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Eu costumo dizer que o \u00fanico animal suficientemente est\u00fapido para se meter ali \u00e9 mesmo o homem.\u0022 \u0022Eu acordo \u00e0s sete da manh\u00e3, saio da tenda por volta das oito, oito e meia e volto a entrar na tenda por volta das seis da tarde. Entre as oito e as seis da tarde, s\u00e3o dez horas em que n\u00f3s estamos expostos \u00e0s intemp\u00e9ries sem nos sentarmos. Posso sentar-me eventualmente no tren\u00f3, mas at\u00e9 n\u00e3o tinha esse h\u00e1bito, e portanto fazer toda a vida numa temperatura m\u00e9dia de menos 30, menos 40 graus, isso \u00e9 de uma dureza que n\u00e3o a pela cabe\u00e7a das pessoas.\u0022 \u0022Andar \u00e9 f\u00e1cil, o processo de esquiar n\u00e3o \u00e9 complicado. O que \u00e9 complicado \u00e9 quando paramos de esquiar e queremos comer. Eu tenho uma m\u00e1scara e tenho de a tirar, para a tirar tenho de desapertar o casaco, para desapertar o casaco tenho de tirar as luvas. 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H\u00e1 v\u00e1rias coisas que posso fazer: eu pratico triatlo, antes de me ir embora fiz um Iron Man, corri algumas maratonas, portanto do ponto de vista f\u00edsico sentia-me bastante bem.\u0022 \u0022Era preciso praticar o frio e a tra\u00e7\u00e3o. Eu andei a puxar um tren\u00f3 em praias por esse mundo fora, conforme a minha vida [profissional] me mandava para l\u00e1, porque sou piloto da TAP: puxei o tren\u00f3 em praias no Rio de Janeiro e aqui tamb\u00e9m em Carcavelos, muitas vezes. Mas, basicamente, a n\u00edvel do frio e dos procedimentos relacionados com o frio, estive acampado na Noruega e fiz uma travessia de um glaciar na Isl\u00e2ndia, o que me permitiu enquadrar procedimentos para depois me sentir mais confort\u00e1vel na Ant\u00e1rtida.\u0022 \u0022Em primeiro lugar, esta n\u00e3o \u00e9 a minha primeira expedi\u00e7\u00e3o. J\u00e1 fiz uma s\u00e9rie de expedi\u00e7\u00f5es, j\u00e1 fiz os 'Seven Summits' e j\u00e1 tinha ido ao Polo Norte. Esta foi a mais longa, \u00e9 factual, e, na minha opini\u00e3o, foi a mais dura. Foi um esfor\u00e7o intenso, todos os dias.\u0022 \u0022Nas montanhas \u00e0s vezes temos uns dias de descanso, para aclimata\u00e7\u00e3o, etc. Aqui n\u00f3s s\u00f3 par\u00e1mos quando o tempo estava mau, isso aconteceu durante tr\u00eas dias e meio, e duas vezes porque algu\u00e9m se sentiu mal, j\u00e1 na fase final. Mas cheguei a ter trinta dias de esfor\u00e7o consecutivo.\u0022 \u0022Do ponto de vista ps\u00edquico, se n\u00f3s soubermos para o que \u00e9 que vamos - eu n\u00e3o sei responder muito bem a essa pergunta, porque de facto n\u00e3o se fazem flex\u00f5es para a cabe\u00e7a -, mas eu sabia muito bem ao que \u00eda e nunca me senti a fraquejar do ponto de vista psicol\u00f3gico e emocional.\u0022 \u0022Obviamente, ei o Natal longe da fam\u00edlia, o que \u00e9 duro. Ainda por cima eles enviaram-me os v\u00eddeos e fiquei todo emocionado de ver os v\u00eddeos quando l\u00e1 cheguei. Eu sabia para o que \u00e9 que \u00eda e, ainda por cima, fiz esta expedi\u00e7\u00e3o associado a uma causa social, com a Acreditar , e, quando estou a trabalhar para pais e fam\u00edlias de jovens com cancro, qualquer parte ps\u00edquica em que eu me sinta mal \u00e9 uma brincadeira de meninos, comparada com aquilo que esses pais vivem. Portanto, se n\u00f3s relativizarmos as coisas, eu n\u00e3o tive problemas.