a forma de Olga e a filha de 13 anos, Alysa, mudarem de vida.

"Aceitei para poder comprar uma pequena casa e não ter de viver mais com a minha mãe. De outra forma, teria de trabalhar aqui durante muito tempo ou ir trabalhar para o estrangeiro. Não queria deixar a minha filha com a avó nem com outra pessoa, por isso não pensei muito e optei por entrar num programa de barrigas de aluguer para, num ano, poder comprar uma casa", explicou-nos a desportista.

Olga ite tê-lo feito "por dinheiro", de início, mas quando engravidou sentiu que "estava a criar uma família para alguém". "Os meus pensamentos mudaram. O dinheiro é bom, mas dar vida a alguém é ainda melhor", garantiu-nos.

Quisemos perceber se tinha sido fácil separar-se da criança depois de a carregar na barriga durante 9 meses. Olha respondeu-nos com pragmatismo.

Compreendi desde o início que ia dar a criança, por isso, não houve sentimentos maternos nem emoções durante a gravidez. Tenho a minha filha, que amo e por quem sinto emoções.

Tinha apenas um sentimento de responsabilidade porque carregava o filho de outra pessoa há 9 meses e precisava de o entregar.

É claro que é muito bonito quando se vê o bebé, é muito comovente, mas sabia que a criança era de outra pessoa. Tinha um pai e uma mãe à espera.
Olga Kicena
Professora de Fitness e mãe de aluguer

A filha Alysa assume-se "orgulhosa" pelo que Olga fez: "A minha mãe deu origem a uma nova vida. Isso é óptimo e, para mim, é positivo."

Último recurso para a infertilidade

Em França, onde também muitos casais escolheram barrigas de aluguer na Ucrânia, conhecemos Céline e Maxence Roussel, dois agentes imobiliários casados há uma década.

Depois de descobrirem a infertilidade de Céline, tentaram durante anos ter um filho através de reprodução assistida. A gestação de substituição foi o último recurso, depois de muitas tentativas falhadas de inseminação e fertilização in vitro.

O casal foi este verão para a Ucrânia. Dizem ter recebido da agência garantias de seriedade e segurança. Tanto para eles como para a barriga de aluguer.

"Qualquer pessoa que pense tratar-se apenas de pagar e isso é suficiente para ter uma criança, está errada. Não é, de todo. É preciso ter um problema real e razões médicas para podermos ter o a uma gestação de substituição na Ucrânia", garantiu-nos Maxence Roussel.

Céline acrescenta que não se tratou de "comprar uma barriga, nem um serviço". "Existem verdadeiras razões médicas que são verificadas. Para Maxence, que doa o esperma, há um exame de saúde. Para mim, é necessário um atestado médico a provar que sou estéril e incapaz de ter um filho", argumentou.

Esta mãe de intenção sa tem "a impressão de que por vezes as pessoas pensam que o filho de alguém é roubado", mas sublinha que essa ideia "é completamente falsa porque a mãe de aluguer carrega uma criança que não é dela".

"Não é a mãe porque o bebé não tem a sua herança genética. São utilizados os ovócitos da futura mãe, quando é possível, ou de uma doadora, se necessário. Mas não são os ovócitos da mãe biológica", garantiu-nos Céline.

Céline e Maxence endividiram-se para tornar o sonho realidade: vai custar-lhes cerca de 70 mil euros, mas nem o preço nem a lei os poderiam dissuadir.

Para este casal , a gestação de substituição deveria ser legal em França, tal como outras técnicas de reprodução assistida.

"Para mim, a gestação de substituição é uma técnica como outra qualquer. Há mulheres que nascem sem útero ou com anomalias uterinas graves. Porque é que devem ser penalizadas quando outros casais, com mulheres que têm problemas nos ovócitos ou homens nos espermatozoides, podem ser ajudados?", questionou.

Maxence agrega que o está em causa são "projetos de vida de pessoas". "Estamos a falar de um pequeno bebé de 30 centímetros, um pouco mais, que todos os dias muda a vida de muitos casais. Porque não a nossa? Alguém me pode explicar? Por que é que nós não temos esse direito?", questiona também este pai de intenção francês.

Exploração da mulher contra a tradição

A resposta dos que estão contra as barrigas de aluguer é intransigente. Dizem que o comércio explora as mulheres e desafia a noção de filiação tradicional. Argumentos partilhados por parte da classe intelectual sa e inclusive por René Frydman, um dos ginecologistas mais conhecidos em França.

