Em várias cidades e regiões costeiras, autoridades locais e voluntários estão a tentar limpar os mares. As iniciativas são contudo pouco eficazes. Mas com a ajuda de investigadores e novas tecnologias, a maré pode vir a mudar. #GreenTomorrow
Como parte da iniciativa "Green Tomorrow", a Euronews foi ao fundo do mar para saber de que forma está o plástico a afetar a vida marinha e humana e descobrir como pode o lixo ganhar uma nova vida, devolvendo vida aos oceanos.
O flagelo do plástico
Conhecida como a "ilha da vitalidade" na Croácia, Lošinj, atrai muitos turistas e a vida selvagem do Adriático.
Mas como em muitas zonas costeiras, nestas águas cristalinas o lixo marítimo é um flagelo constante.
Todos os anos, 8 milhões de toneladas de plástico vão para os oceanos. A poluição está a prejudicar a biodiversidade, propagando doenças e toxinas por toda a cadeia alimentar.
Numa marina local, alunos de mergulho voluntariaram-se para limpar algum do lixo acumulado ao longo dos anos. Lá em baixo, o fundo do mar está repleto de lixo, de garrafas e copos de plástico a pedaços de barcos partidos.
A paisagem subaquática é já conhecida do instrutor de mergulho Neno Starčić, que, nesta ação, voltou a ver "muitos resíduos humanos, na sua maioria plásticos, nylons, tudo o que por vezes fica na praia" e que "quando o vento começa a soprar, pode ir parar ao mar".
O lixo levou-o muitas vezes a "colocar uma grande questão: quem é que vai limpar isto?".
E do testemunho ou à ação e mergulhou a fundo na limpeza dos mares.
Os perigos da "pesca fantasma"
No fundo do mar repousam empilhadas redes e cestas de pesca velhas. Estima-se que um quinto de todo o material de pesca nos mares europeus acabe perdido ou intencionalmente abandonado. Demoram séculos a degradar-se e constituem um quarto de todo o lixo marítimo na Europa.
Encontrar redes abandonadas no mar e levá-las para a superfície não é uma tarefa fácil.
Mas deixar todo esse material, conhecido como "pesca fantasma", representa um grave perigo para a vida selvagem marinha.
"Funcionam como armadilhas para muitos organismos marinhos, que ficam completamente enredados", explica Jelena Basta, diretora pedagógica do, Instituto de Investigação e Conservação Marinha Blue World.
A bordo de um dos barcos de limpeza, segura nas redes que chegam à superfície, são feitas de "nylon, que é plástico e que no final se transforma em microplásticos. E é assim que acabamos por ter partículas de microplásticos no nosso corpo", conta.
Tecnologia como aliada
Encontrar "redes fantasma" e outros lixos marinhos pode ser mais fácil com as novas tecnologias. Investigadores do projeto europeu "marGnet" estão a testar aqui na Croácia e em Itália, um sistema de varrimento submarino de alta resolução.
Conforme revela Federico Riccato, investigador em monitorização ecológica, do Projeto Laguna, trata-se "essencialmente [de] uma sonda, localizada não no barco à superfície, mas diretamente no fundo do mar. O barco pode mover-se, à deriva com o vento, enquanto o aparelho está firmemente fixado no fundo. A cabeça roda 360 graus, fornecendo-nos um mapa do fundo do mar com uma precisão de centímetros".
O plano é utilizar esta tecnologia para mapear pontos de poluição intensa que podem depois ser limpos por equipas profissionais de mergulho. Desta forma, as operações de limpeza subaquática podem tornar-se mais eficientes e menos dispendiosas.
Assim que a eco-sonda é colocada a partir do barco, um dos investigadores mergulha para verificar se o dispositivo está devidamente assente no fundo do mar.
Através de um leitor acústico é possível detetar objetos submarinos num raio de 150 metros, transmitindo os resultados de volta para o barco em tempo real.
"Podemos ver, no ecrã, a forma redonda de um pneu, ou a forma alongada de uma corda. Este sistema pode ser utilizado combinado com outros métodos para identificar objetos no fundo do mundo, mesmo quando a água não é transparente", afirma o investigador.
Veneza dos canais de lixo
Em mares como o Adriático a água é muito transparente, mas a eco-sonda pode ser igualmente eficaz em águas turvas, como as da lagoa de Veneza em Itália.
As marés altas levam frequentemente o lixo das ruas da cidade para os famosos canais, no entanto, as autoridades locais e grupos de voluntários declararam guerra ao problema.
Tal como noutras cidades costeiras em todo o mundo, as ações voluntárias de limpeza em Veneza tornaram-se numa tradição anual.
Este ano, vários grupos aderiram à iniciativa e, enquanto alguns voluntários removeram destroços flutuantes dos históricos canais, outros apanharam lixo trazido para terra pelo vento e pelas correntes.
Em 2019, a União Europeia mobilizou, em parceria com a ONU, mais de 40 mil voluntários em quase 80 países para participar na campanha #EUBeachCleanup.
Além das ações de limpeza, os ativistas trabalham durante todo o ano na sensibilização do público.
Para o vice-presidente da associação Lagoa de Veneza Livre de Plástico, Davide Poletto, "uma das coisas mais importantes é aproximar as pessoas do problema do lixo marítimo, da forma como tratamos o nosso ambiente, e tentar recriar uma ligação que de alguma forma foi cortada na nossa civilização moderna entre nós e o nosso ambiente. Essa é a chave para fazer mudanças maiores, muito maiores do que limpar um pequeno pedaço da lagoa".
Plástico: se não o consegues evitar, recicla-o
À distância de uma pequena viagem de barco, encontra-se a Ilha de Murano, famosa pela produção de vidro e repleta de lixo.
O projeto de investigação "marGnet" coorganizou a limpeza da ilha e acredita que os resíduos plásticos não têm de acabar num incinerador ou num aterro sanitário. Podem mesmo ser tratados como uma matéria-prima valiosa.
Em um único dia de limpeza, a ação de limpeza realizada pelo marGnet recolheu em Veneza quase três toneladas de resíduos, incluindo centenas de quilos de plástico.
Após a recolha, o lixo segue para uma pequena empresa perto de Turim especializada em pirólise, onde, através de um dispositivo protótipo os plásticos são decompostos a uma temperatura de 400°C, sem precisar de oxigénio e sem fazer combustão.
"A pirólise é a única forma conhecida hoje em dia de processar resíduos mistos sem necessidade de pré-tratamento. Como podemos ver, o lixo é simplesmente tratado tal como foi recuperado do mar", mostra Gian Claudio Faussone, cofundador e diretor técnico da empresa.
Os plásticos derretem em óleo de pirólise bruto que a seguir pode ser transformado em combustível. No futuro, a técnica pode, por exemplo, permitir aos pescadores reciclar redes antigas e plásticos recolhidos no mar em algo que possam voltar a usar.
Do processador sai um líquido transparente, "um combustível leve, adequado para motores rápidos, que pode ser utilizado diretamente em barcos".
No final, todos os envolvidos ganham com o processo. E, com eles, o planeta.