\u0022 Como \u00e9 que se conjuga a aventura com a vida pessoal e profissional? \u0022Com a minha vida pessoal, foi um gigantesco esfor\u00e7o por parte da minha fam\u00edlia tamb\u00e9m. Esta minha expedi\u00e7\u00e3o \u00e9 tamb\u00e9m para eles uma expedi\u00e7\u00e3o, porque tive muito tempo ausente. Eu sou piloto da TAP h\u00e1 trinta anos, portanto ia jogando com as minhas folgas, com algumas f\u00e9rias em atraso, com as f\u00e9rias deste ano, de 2017 e 2018 - que isto transitou de um ano para o outro -, foi assim que eu consegui arranjar os dias e o tempo. Al\u00e9m disso, eu levanto-me muito cedo, para treinar e conseguir p\u00f4r-me em forma para aguentar este tipo de desafios.\u0022 Sente-se um her\u00f3i, depois de conquistar o Polo Sul? \u0022Eu basicamente sou um aventureiro e gosto muito disso, mas n\u00e3o sou nenhum her\u00f3i. Her\u00f3is s\u00e3o as pessoas que salvam vidas, esses \u00e9 que s\u00e3o her\u00f3is. Eu sou o cromo: fui ao Polo Sul, chego, dou entrevistas e aut\u00f3grafos, tiro fotografias com os mi\u00fados, \u00e9 tudo fant\u00e1stico... Mas quem est\u00e1 na Acreditar todos os dias a apoiar os jovens, quem est\u00e1 em oncologia todos os dias a fazer festinhas aos Barnab\u00e9s , esses \u00e9 que s\u00e3o os her\u00f3is. Eu sou s\u00f3 o cromo que ajuda a dar visibilidade.\u0022 \u0022A Acreditar \u00e9 uma institui\u00e7\u00e3o que tem tr\u00eas casas, que apoia os familiares das crian\u00e7as com cancro e que \u00e9 uma coisa que todos n\u00f3s esperamos nunca vir a precisar, mas que bate \u00e0 porta a qualquer hora. Portanto, n\u00f3s n\u00e3o estamos a ajudar a Acreditar, estamos a ajudar-nos a n\u00f3s pr\u00f3prios. Estamos a ajudar uma institui\u00e7\u00e3o que permite \u00e0s pessoas que am por coisas absolutamente terr\u00edveis, n\u00e3o s\u00f3 as crian\u00e7as como os pais das crian\u00e7as, que devem viver uma ang\u00fastia terr\u00edvel, ter um s\u00edtio, n\u00e3o s\u00f3 onde possam ficar, mas tamb\u00e9m onde possam ter o seu sil\u00eancio ou os seus desabafos e onde sejam respeitados pela sua dor. Isto \u00e9 uma coisa que \u00e9 muito importante e eu conto tamb\u00e9m com a vossa ajuda para tornar isto poss\u00edvel.\u0022 (O grupo Facebook da campanha \u0022Esquiar por uma Causa\u0022 est\u00e1 \u00edvel aqui ) Qual \u00e9 a aventura que se segue? O Polo Sul n\u00e3o marca certamente o fim da carreira de aventureiro? \u0022Eu n\u00e3o sou um arinho de gaiola, portanto n\u00e3o acredito que a minha carreira de aventureiro termine por aqui. S\u00f3 que as pessoas ficam sempre \u00e0 espera, depois de ter subido o Evereste, ou depois de ter feito este g\u00e9nero de coisas, que tudo tenha de ser altamente medi\u00e1tico e que as coisas tenham de ser muito fortes. H\u00e1 coisas maravilhosas para fazer.\u0022 \u0022Se, eventualmente, aparecer alguma proposta, ser\u00e1 devidamente encarada. Mas as coisas que eu gostava muito de fazer, est\u00e3o feitas. H\u00e1 muitos desafios e muitas montanhas para subir e muitos eios para dar, mas n\u00e3o t\u00eam de ser coisas de dois meses. 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Ângelo Felgueiras: a entrevista integral