Pai científico do primeiro bebé nascido da fertilização in vitro no país, há 38 anos, Frydman lutou pelo direito das mulheres solteiras e dos casais de lésbicas terem o à reprodução medicamente assistida, mas para ele, as barrigas externas ou de substituição são uma linha vermelha que não pode ser ultraada.

Para um obstetra como eu, que já realizou milhares de partos, que viu e viveu aquele momento, a pessoa que dá à luz é a mãe e quando se entra num sistema comercial, trata-se de uma organização, com intermediários e exploração.
René Frydman
Ginecologista obstetra

René Frydman diz preferir "centrar os esforços em melhorar as técnicas de reprodução assistida e na pesquisa médica para reduzir a infertilidade". A ciência não pode nem deve resolver tudo, sublinha.

"Não podemos sobrevalorizar a genética. Nem sempre temos a resposta. Nem podemos ir além de certos principios para termos resposta para todos. Cerca de 40% dos casais que nos procuram nunca terão os filhos que desejam. Temos de aceitar que não podemos fazer tudo a qualquer custo", defende o famoso obstetra.

"Os estudos continuam", prossegue Frydman, revelando estar agora a ser desenvolvido "o transplante de úteros". "Não será uma solução para todos, é complicado. De onde vem o útero? Quem é o dá? Tudo isto não é fácil, mas pelo menos, não há aqui nenhum negócio envovido", garantiu-nos.

Paternidade dependente de adopção

No novo projeto-lei de bioética recentemente aprovado em França não está incluída a autorização da gestação de substituição. Há, no entanto, uma recente emenda a confirmar a obrigação dos pretendentes a pais, sem qualquer ligação biológica ao bebé nascido no estrangeiro, de terem de ar por um processo de adoção para serem reconhecidos legalmente como pais da criança.

Fomos conhecer outro casal francês, Sylvie e Dominique Mennesson. Durante 19 anos, este casal lutou para ser reconhecido pela lei como pais de duas gémeas, nascidas numa gestação de substituição nos Estados Unidos.

O certificado norte-americano de nascimento das crianças não foi aceite pelos tribunais ses porque Sylvie, por sofrer de infertilidade, recorreu à doação de óvulos.

A única opção aceite pela justiça seria a adoção, mas tal foi recusado pelo casal.

"É uma discriminação entre o homem e a mulher, entre um pai e uma mãe. Considerar que a mãe é a única que dá à luz, é recuar séculos. É a sacralização do parto em detrimento da educação de uma criança, do desejo de ter uma criança, de estar na origem da criança e de ser o que se chama uma mãe de intenção. Isso, para nós, não era aceitável", afirmou Sylvie Mennesson.

Foram precisos anos de processos legais e uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos contra o Estado francês, para que o Supremo Tribunal de França reconhecesse finalmente o casal como pais das gémeas. Um caso de jurisprudência.

Dezenas dos chamados pais de intenção conseguiram desde então a completa transcrição dos certificados de nascença dos filhos gerados por barrigas de substituição fora de França.

Mas o novo projeto-lei pode vir a tornar a adoção obrigatória. Dominique diz "correr ainda hoje por baixo do tapete uma tentativa de punir as crianças e de fazer as pessoas acreditar que isso irá impedir os ses de recorrer ao estrangeiro."

"Eles pensam que esse projeto-lei será dissuasivo. Não será, de todo. Quando as pessoas estão decididas a ter filhos, estão dispostas a mover montanhas e a fazer tudo para o conseguir. O que interessa é o bem estar das crianças. Não é normal que elas sejam discriminadas negativamente. As crianças foram apelidadas de 'filhos fantasma' durante anos", recorda Sylvie, com Dominique a acrescentar o título de "os fantasmas da República".

"As crianças existiam, mas não eram reconhecidas nem estavam registadas e isso complica a vida quotidiana. Também não é normal ter que ir ao estrangeiro para ter filhos. A França podia muito bem ter aqui este processo, numa base altruísta e voluntária, para parar as falcatruas e estas agências sabe-se lá de onde, que enganam os casais com mentiras", defendeu Sylvie.

Dominique quer ar "a mensagem de que o recurso a uma barriga externa é uma aventura hmana e de relacionamento".

"Continuamos a ser grandes amigos da mulher maravilhosa que nos ajudou porque ela é alguém importante na nossa vida pelo gesto que teve. Nós também somos importantes para ela porque, juntos, fizemos algo de extraordinário", engrandeceu.