Ângelo Felgueiras: a entrevista integral
Direitos de autor Ângelo Felgueiras
Direitos de autor Ângelo Felgueiras
De Rodrigo BarbosaMiguel Roque Dias
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Veja aqui a entrevista integral do aventureiro Ângelo Felgueiras, primeiro português a completar uma expedição ao Polo Sul, esquiando quase dois meses pela Antártida

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Ângelo Felgueiras tornou-se, a 15 de janeiro, no primeiro português a completar uma expedição ao Polo Sul. Quase dois meses através das paisagens tão belas como inóspitas da Antártida.

A euronews teve a oportunidade e o privilégio de entrevistar este "aventureiro solidário", que nos fez um balanço da expedição e de uma carreira realizada, mas talvez ainda sem ponto final.

Qual foi a primeira coisa em que pensou quando chegou ao Polo Sul?

"A primeira coisa que pensei foi que já faltava pouco para ir tomar banho. Foram muitos dias sem tomar banho. Foram 57 dias de expedição e, além da grande alegria que eu tinha de chegar ao Polo Sul, era também a alegria de chegar ao fim e ter cumprido o objetivo ao qual me tinha proposto."

Qual foi a etapa mais difícil na Antártida?

"Foram 57 dias de expedição, com dez horas de esforço diário, muito, muito intenso. E, portanto, esforço físico durante 57 dias requer também muito trabalho de cabeça. Essa foi a principal dificuldade: um grande esforço físico e um grande esforço psicológico e emocional."

"Eu dividiria a expedição em duas partes. Na primeira fase, nós apanhámos um grande nevão, uma grande tempestade. Nós tinhamos uma duração estimada de 50 dias e uma duração máxima [prevista] de 56 e percorremos a primeira metade da distância em 32 dias. Portanto, não é preciso ser um prémio Nobel da Matemática para perceber que alguma coisa ia correr mal."

"Até chegarmos a meio do caminho, estávamos sempre com a possibilidade da expedição ser cancelada, por não termos tempo suficiente para a cumprir. E isso era uma coisa que não dependia de mim e foi um esforço emocional e psicológico terrível, porque era estar a fazer um esforço físico todos os dias, sem saber se ia chegar ao fim."

"Entretanto, nós começámos sete e acabámos quatro. Quando terminou a primeira metade, ficámos só quatro e, a partir daí, começámos a andar mais depressa e conseguimos terminar dentro do tempo previsto. Mas aquele stress sem saber se chegávamos ao fim, foi uma coisa que eu não dominava, não controlava, foi uma fase um bocadinho difícil, muito difícil."

Sentiu medo?

"Não, nunca tive medo. Tinha é a angústia enorme da incerteza de poder continuar, mas nunca me senti em risco. O perigo, neste tipo de expedições, é basicamente o frio. Nós chegámos a esquiar com menos 48 graus e isso requer muita proteção e disciplina nos procedimentos, para nunca nos magoar-mos."

"Nós estamos num dos locais mais inóspitos e mais agrestes da terra e menos simpáticos para o ser humano. De resto, ali não há fauna absolutamente nenhuma. Eu costumo dizer que o único animal suficientemente estúpido para se meter ali é mesmo o homem."

"Eu acordo às sete da manhã, saio da tenda por volta das oito, oito e meia e volto a entrar na tenda por volta das seis da tarde. Entre as oito e as seis da tarde, são dez horas em que nós estamos expostos às intempéries sem nos sentarmos. Posso sentar-me eventualmente no trenó, mas até não tinha esse hábito, e portanto fazer toda a vida numa temperatura média de menos 30, menos 40 graus, isso é de uma dureza que não a pela cabeça das pessoas."

"Andar é fácil, o processo de esquiar não é complicado. O que é complicado é quando paramos de esquiar e queremos comer. Eu tenho uma máscara e tenho de a tirar, para a tirar tenho de desapertar o casaco, para desapertar o casaco tenho de tirar as luvas. E é nestas fases de transição, no tempo de exposição da nossa pele às temperaturas tão baixas, que algo pode correr mal."

"Requer, por um lado, uma grande disciplina e, por outro, uma pessoa nunca entrar em pânico, nunca se distrair com esse pormenor. Esta é a grande dureza, estarmos durante dez horas por dias sujeitos a estas temperaturas, porque depois não vamos comer num hotel, depois montamos uma tenda e ficamos aí acampados no gelo. Eu dormi acampado no gelo durante 58 noites."

Como é que se treina fisica e psicologicamente para uma expedição destas?

"Faz agora um ano, em janeiro, que eu estava a acampar na Noruega, assim pela fresquinha. E faz em fevereiro um ano que estava a acampar na Islândia, também pela fresquinha. Portanto, fisicamente, é fácil de treinar. Há várias coisas que posso fazer: eu pratico triatlo, antes de me ir embora fiz um Iron Man, corri algumas maratonas, portanto do ponto de vista físico sentia-me bastante bem."

"Era preciso praticar o frio e a tração. Eu andei a puxar um trenó em praias por esse mundo fora, conforme a minha vida [profissional] me mandava para lá, porque sou piloto da TAP: puxei o trenó em praias no Rio de Janeiro e aqui também em Carcavelos, muitas vezes. Mas, basicamente, a nível do frio e dos procedimentos relacionados com o frio, estive acampado na Noruega e fiz uma travessia de um glaciar na Islândia, o que me permitiu enquadrar procedimentos para depois me sentir mais confortável na Antártida."

"Em primeiro lugar, esta não é a minha primeira expedição. Já fiz uma série de expedições, já fiz os 'Seven Summits' e já tinha ido ao Polo Norte. Esta foi a mais longa, é factual, e, na minha opinião, foi a mais dura. Foi um esforço intenso, todos os dias."

"Nas montanhas às vezes temos uns dias de descanso, para aclimatação, etc. Aqui nós só parámos quando o tempo estava mau, isso aconteceu durante três dias e meio, e duas vezes porque alguém se sentiu mal, já na fase final. Mas cheguei a ter trinta dias de esforço consecutivo."

"Do ponto de vista psíquico, se nós soubermos para o que é que vamos - eu não sei responder muito bem a essa pergunta, porque de facto não se fazem flexões para a cabeça -, mas eu sabia muito bem ao que ía e nunca me senti a fraquejar do ponto de vista psicológico e emocional."

"Obviamente, ei o Natal longe da família, o que é duro. Ainda por cima eles enviaram-me os vídeos e fiquei todo emocionado de ver os vídeos quando lá cheguei. Eu sabia para o que é que ía e, ainda por cima, fiz esta expedição associado a uma causa social, com a Acreditar, e, quando estou a trabalhar para pais e famílias de jovens com cancro, qualquer parte psíquica em que eu me sinta mal é uma brincadeira de meninos, comparada com aquilo que esses pais vivem. Portanto, se nós relativizarmos as coisas, eu não tive problemas."

Como é que se conjuga a aventura com a vida pessoal e profissional?

"Com a minha vida pessoal, foi um gigantesco esforço por parte da minha família também. Esta minha expedição é também para eles uma expedição, porque tive muito tempo ausente. Eu sou piloto da TAP há trinta anos, portanto ia jogando com as minhas folgas, com algumas férias em atraso, com as férias deste ano, de 2017 e 2018 - que isto transitou de um ano para o outro -, foi assim que eu consegui arranjar os dias e o tempo. Além disso, eu levanto-me muito cedo, para treinar e conseguir pôr-me em forma para aguentar este tipo de desafios."

Sente-se um herói, depois de conquistar o Polo Sul?

"Eu basicamente sou um aventureiro e gosto muito disso, mas não sou nenhum herói. Heróis são as pessoas que salvam vidas, esses é que são heróis. Eu sou o cromo: fui ao Polo Sul, chego, dou entrevistas e autógrafos, tiro fotografias com os miúdos, é tudo fantástico... Mas quem está na Acreditar todos os dias a apoiar os jovens, quem está em oncologia todos os dias a fazer festinhas aos Barnabés, esses é que são os heróis. Eu sou só o cromo que ajuda a dar visibilidade."

"A Acreditar é uma instituição que tem três casas, que apoia os familiares das crianças com cancro e que é uma coisa que todos nós esperamos nunca vir a precisar, mas que bate à porta a qualquer hora. Portanto, nós não estamos a ajudar a Acreditar, estamos a ajudar-nos a nós próprios. Estamos a ajudar uma instituição que permite às pessoas que am por coisas absolutamente terríveis, não só as crianças como os pais das crianças, que devem viver uma angústia terrível, ter um sítio, não só onde possam ficar, mas também onde possam ter o seu silêncio ou os seus desabafos e onde sejam respeitados pela sua dor. Isto é uma coisa que é muito importante e eu conto também com a vossa ajuda para tornar isto possível."

(O grupo Facebook da campanha "Esquiar por uma Causa" está ível aqui)

Qual é a aventura que se segue? O Polo Sul não marca certamente o fim da carreira de aventureiro?

"Eu não sou um arinho de gaiola, portanto não acredito que a minha carreira de aventureiro termine por aqui. Só que as pessoas ficam sempre à espera, depois de ter subido o Evereste, ou depois de ter feito este género de coisas, que tudo tenha de ser altamente mediático e que as coisas tenham de ser muito fortes. Há coisas maravilhosas para fazer."

"Se, eventualmente, aparecer alguma proposta, será devidamente encarada. Mas as coisas que eu gostava muito de fazer, estão feitas. Há muitos desafios e muitas montanhas para subir e muitos eios para dar, mas não têm de ser coisas de dois meses. Para fazer uma grande expedição, tinha de ser uma proposta que fosse interessante e tinha de ter o apoio da minha família e, preferencialmente, envolver a minha família."

Como resumiria numa frase a mensagem que gostaria de transmitir da sua vida de aventuras?

"Eu tenho dificuldade em exprimir, numa frase, a minha vida de aventuras, mas não tenho dificuldade em exprimir, numa frase, aquilo que eu acho que é a primeira prioridade na vida: a primeira prioridade na vida é ser feliz."

Nome do jornalista • Rodrigo Barbosa

Editor de vídeo • Alexis Caraco

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