Um sentimento partilhado também pelas filhas. Tal como os pais, elas também querem ver legalizado em França o recurso a barrigas externas.

Valentina Mennsson assume-se porta-voz das irmãs e disse-nos: "O facto de eu ter nascido desta forma não me afetou. O que me afetou foi o facto dos meus pais terem ado tanto tempo numa batalha legal, com reuniões a toda a hora e a perder tempo com os nossos papéis em vez de estarem a tomar conta de nós. Parecia que nunca mais acabava. Foi saturante para eles porque estiveram sempre na linha da frente, mas também para nós porque estávamos sempre a vê-los cansados, revoltados e frustrados."

Valentina mostra ter uma ideia muito clara sobre o tema e defende que "o recurso a uma gestação de substituição, quando é feito em países onde está regulado e supervisionado, não é uma escolha. "É uma solução e traz alegria às famílias que não podem ter filhos por serem estéreis", concretiza.

Integrar a gestação de substituição num quadro legal, protegendo tanto crianças como adultos, é o objetivo do recurso coletivo apresentado por uma centena de personalidades sas. Entre elas, a psicanalista Geneviéve Delaisi de Parseval, para quem o modelo tradicional de família deve ser revisto.

A nossa sociedade está em constante mudança. Ainda assim, há um bloqueio à procriação e, ao mesmo tempo, todos querem ter filhos.

"Penso que todos podemos viver sem filhos, mas toda a gente quer ter filhos e eu acho que devemos ajudar os nossos contemporâneos para que estas crianças possam nascer nas melhores condições possíveis.

"Não são de todo histórias simples. São complexas. Não complicadas, complexas. Há muito por entender.

"Acredito que o que conta para uma criança é se ela desejada, se é respeitada enquanto indivíduo e que todos os envolvidos sejam respeitados, incluindo as barrigas de substituição.

"Não deve haver confusões entre uma gâmeta e um ser humano. Um psicoanalista não quer saber da gâmeta. Só do ser humano.
Geneviéve Delaisi de Parseval
Psicanalista sa

Os dois pais de Anna

Terminamos o nosso périplo em Itália, onde a gestação de substituição também é proibida e, mais precisamente em Milão, onde Andrea Simone e Gianni Tofanelli vivem com a filha de seis anos, Anna.

Ainda antes das uniões civis serem autorizadas em Itália para casais do mesmo sexo, eles casaram-se em 2013 nos Estados unidos, o país onde puderam alargar a família através da gestação numa barriga de substituição.

"Para nós, foi o coroar de um sonho de amor. Se alguém me perguntar qual foi o dia mais belo da minha vida, eu direi: dois de agosto de dois mil e catorze. O dia em que ela nasceu. Finalmente, realizei o sonho de ter formado uma família para todos os efeitos. Eu queria um filho. Ele queria um filho. E confesso: como foram plantados dois embriões, poderíamos ter tido gémeos, mas não aconteceu assim. Se fosse um pouco mais jovem, talvez fizesse outro filho", ite Andrea à Euronews.

Demorou um ano a batalha legal de Andrea e Gianni para transcrever o certificado de nascimento norte-americano da filha, reconhendo-os pela lei como pais de Anna. Conseguiram-no em 2018.

"Para nós, parece ter chegado o final feliz, mas ainda existem muitos processos a correr no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos porque situações como a nossa foram congeladas pela justiça, o que faz com que existam crianças com dois pais na realidade social -- para eles, para os colegas de escola e para os vizinhos -- mas sem reconhecimento legal", lamenta Gianni.

Anna está a par da história da família. Diz-nos ter nascido "da barriga da amiga" da família, que se chama "Christy". Já a conheceu, diz que a mãe biológica é "simpática", mas que gosta "muito, muito" de ter dois 'papás', ambos "muito simpáticos", garantiu.

"Ela é muito diplomática", diz Andrea, um dos pais e o autor do livro "Dois homens e um berço", escrito com o objetivo de mudar mentalidades, mas também pelo bem estar de Anna.

"Quero que ela um dia possa ler e compreender a sua história. Creio que o mais importante seja transmitir-lhe a maior quantidade de amor possível. A mensagem mais importante é a de que a nossa seja uma família cheia de amor", resume Andrea.

Gianni fez questão de acrescentar outra mensagem que entende ser importante: "Que os nossos filhos são muito desejados e acontece serem também muito amados. São filhos nascidos de uma vontade muito forte e que é repetida dia após dia. Que não haja dúvidas: a força e a dedicação são máximas. Não há outra forma de o expressar."

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